O primeiro livro do crítico de arte galês Michael Baxandall (1933-2008), publicado originalmente em 1971, acaba de ser lançado pela Editora da USP (Edusp). Em tradução de Fábio Larsson, Giotto e os Oradores – As Observações dos Humanistas Italianos sobre Pintura e a Descoberta da Composição Pictórica (1350-1450) traz uma nova luz para os críticos de arte, pesquisadores, historiadores e todos que se dedicam aos estudos da Renascença italiana.
A edição tem a apresentação do professor Luiz Armando Bagolin, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. “Este livro tornou-se uma referência para os estudos sobre história da arte dos séculos 15 e 16, por considerar as relações sobre as artes e as práticas letradas, uma vez que, seja pelos discursos disponíveis, seja pelas obras plásticas, somente destas pode provir o nosso conhecimento sobre essa época”, observa.
“Orador é um termo corrente neste livro: Baxandall o utiliza preferencialmente no lugar de ‘humanista’ ou como seu sinônimo, porém num sentido oposto ao de alguém referido ao humanismo, isto é, o conceito constituído no século 19 e que se tornaria platitude para a crítica de arte e a historiografia no século subsequente”, explica Bagolin.
Importante considerar que Michael Baxandall é um dos críticos de arte mais conceituados da segunda metade do século 20. Destaca-se pelo interesse diversificado em várias áreas das humanidades. Formado em Cambridge, estudou na Itália e na Alemanha, lecionando no Instituto Warburg, em Londres, e na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Tem vários livros publicados. Giotto e os Oradores é o segundo livro de Baxandall lançado pela Edusp. Shadows and Enlightenment, publicado originalmente em 1995, foi traduzido como Sombras e Luzes em 1997.
Em outras palavras, quero mostrar que a gramática e a retórica de uma língua podem influenciar consideravelmente a forma de escrever e, como consequência, de observar imagens.”
Em Giotto e os Oradores, Baxandall busca, como ele próprio argumenta, um componente linguístico no gosto visual. “Em outras palavras, quero mostrar que a gramática e a retórica de uma língua podem influenciar consideravelmente a forma de escrever e, como consequência, de observar imagens e algumas outras formas de experiência visual.”
No capítulo 1, o autor discute o latim humanista, “no qual as pressões formais se faziam sentir muito mais intensamente que na maioria das outras línguas”. Baxandall argumenta que o efeito do latim era o de suscitar a percepção de outras qualidades de interesse e de organização que o observador talvez não tivesse previamente. “Assim, o que nos interessa quanto às observações humanistas sobre a pintura não é tanto o elogio que o autor faz ao decor mas o decor como categoria de interesse visual que ele teve de assimilar.”
No capítulo 2, Baxandall faz um recorte de modelos de discursos humanistas em língua latina sobre pintura e escultura. “O leitor habituado às formas mais evoluídas da crítica considerará primitiva uma grande parte do material; assim, talvez seja o caso de lembrar que os humanistas tiveram de recriar a crítica de arte como instituição a partir do nada.”
A pintura e a escrita são artes, e a arte é uma virtude intelectual assentada pela prática.”
As considerações dos humanistas sobre a pintura estão no capítulo 2. “Petrarca, em seus sonetos em italiano, elogiou a pintura de Simone Martini – a quem parece ter conhecido pessoalmente – em termos rigorosamente tirados da época clássica”, descreve Baxandall. “Os afrescos de Giotto em Nápoles foram por ele louvados pela habilidade e engenho (manus et ingenium).”
O capítulo 3 traz a descoberta da composição. “A pintura e a escrita são artes, e a arte é uma virtude intelectual assentada pela prática”, explica o autor. “Assim, ao contrário das virtudes morais propriamente ditas, cada arte seria uma virtude em separado e a habilidade não se transferiria para as demais.”
Tal afirmação, no entanto, traz, segundo o autor, um grave problema. “Todos consideravam que somente o observador esclarecido seria capaz de efetivamente apreciar pinturas, bem como a literatura. Mas esclarecido em que sentido?”, questiona. “Petrarca e Poggio Bracciolini apelavam para o juízo dos especialistas, mas tal humildade era rara, pouco clássica e, amiúde, inadequada do ponto de vista retórico: qual humanista admitiria de bom grado que, não sendo ele mesmo pintor, não seria capaz de julgar?”
São esses questionamentos e reflexões que tornam a leitura importante para a crítica de arte contemporânea. No capítulo 4, os textos dos humanistas estão no original latino. Porém, a maior parte deles já foi traduzida e está disponível para os interessados.
Giotto e os Oradores – As Observações dos Humanistas Italianos sobre Pintura e a Descoberta da Composição Pictórica (1350-1450), de Michael Baxandall, tradução de Fábio Larsson, Edusp, 296 páginas, 48,00.