O orçamento do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, para este ano é de R$ 900 milhões, mas o mínimo que o órgão precisa para honrar seus compromissos já assumidos com bolsas e projetos de pesquisa é R$ 1,2 bilhão. Ou seja, há um deficit de R$ 300 milhões. O orçamento é insuficiente para fechar as contas e não haverá Chamada Universal em 2019, disse o novo presidente do órgão, João Luiz Filgueiras de Azevedo em entrevista exclusiva ao Jornal da USP no Ar. Outro desafio urgente é o resgate da estrutura operacional do próprio CNPq. As plataformas Lattes e Carlos Chagas estão criticamente defasadas do ponto de vista tecnológico, operando no limite da sua capacidade; e o quadro de funcionários da agência não para de encolher. Em meio a essa escassez de recursos humanos e financeiros, o novo presidente ainda tem a missão de tentar conciliar o apoio universal à pesquisa científica, que é uma marca do CNPq, com as demandas crescentes por inovação tecnológica e priorização de investimentos em áreas consideradas estratégicas pelo governo.
“Um hiato de investimento, igual a esse, desincentiva o pesquisador. Um doutorado é trabalho de quatro anos. Sem empresas e universidades que absorvam esse profissional, ele vai embora do Brasil se tiver talento”, defende Hernan Chaimovitch, professor do Instituto de Química (IQ) da USP e ex-presidente do CNPq. “A universalidade de investimento é o que garante averiguações livres e desinteressadas. A produção acadêmica visa o futuro, é um investimento a longo prazo, não do agora”, completa Marcos Buckeridge, professor do Instituto de Biociências (IB) e presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. Ambos concederam entrevista ao Jornal da USP no Ar.
O biólogo fala que, nessa situação de austeridade, uma das medidas possíveis é a definição de prioridades, mas também esclarece a dificuldade do mérito, pois estabelecer critérios de julgamentos a respeito disso não é fácil. Chaimovitch, noutra mão, defende elementos básicos para a realização de pesquisa. “Se não há reagente, equipamento, computadores, não se tem como trabalhar”, declara. E caso a manutenção não ocorra, aparelhos caros são danificados, descartados e não repostos, porque saem da lista de patrimônio.
Os dois pesquisadores, em vista disso, defendem uma união entre Universidade, centros de pesquisas e empresas inovadoras com o intuito de fazer uma pressão política. “Deve-se convencer o governo Bolsonaro de que cortar gastos com ciência é minar a competitividade do Brasil nos tempos adiante”, argumenta Buckeridge.
O ex-diretor do CNPq afirma que o órgão perdeu centralidade governamental. “Antigamente, o chefe da pasta despachava encaminhamentos direto com o presidente da república. Hoje, se tem sorte, é com o ministro, muitas vezes com o secretário do secretário”, constata. À medida que o peso político se esvai, fica difícil de garantir apoio alterando a realidade da pesquisa no país. “O assunto deixa de ser prioritário na distribuição do orçamento, e sem dinheiro não há como honrar os compromissos assumidos, muito menos planejar um desenvolvimento tecnológico científico”, elucida.
O Conselho deve reclamar suas medidas de sucesso para mostrar sua capacidade de fazer política racional. “Os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) são um bom exemplo, dada sua maior atenção à pesquisa aplicada. São uma forma de conseguir respaldo com a sociedade, pois dão retorno direto”, aponta Buckeridge. Internacionalmente, Chaimovitch indica o sucesso da plataforma Lattes: “Reúne informações de milhares de pesquisadores de um país continente. O Orchid, serviço internacional semelhante, baseou-se nesse sucesso.”
“Em São Paulo, pelo menos 30% da averiguação é acadêmica, já que a responsabilidade é dividida com a Fapesp, autarquia estadual. Porém, em outras unidades federativas, a dependência é completa e uma crise do CNPq acarretaria em consequências drásticas”, finaliza Hernan.