MAC apresenta as várias faces de Gustavo von Ha

Pintor, cineasta e ilusionista, o artista cria um homônimo e questiona a identidade e os mitos na história da arte apresentando 34 trabalhos inéditos no Museu de Arte Contemporânea da USP

 22/09/2016 - Publicado há 8 anos
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Na segunda sala, um grande painel de tramas e cores anuncia o grande artista
Na segunda sala, um grande painel de tramas e cores anuncia o grande artista – Foto: Divulgação

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Não é uma exposição linear para olhar, apreciar e descobrir o artista. Inventário: Arte Outra, com 34 trabalhos recentes – entre telas, vídeo, fotos e objetos – de Gustavo von Ha, está longe do óbvio. O artista gestual que se anuncia pintando telas pequenas e depois gigantes também não é real. Gustavo Von Ha é um homônimo. Um artista inventado pelo paulista da cidade de Presidente Prudente. Porém, a proposta da arte do homônimo e de seu criador tem versões infinitas que ficam no limite entre realidade e ficção. Uma verdade que ele consegue reinventar com ironia e humor.

Logo na entrada, as telas pequenas com tinta sobreposta
Logo na entrada, as telas pequenas com tinta sobreposta – Foto: Divulgação

Tudo que ele apresenta é inédito, mas não é original. Pelo contrário. O pensador e pesquisador Gustavo von Ha define: “Somos seres complexos e nossa formação se dá inteira pela imitação”. A sensação, ao entrar na galeria, é de observar um artista em formação. Na primeira sala, há telas pequenas de quem ainda está percebendo o espaço. Trabalha com camadas de tintas sobrepostas. Já na segunda, há telas de grandes dimensões com uma trama de cores de uma pintura gestual. Ele estende a lona no chão e pinta em gestos largos de uma dança ou performance. As cores vibrantes e o desenho que sugere imagens como a do vento sobre as folhas das árvores – paisagem reforçada pelo vídeo que está na última sala – chamam a atenção do visitante.
“Os trabalhos aludem ao mito de um gesto artístico heroico”, explica a curadora da mostra, Ana Avelar, professora da Universidade de Brasília (UnB) e pós-doutoranda no MAC. “Desta vez, para discutir noções como cópia, simulação e apropriação, Von Ha escolhe a visualidade da pintura gestual – não geométrica, não figurativa, também conhecida como expressionista abstrata, abstrato-lírica ou informalista.”

Vitrine com pigmentos e material de trabalho
Vitrine com pigmentos e material de trabalho – Foto: Divulgação

Para a montagem da exposição, Ana acompanhou e pesquisou Von Ha no decorrer de três anos. “A mostra traz uma seleção de imagens que provocam a sensibilidade e seduzem pela cor e pelo gesto. É essa apreensão que o artista intenciona desestabilizar.”
Como uma mostra didática que tenta resgatar o cenário da trajetória de um grande artista, o visitante pode ver vitrines com os materiais que ele utiliza, como pincéis, tintas, espátulas, vidros com pigmentos e esponjas do mar. “Alguns desses materiais foram realmente usados e outros não.”

Na terceira sala, há mais vitrines com documentos, fotografias, livros, cadernos do artista e um manual de Como fazer um Pollock, em uma evocação a Jackson Pollock, um dos pioneiros do expressionismo abstrato norte-americano. Um inventário que acaba intrigando o visitante. Afinal, quem é Gustavo von Ha? Está vivo ou morto?

Documentos, livros e fotos da década de 1950
Documentos, livros e fotos da década de 1950 – Foto: Divulgação

Diante dos jornais, cartazes reais, inclusive da 5ª Bienal de São Paulo de 1959, a confusão aumenta. Nas contas com a realidade, percebe-se que o artista não é o mesmo Von Ha que nasceu em 1977. As evidências indicam que o homônimo viveu as poéticas daquela época. “As obras remetem a uma visualidade inscrita a partir do segundo pós-guerra, entre os anos 1950 e 1960, comumente denominada abstração expressiva ou gestual, pintura de ação, informalismo ou pintura matéria”, esclarece a curadora Ana Avelar. “Quase como um falsificador, Von Ha se apropria de procedimentos, modos de fazer e mesmo da imagem de outros artistas, em trabalhos que evocam de Jackson Pollock a Alberto Burri. São citações e comentários de uma imagem genérica que pautou essa pintura de grande repercussão durante o segundo pós-guerra e que é celebrizada mesmo nos dias de hoje.”

Livros de artista e o manual "Como fazer um Pollock"
Livros de artista e o manual Como fazer um Pollock – Foto: Divulgação

Ana ressalta que o homônimo do artista não recria obras, mas produz imagens possíveis. “As matrizes para essas simulações não são escolhidas aleatoriamente. Ele seleciona aquilo que interessa apropriar. Não se trata de uma apropriação apenas da visualidade, mas ainda dos procedimentos aos quais recorriam os principais nomes da pintura abstrato-expressiva.”
A exposição mostra ao visitante o processo de produção das obras. O manual Como fazer um Pollock está ali, inventariando o fazer. Ao criar o homônimo e suas obras, o verdadeiro artista alerta, como esclarece a curadora, para a mitificação contemporânea do artista e da arte a partir da posição de um falsificador. “Ele aponta para o clichê que vigora ainda hoje como imitação, simulação e entretenimento, uma vez perdida a característica transgressora do gesto. Ficamos nesse lugar sem contornos, entre a sedução da pintura e nossa necessidade de um autor e um original, de uma verdade da expressão que garantisse a permanência da aura da obra de arte.”

Caminhos de Avignon

Tela que o artista define como uma não pintura – Foto: Divulgação

Enquanto o seu homônimo apresenta a exposição Inventário: Arte Outra no MAC, o artista Gustavo von Ha está na França, pesquisando em Avignon. Conversa com o Jornal da USP via WhatsApp, enviando fotos de uma exposição de Claude Joseph Vernet, que nasceu em agosto de 1714 naquela mesma cidade. “Veja essas duas obras desse artista exatamente iguais”, escreve. “Dividem a mesma parede, mostrando a reprodução de si próprio. Ele replicou um trabalho que tinha doado para o Museu Calvet.”
Depois, mostra uma foto de uma exposição de Vasarely que está visitando no Castelo de Gordes, também na Provença. “Olhe essas duas imagens, uma é a original e a outra é um pôster. Fiquei pasmo com essas questões sobre o original e a cópia que estão rolando por aqui agora.”
Von Ha, o original, dá um mergulho na história da arte francesa e percebe que ele e o homônimo estão no mesmo caminho de tantos outros. “Acho incrível observar como se procede o aprendizado da arte na formação humana.” O artista continua pesquisando e refletindo: “A arte espelha nossa existência. Um espelho de nós mesmos. Fico tentando buscar sentido nesses duplos”.
O artista conclui: “ E eu me sinto feliz quando estou imerso nisso tudo. Só aí consigo ver sentido nas coisas, dentro do sentido da própria coisa em si. Dentro de uma lógica interna do trabalho”.

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A exposição Inventário: Arte Outra, de Gustavo von Ha, sob a curadoria de Ana Cândida Avelar, fica em cartaz até 5 de fevereiro de 2017, de terça-feira a domingo, das 10h às 18h, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP (avenida Pedro Álvares Cabral, 13-1, Ibirapuera, São Paulo, telefone (11) 2648-0254). Entrada grátis. Mais informações podem ser obtidas no endereço eletrônico www.mac.usp.br.


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