Ministério da Agricultura não deve cuidar de terras indígenas

A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha explica que esse cenário repete erro histórico e leva ao conflito de interesses

 11/07/2019 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 29/10/2019 as 9:50
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Assim que assumiu o governo, em janeiro, o presidente Jair Bolsonaro editou uma Medida Provisória (MP) que modificava a estrutura administrativa do governo federal. Entre as reduções ministeriais polêmicas, um trecho destacava a transferência da responsabilidade de demarcação das terras indígenas para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Parte dos congressistas logo se alertaram ao conflito de interesses e a MP foi aprovada alterando-se esse trecho.

A demarcação voltou a ser competência da Fundação Nacional do Índio (Funai), vinculada ao Ministério da Justiça. No entanto, nem um mês após a reforma administrativa ser aprovada, Jair Bolsonaro editou nova MP para tentar novamente transferir essa tarefa ao Ministério da Agricultura. No último dia 24, o ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu, através de decisão liminar (provisória), o trecho da MP que denota a mudança. A decisão ainda será analisada definitivamente pelo STF.

A junção da responsabilidade de demarcar terras indígenas e o interesse socioeconômico e político sobre a ocupação de terras gera um conflito historicamente conhecido, conta ao Jornal da USP no Ar a professora Manuela Carneiro da Cunha, do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Ela explica que, em 1967, quando a Funai foi criada, estava subordinada ao Ministério do Interior, que defendia uma grande ocupação da Amazônia e não levava em consideração a presença indígena.

Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil – CC

“Essa ocupação na década de 70 gerou um grande deslocamento de indígenas, e causou mortes na ordem de 8 mil pessoas. O Ministério tinha interesses contrários aos índios e a Funai ficou por bastante tempo subordinada a um Ministério com interesses conflitantes.”

Ela explica que faz sentido a demarcação continuar sob responsabilidade da Funai, e vinculada ao Ministério da Justiça. “Ainda que não seja perfeito, é um Ministério adequado para os direitos humanos. Os povos indígenas possuem direitos especiais garantidos por Constituição, e estão na alçada dos direitos humanos.” Para Manuela, o ministro fez muito bem em expedir a liminar, comparando a transferência com “colocar a raposa para cuidar do galinheiro”.

A demarcação deve ser entendida como um processo. A professora mostra que usamos o termo para abreviar todo um sistema que começa com a identificação da terra, procede com a homologação do Serviço de Patrimônio da União após a proposta da Funai chegar no Ministério da Justiça, e se encerra quando o presidente da República assinar. Entretanto, ela reforça que não é esse processo, nem seus agentes que garantem esses direitos territoriais.

“A Constituição diz que esses direitos precedem a própria Constituição e o Estado brasileiro. São direitos originários, ou seja, os índios tinham esse direito antes de o Estado – tanto imperial quanto republicano – existir. O que o Estado deve fazer é reconhecê-los de forma física.”


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