“A USP foi um locus de resistência e de luta contra os desmandos”

Vahan Agopyan é reitor da USP

 01/10/2018 - Publicado há 5 anos     Atualizado: 28/11/2018 as 18:14

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Leia a íntegra da apresentação do livro O Controle Ideológico na USP (1964-1978) -que será relançado em breve. O livro trata das violações sofridas por professores da Universidade durante a ditadura militar. 

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Vahan Agopyan – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O CONTROLE IDEOLÓGICO NA USP (1964-1978)

APRESENTAÇÃO

Rememorar fatos históricos que marcaram negativamente o desenvolvimento do País ou da nossa sociedade é muito importante tanto sob o ponto de vista científico, para melhor compreendermos os motivos que provocaram os acontecimentos, como para alertar as novas gerações para que esses fatos não se repitam. Tentar encobrir um evento histórico, por mais doloroso que seja a sua lembrança, é um crime contra a humanidade, pois ele pode se repetir por não ter sido devidamente criticado e as suas origens, combatidas.

Neste ano estamos completando os 50 anos dos episódios de 1968, considerado por muitos como o ano que não acabou. Se na Europa significou uma revisão da sociedade, com mudanças radicais de comportamento e avanço nos direitos civis, no nosso País tivemos a busca da democracia violentamente reprimida, particularmente para a comunidade da USP, resultando na invasão e destruição da sede da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, na Rua Maria Antonia, hoje já recuperado e transformado num equipamento cultural denominado Centro Universitário Maria Antonia da USP. Naquele mesmo ano, em dezembro foi promulgado o Ato Institucional no 5, aprofundando o regime de exceção no País. Se o AI-5 foi subscrito pelo reitor licenciado da USP, uma das suas primeiras vítimas foi a própria Universidade, com vários de seus docentes “aposentados”, incluindo o seu reitor em exercício, o professor Hélio Lourenço de Almeida, em abril do ano seguinte.

Edição de 2004 do livro O Controle Ideológico na USP (1964-1978), publicado originalmente em 1978 pela Associação dos Docentes da USP (Adusp), com o título O Livro Negro da USP – O Controle Ideológico na Universidade – Foto: Reprodução

No décimo aniversário dos acontecimentos de 68, a Associação dos Docentes da USP (Adusp), constituída em 1976, ainda na gestão do seu primeiro presidente, professor Modesto Carvalhosa, teve a coragem de compilar os dados disponíveis para relatar as agressões que a Universidade e os seus docentes sofreram durante os anos da ditadura, que ainda estava vigente, resultando na presente publicação. Foi um levantamento muito minucioso, levando em conta todas as dificuldades e adversidades do momento. Foi um trabalho coletivo, mas tenho que parabenizar a cuidadosa relatoria da professora Eunice Ribeiro Durham. Em 2004, nos 40 anos do golpe de 1964, a Adusp reeditou esta publicação, adotando o atual título e acrescentando os dois anexos.

No cinquentenário de 1968, a Universidade de São Paulo, através dos seus órgãos centrais e de várias unidades, preparou uma série de eventos para rememorar os fatos ocorridos naquele ano. Com isso, pretende-se aprimorar os registros daquela época e, principalmente, divulgar às novas gerações, notadamente para o nosso corpo discente, um relato crítico dos acontecimentos, procurando discuti-los e analisá-los com a tranquilidade que o tempo decorrido permite. Para esses eventos, uma nova edição deste texto era imprescindível, por isso agradeço à Adusp e ao seu atual presidente, o professor Rodrigo Ricupero, por permitir que a Editora da USP (Edusp) preparasse esta edição.

Para os leitores, recomendo atentar para a carta do professor Florestan Fernandes, no capitulo intitulado “O primeiro período”, que relata bem os momentos complicados vividos naquele período, com a incredulidade das pessoas com a situação absurda que estavam vivendo, permitindo que incompetentes, invejosos, corruptos e desajustados pudessem aproveitar o momento e se livrar dos seus desafetos. O título do capítulo final, “Arbítrio, corrupção e decadência”, resume bem o momento vivido.

A Universidade de São Paulo foi um locus de resistência e de luta contra os desmandos, foi vítima da situação, mostrou-se unida e forte para superar a grave crise que se instaurou com a “aposentadoria” do seu reitor em exercício. No entanto, além do seu reitor licenciado que assinou o AI-5, membros da comunidade se aproveitaram da situação, procurando obter benefícios pessoais indevidos, em detrimento da instituição, alguns com interesses espúrios e não republicanos, outros por covardia e medo, uns por puro apego ao poder, não tendo a honradez de renunciar aos cargos para não servir de algozes dos colegas. Por isso, este texto, mais que uma denúncia, é um alerta, para que a comunidade esteja sempre atenta, lembrando que podemos ter também ataques internos à nossa autonomia universitária.

Para quem se interessar pelo tema, este ano, a Comissão da Verdade da USP, presidida pela professora Janice Theodoro da Silva, concluiu o exaustivo trabalho de compilação de todos os fatos ocorridos no período, inclusive confirmando o que foi levantado neste texto. O trabalho resultou num documento rico e intenso de dez volumes, disponível na página da USP, mais precisamente no site da Comissão da Verdade da USP, relatório final. Com esse farto material disponível, os estudos sobre o período serão bem mais aprofundados.

Estamos vivendo um novo momento complexo da nossa história, com a sociedade muito dividida, num ambiente que está se tornando cada vez mais violento, com uma boa parte da população assumindo um posicionamento político mais radical, com isolamento do tipo “nós contra eles”. Estamos criando um ambiente ideal para que líderes radicais e populistas se destaquem. Espero que a leitura deste livro alerte que esses extremismos já demonstraram a sua nocividade e espero que as futuras gerações não sofram as agruras que a minha sofreu.

São Paulo, 17 de setembro de 2018

Vahan Agopyan, reitor da USP


Leia reportagem especial do Jornal da USP sobre a Comissão da Verdade da USP.


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Leia mais.

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