Em meio à crise do mercado editorial, na USP o livro é uma festa

Evento na Universidade traz mais de 200 editoras e oferece preços convidativos, mostrando que a crise livreira pode ser, sim, vencida

 30/11/2018 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 03/12/2018 as 9:48
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A 20ª Festa do Livro da USP, na Cidade Universitária, em São Paulo, que termina neste sábado, dia 1º de dezembro – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Ver isso assim enche a gente de esperança”

disse, em tom ao mesmo tempo animado e de desabafo, o editor e professor Plinio Martins Filho. Idealizador da Festa do Livro da USP quando era presidente da Edusp, ele se referia à multidão que circulava pelos pavilhões na última quarta-feira, quando a festa foi aberta. Em sua 20ª edição, a Festa do Livro contou com 230 editoras (cem a mais do que no ano passado), em sua maioria pequenas e médias, daquelas cujos livros são difíceis de se encontrar nas livrarias cotidianas. A expectativa era que cerca de 70 mil pessoas visitassem a festa durante seus quatro dias. E frise-se: sem ter que pagar entrada e com livros com descontos mínimos de 50%, podendo chegar até a delirantes e muito bem-vindos 90%. Assim, se vendem mais livros. Assim, se divulga o mercado livreiro. Assim, se formam leitores.

A Festa do Livro, no final das contas, acaba sendo um contraponto às Bienais do Livro de São Paulo e Rio de Janeiro que, se ajudam a divulgar o livro, não colaboram para sua popularização ou maior vendagem. “A Bienal acabou ficando inviável financeiramente, apesar de eu acreditar que qualquer evento em prol do livro seja positivo. Com a Festa do Livro, pode-se participar praticamente sem despesas. E em termos de consumo, de aquisição do livro, a festa se tornou muito importante. E a Universidade tem um papel enorme nesse processo”, garante Martins Filho. “Afinal, é um serviço de extensão da USP, talvez um dos mais importantes, que é dar acesso à produção editorial brasileira, com preços acessíveis.” Por isso, afirma ele, o evento foi batizado de “festa”, e não “feira”. “É um ato de amor ao livro, é uma festa para o livreiro, para as editoras, para o leitor. Existe público para o livro, sim. O que falta é uma política séria para o mercado editorial.”

Faz sentido. Afinal, em um país onde, de acordo com o Instituto Pró-Livro, se lê apenas 4,96 livros por ano – contra 11 nos Estados Unidos e sete na França, por exemplo – e onde 30% da população nunca comprou um livro sequer, não se pode esperar muito que esse quadro mude se os preços estiverem nas alturas. Tome-se, por exemplo, o que se gastou antes de se entrar no Anhembi (onde foi a Bienal paulista deste ano). Trata-se de aritmética elementar: a entrada custava de R$ 20 a R$ 25, no preço cheio. Isso, sem falar na questão do transporte. De carro, o estacionamento não saía por menos de R$ 20. Então, o visitante da Bienal sequer entrou e já gastou cerca de R$ 40 – ou o preço médio de um livro. Isso, sem se falar nas parcas promoções que as editoras ofereceram. Não é bem assim que se atrai novos leitores.

Crise do livro, amor ao livro

E a situação do mercado não está nada convidativa. Já se disse algumas vezes que, quando um bar fecha, um boêmio chora. Se fôssemos fazer uma analogia com livrarias no Brasil, não haveria kleenex que desse conta do sofrimento de bibliófilos, amadores ou não. Nos últimos tempos o País tem visto o número de livrarias minguar, principalmente daquelas consideradas top de linha, blockbusters do mercado livreiro. Recentemente, a Saraiva – a maior rede do ramo no Brasil – anunciou, primeiro, que iria fechar 20 de suas lojas país afora. Fechou. Depois, que entraria com pedido de recuperação judicial –ou seja, um passo em direção ao umbral do mercado. Antes dela, a Livraria Cultura, umas das mais aclamadas e respeitadas do ramo, seguiu o mesmo caminho – não sem antes ter encerrado em terras brasileiras as atividades da rede francesa Fnac, que havia adquirido. Em terras gaulesas, a Fnac é uma gigante respeitável. Aqui, ganhou contornos de um anão de Amélie Poulain. E em vez de viajar pelo mundo, sumiu.

Não são as únicas. Bem antes dessas duas, em 2013, a Laselva, que fez fama e história vendendo livros e revistas em aeroportos para viajantes que não gostavam de pensar que estavam em um canudo de metal a 10 mil pés de altitude, acabou falindo. Triste sina das chamadas megastores? Talvez sim. Para a professora Marisa Midori Deaecto, da Escola de Comunicações e Artes da USP, as grandes livrarias vivem um novo momento e aquele formato pantagruélico para a venda de livros chegou ao fim. “E essas grandes lojas não vendiam só livros, mas também brinquedos e eletrônicos. Parece claro que esse modelo de megastore se exauriu”, garante a professora em sua coluna na Rádio USP chamada justamente Bibliomania (ouça aqui). Ela lembra ainda que essa crise das grandes livrarias não é exclusiva do Brasil – nos Estados Unidos a gigante Barnes and Nobles também se viu obrigada a fechar lojas.

O que parece estar a despontar é o fortalecimento das pequenas livrarias – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Na verdade, o que parece estar acontecendo em várias latitudes – e não só no Brasil – é uma inversão de mão do que se via décadas atrás: em vez das grandes livrarias, o que está despontando (de novo) é a pequena livraria, aquela aconchegante, com um pequeno café e atendentes que sabem muito bem o que estão dizendo. E vendendo.

A crise no setor livreiro levou o editor Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, a publicar dias atrás uma carta aberta em que comenta a atual situação do mercado no qual sua editora é a mais vistosa. Normalmente avesso a holofotes, Schwarcz chamou a atenção para o que ele diz ser “os dias mais difíceis” do livro no Brasil, fazendo uma relação com o porcentual que as livrarias pagavam às editoras por exemplar vendido e que não vem mais acontecendo. “Com a recuperação judicial da Cultura e da Saraiva, dezenas de lojas foram fechadas, centenas de livreiros foram despedidos e as editoras ficaram sem 40% ou mais de seus recebimentos”, escreve o editor da Companhia das Letras.

A relação comercial entre livrarias e editoras não é exatamente o que se pode chamar de melhor dos mundos: normalmente, as livrarias não adquirem os livros das casas publicadoras, mas os recebem em consignação. Ou seja, só repassam às editoras aquilo que eventualmente venderem. Para uma editora grande, pode parecer bom, já que têm grande visibilidade nas prateleiras. Para as editoras menores – mas que nem por isso têm um catálogo menos interessante, pelo contrário –, a situação acaba ficando complicada. Não ganham a visibilidade necessária e, por isso, não vendem. Se não vendem, não recebem. Se não recebem, não se mantêm. Isso, no melhor dos mundos, frise-se. Quando a crise bate à porta, esse “teorema tostines” se torna ainda mais cruel.

O professor da USP Plinio Martins Filho e o editor Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, dão uma mesma sugestão para o público, a fim de alavancar o mercado editorial no Brasil: comprar mais livros – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Por isso, Schwarcz dá uma solução simples e óbvia para a crise, mas em um país como o Brasil, ainda necessária: comprar livros, indo ao encontro do que Plinio Martins Filho chamou de “ato de amor ao livro”.  “Aos que, como eu, têm no afeto aos livros sua razão de viver, peço que espalhem mensagens; que espalhem o desejo de comprar livros nesse final de ano, livros dos seus autores preferidos, de novos escritores que queiram descobrir, livros comprados em livrarias que sobrevivem heroicamente à crise”, escreve ele. E dá mais um conselho, essencial: “Divulguem livros com especialíssima atenção ao editor pequeno que precisa da venda imediata para continuar existindo”. À parte o que pode ser visto como corporativismo, a ideia é das mais oportunas. E é justamente isso o que a Festa do Livro da USP faz: divulgar livros de toda e qualquer editora, independente do calibre e do poderio orçamentário.  Porque o amor ao livro não se mede.

 

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