Projeto de lei abre esperança para Chamada Universal do CNPq

Governo federal não repõe os R$ 600 milhões cortados em outubro, mas oferece R$ 100 milhões para viabilizar a implementação do edital

 01/12/2021 - Publicado há 2 anos
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Foto: Marcelo Gondim e Carlos Cruz

 

Asfixiado pela falta de recursos e com seu orçamento praticamente esgotado, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) ainda tem esperança de dar um último respiro em 2021. O Ministério da Economia enviou ao Congresso nesta terça, 30 de novembro, na última hora possível, um projeto de lei (PLN 39) pedindo a liberação de R$ 151 milhões para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), dos quais R$ 100 milhões deverão ser destinados ao CNPq para a implementação da Chamada Universal 2021 — o edital mais basal e tradicional de fomento à ciência brasileira.

O texto precisa ser aprovado pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso e votado rapidamente em plenário, para ser promulgado a tempo de o CNPq empenhar os recursos ainda neste ano. A Chamada Universal foi lançada há exatos três meses, em 31 de agosto, sem que houvesse dinheiro garantido para ela no orçamento no MCTI, mas com um compromisso político de que esses recursos seriam liberados para a pasta até o fim do ano. Do total de R$ 250 milhões previstos para o edital, R$ 50 milhões deverão vir de recursos economizados do próprio orçamento do CNPq e R$ 200 milhões, da liberação de verbas contingenciadas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

A expectativa original era de que esse descontingenciamento do FNDCT ocorresse em 7 de outubro, com a aprovação do PLN 16, mas o Ministério da Economia manobrou para alterar a proposta de última hora e redirecionar os recursos para outros ministérios. No lugar dos R$ 690 milhões que estavam previstos para o MCTI, a pasta ficou com apenas R$ 90 milhões, e nada disso para o CNPq. A repercussão foi extremamente negativa — inclusive para o próprio MCTI —, e o governo acabou se comprometendo a repor o prejuízo, com o envio de um novo projeto de lei ao Congresso. Ontem, 30 de novembro, era a data limite para que isso acontecesse, conforme alertou a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). 

O novo PLN passa longe de repor os R$ 600 milhões retirados do projeto de lei anterior e não chega, nem mesmo, a completar os R$ 200 milhões que faltam para tapar o rombo no orçamento da Chamada Universal, mas garante ao CNPq um mínimo de recursos para, pelo menos, começar a implementar o edital. Os outros R$ 100 milhões terão que vir do orçamento de 2022. Além desses recursos para a Chamada Universal, o projeto pede a liberação de R$ 36,2 milhões para o pagamento de projetos de infraestrutura de pesquisa, R$ 5,7 milhões para fomento a projetos de pesquisa e R$ 9,1 milhões em subvenção econômica para projetos de desenvolvimento tecnológico em empresas. 

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Para o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, o envio do PLN representa uma vitória da comunidade científica, que organizou uma série de eventos e protestos nos últimos meses para pressionar o governo a salvar o edital Universal e repor os R$ 600 milhões que foram cortados em outubro. “É uma vitória parcial. Mas, de qualquer forma, é uma primeira vitória frente ao descaso com a ciência que demonstra o poder Executivo federal”, disse Ribeiro ao Jornal da USP. “Esperamos que no início de 2022 cheguem os outros R$ 100 milhões que faltam para atender, pelo menos, a demanda que já foi aprovada pelo CNPq”, completou Ribeiro, que é professor titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Ministro Marcos Pontes e o presidente do CNPq, Evaldo Vilela, no lançamento da Chamada Universal, em 31 de agosto – Foto: MCTI/Divulgacao

 

O prazo para participação no edital terminou em 30 de setembro, e o CNPq recebeu mais de 8,8 mil propostas, que já foram julgadas e ranqueadas pelos Comitês de Assessoramento do órgão. Os resultados estão prontos e deveriam ter sido divulgados em 11 de novembro, mas o CNPq optou por adiar o anúncio até que os recursos necessários para o pagamento do edital estejam efetivamente disponíveis. 

“É uma vitória, mas uma vitória para fazer chorar”, disse o bioquímico Hernan Chaimovich, professor emérito do Instituto de Química da USP e ex-presidente do CNPq. “Lamento profundamente que a gente tenha que se alimentar de vitórias tão pequenas, porque a fome é tão imensa que não sei quanto tempo mais conseguiremos resistir.”

Os orçamentos do MCTI e do CNPq foram brutalmente reduzidos nos últimos anos por meio de cortes e contingenciamentos. Levando-se em conta a inflação, o orçamento de fomento do CNPq encolheu impressionantes 90% entre 2010 e 2020, levando a uma estagnação quase que completa de diversos programas estratégicos para o desenvolvimento científico e tecnológico do País, como o dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) e a própria Chamada Universal, que costumava ser anual, mas não é realizada desde 2018, por falta de recursos.

A Chamada Universal tem um diferencial histórico importante: é o único edital do CNPq aberto a qualquer pesquisador, de qualquer área do conhecimento, em qualquer lugar do país; por isso tem um papel fundamental no apoio a jovens cientistas e grupos emergentes, que muitas vezes têm dificuldade para competir em editais mais específicos. A chamada de 2018, por exemplo, financiou mais de 5,5 mil projetos de pesquisa em todo o País, com três faixas de valores: R$ 30 mil, R$ 60 mil e R$ 120 mil. Tipicamente, o Universal é onde grande parte dos pesquisadores brasileiros consegue seu primeiro financiamento.

“Ninguém vai montar um laboratório de pesquisa com esses valores, mas é um dinheiro que diz para o jovem que é possível ter esperança para começar a fazer ciência no Brasil, independentemente de onde você estiver”, afirma Chaimovich. “Isso é política científica. Você não pode apostar só nos centros mais desenvolvidos; tem de apoiar todos os brasileiros que desejam ser cientistas.”

Nessa nova chamada de 2021, os valores oferecidos por projeto são de até R$ 165 mil, para grupos emergentes (com no mínimo três doutores), e até R$ 275 mil, para grupos consolidados (com no mínimo cinco doutores). 

Nos Estados que não contam com fundações de amparo à pesquisa (FAPs) bem estruturadas, e a dependência do CNPq é consequentemente maior, o Universal pode ser uma das únicas fontes de financiamento disponível. “É algo que define o futuro de muitos grupos de pesquisa no Brasil”, diz o professor Antonio José da Costa Filho, da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP. “Esse edital é o que irriga o sistema de ciência e tecnologia do país todo, e por enquanto as comportas estão fechadas.” Resta saber se elas serão abertas a tempo de evitar uma estiagem catastrófica para o futuro da ciência nacional. 


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