Novo Estatuto de Conformidade de Condutas da USP: necessário mas que precisa ser reformulado

Por Adrian Pablo Fanjul, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, e outros *

 09/02/2021 - Publicado há 3 anos
Adrián Pablo Fanjul - Foto: Reprodução/Apeepr via Youtube

Recentemente, a Reitoria da USP informou ao Conselho Universitário que uma primeira versão de um novo Estatuto de Conformidade de Condutas tinha sido concluída e que seria colocada em discussão junto à comunidade uspiana.

Consideramos auspiciosa a proposta de um novo Estatuto, para substituir o documento vigente, de 1972, completamente inadequado para os dias de hoje. A leitura cuidadosa do texto proposto, entretanto, fez surgir preocupações e dúvidas por parte dos docentes, em especial no que diz respeito a seus objetivos e adequação à nova realidade acadêmica. Claramente, a comunidade uspiana tem seu perfil continuamente modificado, seja pelo aumento da idade média de seus membros, relacionada ao longo período com limitação de concursos, seja pelas ocorrências sanitárias e perspectivas de crescimento do ensino a distância.

No início de sua leitura deparamo-nos, por exemplo, com o Artigo 2º: “Incluem-se nas categorias de servidores docentes e servidores técnico-administrativos os aposentados nessas categorias para fins da sanção de, quando cabível, cassação de aposentadoria por atos praticados quando na ativa, nas hipóteses previstas neste Estatuto”. Logo surge a pergunta se uma normativa interna tem poder de cassar uma aposentadoria. O termo cassar, anacrônico, dá o tom na concepção geral e ideológica percebida no documento como um todo.

A proposta do Estatuto afirma no seu Artigo 2º: “Para fins de aplicação deste Estatuto considera-se existente o vínculo de sujeição especial quando os membros da comunidade universitária: IV – desenvolvem qualquer atividade… que pode prejudicar a segurança, os interesses ou a reputação da Universidade”. Em nota de esclarecimento, o documento afirma querer alcançar situações em que o membro da comunidade universitária não esteja geograficamente situado dentro dos campi da Universidade. A determinação do que sejam “interesses e reputação da Universidade” resulta ambígua e pode dar lugar tanto a um cerceamento de críticas públicas como também à extensão dessa potencial censura para fora dos campi. Um estatuto é criado para perdurar e, portanto, não deve deixar margens para interpretações que possam resultar em sanções decorrentes da expressão de opiniões.

A leitura do documento proposto deixa transparecer uma intenção de elaborar um estatuto que se sobreponha a leis e códigos já estabelecidos no aparato legal brasileiro. As greves, por exemplo, já são regidas por leis trabalhistas específicas do Brasil mas no Artigo 11 encontramos: “Constituem infrações gerais de potencial ofensivo elevado praticadas por servidores docentes ou técnico-administrativos: insistir em greves após serem elas consideradas abusivas ou a elas aderir, em prejuízo da continuidade da prestação do serviço”. É claro o potencial conflito de competências.

Encontra-se novamente tal conflito no Artigo 16: o docente comete infração moderada se “deixar de cumprir, reiteradamente e após ter sido formalmente advertido, as metas de produção”. Há aqui um conflito de competências já que as metas e a avaliação dos docentes já são definidas e executadas por órgãos da própria USP.

Resumimos acima alguns aspectos pelos quais a atual proposta de modificação do Estatuto apresenta ambiguidades preocupantes. Encontramos, ainda, que o documento não contempla problemáticas derivadas do ensino e trabalho remotos, que envolvem também aspectos éticos e comportamentais que devem ser analisados, já que essas modalidades de trabalho podem ter continuidades mesmo quando superada a atual pandemia. São tempos de profundas mudanças nas condições sanitárias, nas modalidades de ensino e formação e no perfil da comunidade uspiana que precisam de maior reflexão. Por estas razões, a proposta apresentada requer uma exaustiva reformulação, que deverá incluir participação ampla e coordenada de diversos setores da Universidade e garantir a pluralidade de perspectivas. O momento pelo qual passam a USP e a sociedade não recomenda decisões apressadas sobre este documento.

* Participaram da redação deste artigo os professores associados Adrian Pablo Fanjul, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), Bruno Caramelli, da Faculdade de Medicina (FM), Marcelo Costa, do Instituto de Psicologia (IP), Marcilio Alves, da Escola Politécnica (Poli), Maria da Penha Costa Vasconcellos, da Faculdade de Saúde Pública (FSP), e Waldir Beividas, da FFLCH-USP. Mais de 200 professores da USP subscreveram o presente.


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