Grupo da Escola de Arte Dramática apresenta “Resposta ao Capataz”

Em cartaz na USP até 12 de agosto, peça é uma resposta ao pensamento colonizador ainda presente na sociedade

 01/08/2018 - Publicado há 6 anos
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Resposta ao Capataz traz corpos como território, fronteira e resistência ao pensamento colonizador – Foto: Divulgação / Caio Oviedo / EAD

Dois italianos, o genovês Cristóvão Colombo e o florentino Américo Vespúcio, um descobridor e outro desbravador, relataram em cartas a paisagem fabulosa que haviam encontrado. Colombo pensou ter encontrado as beiras mais ocidentais das Índias, enquanto Vespúcio acreditava tratar-se de outro continente, um Mundus Novus. A carta apócrifa ficou famosa pela Europa, e mesmo polêmica – tamanha a rede de falsificações e reinterpretações, incluindo até mesmo sua atribuição a Vespúcio – trata da descoberta da América, nome emprestado de seu autor.

A carta retrata o pensamento do colonizador, colocando a América como um mundo exótico. Esse é o ponto de partida da peça Reposta ao Capataz, última montagem da turma 67 da Escola de Arte Dramática (EAD) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. O espetáculo fica em cartaz até o dia 12 de agosto, na Sala Alfredo Mesquita do Teatro Laboratório da ECA.

Segundo a diretora convidada Kenia Dias, essa carta inaugurou a América. “O pensamento das novas terras exóticas, das índias libidinosas, desse exagero do que é o Brasil veio por conta dessa carta. Uma carta que não se sabe exatamente se foi Américo Vespúcio quem escreveu, não se sabe quando, mas que batizou um continente inteiro”, relata. “O especial dessa carta é que, além da escrita, ela contém imagens mirabolantes e fantásticas relacionadas ao imaginário renascentista, e era entregue de graça nas feiras.”

A peça parte da carta para falar dos dias de hoje, explica a diretora, afirmando que a peça não é um trabalho histórico. É uma resposta ao capataz. Acontece que, etimologicamente, uma das definições da palavra “Américo” é “dono da casa” ou “dono do trabalho”, ou seja, o capataz. “É uma resposta a esse pensamento de colonização que atravessa 500 anos e ainda acabou.”

A partir disso, os atores pensaram no corpo como território de colonizar e de ser colonizado, como fronteira, invasão, resistência e conquista. “A dramaturgia é baseada na resposta dos atores, na urgência de cada um”, diz. Assim, aparecem questões como sexualidade da mulher, feminismo, negritude, periferia, burocracia e violência urbana.

Sombras, subversão da linguagem e trilha sonora original dão o tom poético ao espetáculo – Foto: Divulgação / Filipe Stucchi EAD

O processo boca-ação

Um dos méritos da produção está no texto fora dos padrões. “Tenho desenvolvido, há alguns anos, uma pesquisa que se chama boca-ação. É uma maneira de construir textos através de assuntos variados, alterando a lógica gramatical”, conta a diretora. Por isso, a estrutura sujeito, verbo e predicado deixa de existir. “Substantivo vira verbo, sujeito vira objeto, substantivo vira predicado.” Essa técnica também é chamada de texto acúmulo, em que “vamos acumulando palavras e subvertendo a própria linguagem”. E dá um exemplo: a palavra facebook vira “facebookear”.

Outro destaque é a trilha sonora original, desenvolvida por Ricardo Garcia, co-diretor do espetáculo. Ele construiu objetos sonoros específicos e capturou os sons, gerando polirritmias e harmonias imprevisíveis, que atuam também como um elemento dramatúrgico. “Nós trabalhamos muito essa relação do som e do movimento. Então, entendemos o som como mais um corpo”, informa a diretora.

Com uma narrativa repleta de exageros, contradições e paradoxos da carta atribuída a Vespúcio, pulam corpos despedaçados, em um jogo entre verdade e mentira ou mentira e dor. A poética se estabelece através do movimento desses corpos e da não linearidade das palavras.

E, mesmo sem personagens e uma história propriamente dita, Resposta ao Capataz não é um improviso. Segundo a diretora, é uma experiência corporal e sonora. Conclusão não há. O público vai embora com mais perguntas do que respostas.

Resposta ao Capataz fica em cartaz até o dia 12 de agosto, com apresentações de terça a sábado, às 21 horas, e domingos, às 19 horas, na Sala Alfredo Mesquita do Teatro Laboratório Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP (Rua da Reitoria, 215, Cidade Universitária, em São Paulo, telefone 3091-4376). Os ingressos são gratuitos e distribuídos com uma hora de antecedência.


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