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Imagine que uma doença infecciosa comece a circular por uma determinada região. Os transmissores são insetos — mosquitos, por exemplo — e se espalham rapidamente. O número de casos disparam. A ciência, então, faz estudos para entender melhor a situação e traçar maneiras de agir. Mas, para a resposta ser rápida e menos arriscada, é necessário investimento em laboratórios especialmente seguros e capazes de realizar pesquisas precisas.
Uma dessas doenças já existe. É a malária. Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil registrou 31.872 casos de malária nos três primeiros meses deste ano. No ano passado, foram 194.271. E o País acaba de ganhar um laboratório inovador para realizar estudos com microrganismos como os causadores da malária. O Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, em São Paulo, inaugurou o NB3.
A princípio, o local terá como foco de estudos a malária e a bactéria Rickettsia rickettsii, que provoca febre maculosa brasileira, doença altamente letal. Já a malária, causada por parasitas do gênero Plasmodium, transmitidos pela picada da fêmea infectada do mosquito Anopheles, se não for tratada, pode evoluir para casos de sérios riscos para a vida.
Estudar um agente infeccioso e o vetor em um mesmo espaço é arriscado. É aí que o novo laboratório de parasitologia mostra seu diferencial em comparação aos outros NB3 do País.
Em uma mesma plataforma, mas em salas diferentes, trabalham-se as situações de manipulação de microrganismos e seus vetores, a experimentação em hospedeiros e os diagnósticos envolvendo as doenças. Através das análises, é possível detectar potenciais caminhos para a produção de inibidores da contaminação desses parasitas.
O funcionamento diário do laboratório ainda vai esperar um pouco. Há uma série de testes, esterilizações do espaço e treinamento de pesquisadores que precisam ser feitos.
No laboratório, serão manipulados microrganismos com nível de biossegurança 3, que possuem alto grau de patogenicidade, oferecendo risco à vida humana e ao meio ambiente.
Há quatro ambientes: Unidade de Artrópodes (vetores), Unidade de Experimentação em Vertebrados (hospedeiros); Unidade de Imagens, que conta com um microscópio de tecnologia de 4D da Zeiss; e a Unidade de Cultura de Células e Tecidos, onde serão realizados os experimentos científicos e de diagnóstico envolvendo amostras humanas.
O financiamento foi feito através de recurso da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e uma parte pelo programa europeu Marie Curie, que investe em bolsas e estruturas para cientistas.
A equipe do Jornal da USP visitou o NB3 para conhecer a estrutura e saber os trabalhos científicos que serão desenvolvidos. O professor Carsten Wrenger, chefe do Departamento de Parasitologia do ICB e coordenador dos trabalhos de criação e construção, e o professor Cláudio Marinho, também do ICB, apresentaram o local.
Como é um laboratório de biossegurança 3
Antes mesmo de entrar pela porta de inox da entrada do laboratório, uma TV projeta para o saguão todas as imagens das câmeras que estão espalhadas pelos ambientes internos. Crachá exclusivo para abri-la. Depois, é preciso colocar proteções para os pés. “Trabalhamos com transparência e segurança. O que sai daqui são só os resultados”, diz em tom de brincadeira o professor Wrenger.
Feita a primeira prevenção, passa-se para um segundo ambiente. É preciso trocar de roupa — toda a roupa — e colocar uma espécie de capa que suporta um alto nível de pressão. A vestimenta é quente. Quando estiver em operação, o laboratório terá uma temperatura baixa. O uniforme é descontaminado após o uso com etanol.
O laboratório conta com sistema de radiação ultravioleta em todo o seu interior para a descontaminação geral. “Mas ele só pega depois que não estiver ninguém dentro. Ele trabalha como um sensor de presença de pessoas”, segundo Wrenger.
A presença de portas que separam as salas iniciais é para que a pressão possa variar gradualmente de um ambiente para o outro, como forma de segurança. “Assim, não há contaminação por conta do ar que entra na sala”, conta o pesquisador. As portas também são abertas através de sensores e têm um revestimento de borracha nas extremidades que encostam na parede de sua estrutura quando se fecham.
Tem ainda mais uma sala que dá entrada às três diferentes unidades especiais. O professor Wrenger chama a atenção para algo simples, mas importante na construção desse laboratório. “A água é independente. Um sensor detecta se ela está faltando. Ela tem um tratamento próprio. Depois de lavar algo aqui” — ele abre a torneira que também funciona com sensibilidade — “a água vai para esse sistema”.
Embaixo e na parte superior da pia há um reservatório que lança um reagente extremamente forte e que “mata tudo”. Além da água, o circuito elétrico também é autossuficiente, através dos sistemas no-break, que garante o funcionamento em caso de queda de energia.
Para entrar na Unidade dos Artrópodes, mais uma vez é preciso entrar em um pré-ambiente. Nele, é lançada uma cortina de ar para criar uma pressão necessária. Só então é possível chegar onde os vetores estarão incubados futuramente.
De início, serão mosquitos e carrapatos por conta do estudo de malária — pelo grupo do professor Carsten — e febre maculosa brasileira — pela linha de pesquisa da professora do ICB Andréa Cristina Fogaça.
“Se, por um acaso, o mosquito escapar, ligamos essa luz azul para atraí-lo. No caso do carrapato, temos inox nas partes inferiores com uma espécie de cola. O carrapato não sobe e fica grudado ali”. Ao lado da incubação, uma estrutura permite ao cientista manipular o agente infeccioso presente no vetor, podendo mudá-lo geneticamente.
Na sala de vertebrados, são realizados os experimentos com os hospedeiros e as retiradas de amostras. Mas a análise de diagnósticos fica em uma outra: a de microscopia.
“Aqui, os vírus ou bactérias são mostradas na sua intimidade. É uma microscopia ultra virtual, onde podemos checar as células e, com as lâminas de fluorescências, realizar uma análise em um filme de imagens em 4D”, aponta o professor enquanto mostra um equipamento da Zeizz.
Os trabalhos podem ser pré programados através de um software e as imagens são passadas em telas ao lado do microscópio.
A última unidade é a sala de cultura e tecidos. Também é possível analisar as lâminas, observar através de microscópios, entre outras operações, como medir a atividade celular. Há ainda uma tela que realiza videoconferências para qualquer lugar do mundo, onde os pesquisadores podem mostrar seus trabalhos.
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“Ter essa estrutura serve para as perspectivas de futuro. É uma infraestrutura apropriada para lidar com a infecção e a transmissão. São problemas grandes para a sociedade essas doenças”, diz Wrenger. Ele, que coordenou os trabalhos de construção do laboratório, diz que não havia um padrão. “Criamos tudo aqui, o que levou muito tempo de trabalho, mas funciona.” Foram cinco anos para finalizar as obras do prédio.
O laboratório também realiza uma parceria com o outro NB3 que fica na plataforma científica Pasteur-USP, no Centro de Pesquisa e Inovação Inova USP. Esse vínculo faz os treinamentos de equipe de pesquisadores e também cursos de formação em biossegurança.
Uma parceria com o Exército também está sendo estudada já que os militares desenvolvem trabalhos na área da saúde na região Norte, que apresentam altos índices de casos de malária. “É uma transferência de tecnologia. O Exército desenvolve uma atividade social no Acre, por exemplo. Eles também se preparam para o assunto, de saúde pública”, comenta Wrenger.
Mesmo com os intensos cortes nas agências de fomento à pesquisa brasileiras, o Laboratório NB3 aparece como um exemplo da necessidade de investir no conhecimento. “Aqui, serão feitos vários projetos que estão dentro das linhas de pesquisas. É um preparo para o futuro e é justamente o motivo desse instituto: fazer ciência competitiva alinhada à educação.”
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