Uma semana após a morte de um participante de testes clínicos da empresa farmacêutica Bial, na França, as autoridades ainda não chegaram a uma conclusão sobre o que deu errado. A nova droga estava na primeira fase de testes e era indicada para tratamento de doenças neurodegenerativas. Além de uma morte, outros cinco voluntários que tomaram a molécula ficaram hospitalizados; quatro deles com problemas neurológicos e, desses quatro, três podem ter danos irreversíveis.
A pesquisa da farmacêutica portuguesa Bial estava testando a segurança da nova droga em desenvolvimento
Segundo Glaucius Oliva, coordenador do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Biodiversdade e Fármacos (CIBFar), a droga em testes é um composto conhecido que atua como inibidor da enzima FAAH (da sigla em inglês, hidrolase de amida de ácido graxo). Esta enzima é responsável por quebrar um neurotransmissor chamado anandamida em outros subprodutos. “Inibidores da FAAH têm sido estudados e desenvolvidos por outras empresas, e nenhuma delas tinha reportado um efeito tão dramático” quanto o teste clínico da Bial, afirma o professor e pesquisador.
Os seis voluntários participavam de uma etapa da pesquisa chamada estudo clínico fase 1. Esta etapa reúne voluntários sadios para testar a nova droga e tem como objetivo principal dar segurança para a utilização do composto. É a terceira etapa de pesquisa no desenvolvimento de um novo medicamento: primeiro, é necessário passar por ensaios pré-clínicos – in vitro e, depois, em vários modelos animais.
[embedyt] https://www.youtube.com/watch?v=an7F_XeKT4s[/embedyt]Entendendo a molécula
A anandamida é um endocanabinoide. Mas não tem nada a ver com a maconha: é uma substância sintetizada pelo corpo humano, que se conecta aos mesmos receptores de neurotransmissores que o princípio ativo da Cannabis sativa. A molécula do estudo clínico da farmacêutica Bial tem a propriedade de inibir a enzima que degrada a anandamida. Isso aumenta o nível de anandamida no organismo.
“Se você inibe essa enzima, ela não quebra a anandamida e, então, aumentam os níveis desse endocanabinoide próprio nosso, e ele começa a atuar nesses receptores canabinoides nossos. Pode ter aí uma liberação de vários neurotransmissores – que são as formas de transmissão dos neurônios: a serotonina, o glutamato, a dopamima. Acaba tendo efeitos como analgesia, anti-inflamatório, ansiolítico ou antidepressivo”, conta Glaucius Oliva.