Pacote anticrime tenta alterar legislações tidas como defasadas

Rubens Beçak comenta que a proposta é benéfica, mas alerta para a dosagem correta da tipificação

 16/07/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 29/10/2019 as 9:50
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Uma das iniciativas do atual governo que teve maior reverberação midiática foi o “pacote anticrime”, proposto pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. O projeto reúne uma série de propostas que objetivam combater a corrupção e o crime organizado. O pacote está sendo destrinchado e analisado pelo Congresso Nacional e duas questões inflamaram o debate nos últimos dias: a tipificação do caixa 2 eleitoral como crime, e o cumprimento imediato de pena após condenação em segunda instância.

O pacote anticrime era discutido até mesmo antes das eleições, quando Moro foi confirmado como ministro do presidente Jair Bolsonaro antes do segundo turno. Essa proposta pretende atender uma necessidade da população de haver uma efetividade maior na punição de crimes, contou ao Jornal da USP no Ar o professor Rubens Beçak, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP. Ele explica que Moro, ao enviar esse pacote ao Congresso, tenta implementar uma agenda de alterar as legislações que entende como defasadas.

Ao mesmo tempo que o pacote pode gerar efeito positivo caso implementado, ele possui um lado potencialmente negativo: colaborar na criação de exceções no sistema penal. “Caminhamos para um extremo de penas excessivas para diversos casos. Se tudo é tão grave, algumas coisas podem já não ser percebidas como crimes também. Dependendo da dosimetria utilizada, o efeito posterior pode ser perverso”, explica Beçak.

O crime de caixa 2 eleitoral, tipificado no projeto, explicita que todos os valores referentes a uma campanha eleitoral devem ser declarados. Ele parte da premissa que esse dinheiro não declarado pode acabar sendo utilizado para perpetrar crimes, como se viu na Operação Lava Jato, por exemplo.

Atualmente, não há legislação que defina esse crime. Quando um político o comete, é enquadrado em artigo do Código Eleitoral sobre Falsidade Ideológica, com pena de até cinco anos de reclusão. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou a proposta por 17 votos a dois. Caso nenhum senador apresente recurso, o projeto seguirá para discussão na Câmara dos Deputados.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro – Foto: José Cruz / Agência Brasil

Em uma análise superficial a proposta é completamente benéfica, mas o professor alerta novamente para a dosagem correta da tipificação. “Temos que tomar cuidado para não pegar só o “ladrão de galinha”, e acabar não punindo os candidatos poderosos”, comenta. Isso porque, caso implementado como lei, candidatos com maior influência e disponibilidade de caixa podem encontrar meios para driblar a legislação.

No entanto, candidatos de municípios pequenos, que muitas vezes financiam a campanha com o próprio dinheiro, podem acabar sofrendo, por exemplo. “Se eles receberem uma doação de R$ 50 ou R$ 100, caso não tenham exatamente uma nota fiscal, poderão ser punidos. Isso de certa maneira inviabilizaria a participação desses candidatos com caixas de campanha pequenos”, complementa. De toda forma, o fato de o Parlamento ser composto de deputados de diversas origens deve garantir que a devida importância será dada aos termos da proposta.

Além disso, o grupo de trabalho formado na Câmara, para analisar o projeto anticrime, retirou do texto a proposta de indivíduos condenados em segunda instância começarem a cumprir pena, mesmo que ainda tenham recursos. Para Rubens Beçak esta discussão é política e acadêmica. Ao mesmo tempo em que ela mexe com paixões, como o recente caso da prisão do ex-presidente Lula, por exemplo, ela é discutida por diferentes correntes do Direito onde especialistas possuem visões conflitantes do assunto. Em sua visão, após a condenação em segunda instância, deveria se cumprir “o desenho constitucional presente em qualquer democracia do mundo” e aplicar a pena.

“A pessoa deve sempre ter o direito de recorrer, mas nós criamos no Brasil, ao longo de décadas, uma tradição de recursos intermináveis. Isso favorece apenas aquela ínfima minoria da sociedade que tem a condição de pagar advogados para levar os seus recursos até o limite”, contou o especialista. Dessa forma, os recursos são utilizados apenas para postergar o máximo possível o cumprimento de pena de uma parcela muito pequena da sociedade. “Isso contribui para uma falta de percepção de eficiência da Justiça e contribui para a sensação de falha da própria democracia.” Porém, ele expõe que existe também uma corrente do Direito chamada de garantista. Para eles, a possibilidade do erro judiciário justificaria a espera de análise do último recurso possível.

A decisão de retirada do grupo não é definitiva, a prisão em segunda instância pode ser reincluída no texto em outra fase de análise, em comissões como na CCJ, por exemplo. A prisão após condenação em segunda instância continua válida, como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal.


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