Doença tropical, a leishmaniose ainda leva ao sofrimento e à morte milhares de cães anualmente. O mais chocante é saber que, no Brasil, uma grande parte dos animais não morre pela doença em si, mas sacrificados ao serem diagnosticados. Isso porque o Ministério da Saúde proíbe o tratamento dos cães contaminados e recomenda a eutanásia.
No grupo cada vez maior de veterinários a questionar essa medida drástica, Anaiá da Paixão Sevá propõe o uso de coleira com inseticida em cães como método preventivo. Pesquisa realizada por ela na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP mostrou que, se houver um encoleiramento em massa dos cães (cerca de 75%), o método é bastante eficiente no controle da doença.
Em um cenário de intervenção, quando comparado o uso da coleira com a vacinação de animais soronegativos (não contaminados) e com o sacrifício de animais soropositivos (com o parasita), foi encontrada a seguinte situação: a eficácia da coleira chegou a quase que 100% na diminuição de cães e humanos infectados, enquanto que a vacina atinge 80% e a eutanásia, 90% de redução.
O acessório, que dura de 4 a 6 meses, é impregnado de inseticida (deltrametrina) e tem a função de espantar e matar o mosquito-palha, vetor da doença. Assim, o método exclui a prática da eutanásia dos animais contaminados, protocolo polêmico utilizado pelos Centros de Controle de Zoonoses (CCZ) brasileiros.
Doença grave
A leishmaniose é transmitida por meio da picada do mosquito infectado, o flebotomíneo, inseto comum em algumas regiões do Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, em áreas quentes e onde há acúmulo de matéria orgânica. A transmissão do parasita ocorre principalmente através da picada do inseto infectado, popularmente conhecido como mosquito-palha, tanto em animais como em seres humanos, não sendo possível a transmissão direta de animal para humanos e vice-versa.
Caso não seja tratada e dependendo das condições imunológicas do infectado, a leishmaniose pode evoluir e se tornar uma doença grave, trazendo consequências igualmente importantes para os cães e para as pessoas, podendo até levar à morte. Em humanos, os sintomas mais comuns são a febre prolongada, anemia, indisposição, palidez das mucosas, falta de apetite, perda de peso e aumento do abdome devido ao aumento do fígado e do baço. No animal, há a descamação e úlceras da pele, pelos opacos e quebradiços, febre, atrofia muscular, fraqueza, anorexia, lesões oculares e aumento exacerbado das unhas.
A pesquisa foi feita com dados coletados em Panorama, extremo oeste de São Paulo. Em 2013, o município tinha uma concentração de 30% de animais soropositivos. Segundo Anaiá, todos os métodos de controle aplicados em cães na região geraram impacto positivo inclusive nas populações humanas, porém, o que a pesquisadora chama a atenção é para a questão ética envolvida no protocolo da eutanásia. “Muitos dos animais sacrificados gozam de pleno vigor e estão aparentemente saudáveis, mesmo sendo soropositivos”.
A pesquisadora também levou em consideração a complexidade da operacionalização da eutanásia em animais soropositivos e a vacinação dos soronegativos. Para aplicar tanto um procedimento quanto o outro é necessário que um veterinário faça um exame de sangue para saber as condições de saúde do animal. O tempo de espera para obtenção do resultado pode ser suficiente para que o cão continue transmitindo a doença. No caso da vacina, também tem o custo das três dosagens que devem ser feitas no primeiro ano de imunização, passando depois para dosagem única a partir do segundo ano.
A pesquisa fez parte da tese Impacto de diferentes métodos de controle na dinâmica da leishmaniose visceral em áreas endêmicas do Brasil, de autoria de Anaiá da Paixão Sevá, sob orientação do professor Fernando Ferreira, do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia Experimental Aplicada às Zoonoses da FMVZ. O trabalho também teve a colaboração da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e do Instituto de Salud Carlos III, Espanha, onde Anaiá realizou doutorado-sanduíche.