.Paul Badura-Skoda, pianista austríaco notável por suas interpretações de Mozart, foi surpreendido, certa vez, com a mais calorosa recepção de sua vida ao desembarcar no Aeroporto de Guarulhos para realizar um recital em São Paulo. Depois de minutos de ovações, deu-se conta de que os aplausos eram para atletas de um time de vôlei que vinham no mesmo voo. Sua presença pouco importou.
Essa historieta ilustra a situação complicada em que a música erudita se encontra. Do ponto de vista do mercado, observa-se que, no auge da globalização do CD, no começo da década de 90, a venda de discos de música erudita correspondia a apenas 3,8% do mercado mundial de CDs. Atualmente a situação se agravou e, nos Estados Unidos, país que concentra a maior venda de discos, a música erudita representa 1,6% do total de vendas de CDs, mesmo com seus ouvintes preferindo os discos físicos aos produtos virtuais.
Em 1998 essa conjuntura da música erudita foi antevista pelo professor Willy Corrêa de Oliveira, do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, em sua tese de livre-docência intitulada Cadernos. É essa tese que a Editora da USP (Edusp) vai lançar no dia 23 de abril, terça-feira, às 17 horas, na Livraria João Alexandre Barbosa, na Cidade Universitária, em São Paulo.
O argumento central do trabalho de Willy é que, pelo fato de a música erudita ser uma linguagem milenar e – em razão disso – fazer muitas exigências para seu cultivo e apreensão, ela encontra muitas dificuldades para se tornar uma mercadoria no capitalismo. Isso ocorreria porque toda a estrutura desse sistema econômico está erigida para o lucro, o qual é necessariamente redirecionado para a ampliação constante da acumulação e da base de reprodução do capital. Nessa ordem de coisas que dá primazia a uma produção mais material, a música erudita constitui um investimento de alto custo e baixíssimo retorno, o que torna inviável, aos olhos do Estado, sua ampla generalização como política de ensino a largo prazo. Na prática, isso equivale a dizer que, no Brasil, enquanto mais de 350 mil pessoas se matriculam anualmente em cursos de Engenharia Civil, a cada ano pouco mais de 3 mil começam um curso de Música.
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Por ser um tema algo complicado e espinhoso, poderia se pensar que a tese de Willy é um trabalho volumoso, da cepa dos livros do sociólogo alemão Theodor Adorno, que podem parar em pé sozinhos, ou um escrito repleto de estatísticas de produção e consumo, elaborado a partir de um estruturalismo à la Althusser. E todavia não. Antes, saibamos que Willy é um apreciador de haikais e da arte breve dos prelúdios de Chopin, um adepto do dichten = condensare de Ezra Pound. Recordemo-nos que Willy Corrêa de Oliveira é compositor, que integrou o Música Nova junto de Gilberto Mendes e foi colega de trabalho de Haroldo e Augusto de Campos. Acima de tudo: que a tese de Willy a ser lançada pela Edusp no dia 23 é também o testemunho de um artista que esteve fundamentalmente comprometido com o projeto vanguardista de renovação da linguagem musical e que se apercebeu, em um segundo momento, da fantasia que é levar a cabo tal projeto dentro do sistema capitalista. Mais: em seu texto, Willy defende que a própria vanguarda estética, por mais que se proponha revolucionária, integra a ideologia do capitalismo devido ao seu acirrado individualismo; e que, nesse sistema, a música erudita não subsiste como prática musical possível e universalizável, mas sim como propaganda.
A tese de Willy é, portanto, de uma feitura muito particular. É um texto altamente condensado e direto, formalizado no aparente descompromisso de quatro cadernos: um é uma autobiografia fantasiada que ilustra as diversas vidas que os compositores podem levar dentro do capitalismo; outro são recortes de jornais, revistas, “notícias que manifestassem – de modo o mais transparente – o atual estado de coisas”; um terceiro é um caderno de ensaios, “uma série de reflexões para demonstrar o drama da música erudita no capitalismo” e evidenciar a insuficiência da argumentação da parte contrária; e o quarto é a tese propriamente dita, o cerne da argumentação. Um quinto caderno, ausente na tese original de 1998, foi acrescentado a fim de incluir reflexões recentes de Willy sobre arte, diferenças entre música erudita, popular e folclórica e as relações entre música e prática política.
Cadernos, de Willy Corrêa de Oliveira, Editora da USP (Edusp), 524 páginas, R$ 92,00.
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O lançamento do livro será no dia 23 de abril, terça-feira, às 17 horas, na Livraria João Alexandre Barbosa, localizada no Espaço Brasiliana (Avenida Professor Luciano Gualberto, 78, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3091-4156.
VITOR RAMIREZ