Durante o mandato do governador Carvalho Pinto, entre 1959 e 1963, finalmente começou a sair do papel um antigo e importante projeto para a cidade e o Estado de São Paulo: a construção da Cidade Universitária. Para torná-la uma realidade, o governador reuniu uma equipe que tinha entre seus membros o então professor da Escola Politécnica (Poli) da USP Savério Andrea Felice Orlandi, que seria responsável, ao lado do arquiteto Paulo de Camargo e Almeida, por planejar a obra.
Planejar é, de fato, uma palavra à qual o professor Orlandi, hoje com 86 anos, dá extrema importância. Segundo ele, ainda antes do projeto de uma obra, é necessário um minucioso planejamento. O professor conta que, baseado nessa ideia, fez modificações radicais nos planos anteriores para a Cidade Universitária. “Queríamos trabalhar um conceito diferente, no qual a Cidade Universitária seria formada por um agrupamento de institutos, como decidimos chamar à época, onde seriam oferecidos ensino, pesquisa e atendimento à sociedade.”
A ideia, inspirada em universidades europeias e norte-americanas, se opunha à prática de construir prédios individuais para cada escola, um modelo que, com o tempo, geraria crescimento desordenado. “Os institutos abrigariam uma série de departamentos, com a capacidade de abranger novas áreas que atendessem a futuras demandas do mercado. Essa é a importância desse modelo, ele antevê a possibilidade de novas obras para que a estrutura já esteja pronta quando for necessária”, explica o professor.
Num curto período, a equipe executou uma série de obras a toque de caixa, para preparar o terreno para os Jogos Pan-Americanos de 1963, sediados em São Paulo. Nesse ritmo, além da Vila Pan-Americana (complexo construído para abrigar os atletas e que depois tornou-se o espaço de moradia estudantil da Universidade, hoje chamado de Conjunto Residencial da USP, o Crusp), o professor cita os edifícios do Instituto de Química e do Instituto de Matemática como exemplos que seguiram o modelo planejado por ele.
O trabalho, porém, foi interrompido em 1964 por ocasião do golpe militar. “Foram cerca de quatro anos de muito trabalho, até que fomos impedidos de continuar as obras pois o modelo que estávamos desenvolvendo foi considerado socialista. O projeto acabou sendo mutilado”, lamenta o professor Orlandi. Segundo ele, as construções que já estavam em andamento puderam ser finalizadas, porém o restante foi feito sem considerar suas ideias. “Por isso, hoje a USP tem um modelo híbrido, com alguns institutos e seus braços construídos segundo nosso planejamento, e outros prédios de faculdades erguidos individualmente após a interrupção do nosso trabalho.”
Planejamento como solução
O professor Savério Orlandi afirma que casos como o da interrupção de seu trabalho na Cidade Universitária não são raros quando se trata de obras públicas no Brasil. Segundo ele, não só os projetos são frequentemente desconsiderados no País, como sequer há o planejamento anterior à obra defendido por ele. “Na construção de obras públicas aqui, pulam-se etapas indispensáveis na elaboração do projeto, o que dá margem aos superfaturamentos absurdos e às alterações sem fundamento na ideia original que nos acostumamos a ver.”
Formado em Engenharia Civil pela Poli e também em Urbanismo pela antiga Faculdade Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro, o professor afirma que o conhecimento nas duas áreas foi fundamental para sua formação e para a consolidação de suas ideias. “Sempre quis ser engenheiro, mas acredito que é muito importante que haja essa aproximação entre arquitetura e construção, planejamento e execução.”
Orlandi defende com veemência que seguir o modelo proposto por ele eliminaria muito da corrupção que ocorre em obras públicas do País, pois não haveria a possibilidade de interferir no projeto em desacordo com o que foi previamente estabelecido. “Com o planejamento e o anteprojeto, a variação máxima que poderia haver no custo de uma obra seria da ordem de 5% a 10%. Isso não acontece no Brasil, a arquitetura e a engenharia muitas vezes não se conversam, e a politicagem e os interesses de empreiteiros encontram espaço. Por muitas vezes, quando defendia a importância do planejamento anterior ao projeto da obra, ouvi como resposta que ‘isso é coisa de professor, não há tempo para isso’.”
Mesmo dizendo-se profundamente desapontado com a realidade do Brasil, o professor Orlandi orgulha-se de ter seguido e posto em prática em toda sua vida os princípios que defende. “Às vezes criava animosidade com diretores que não enxergavam a importância do método que eu seguia em minhas obras, mas isso nunca me fez abrir mão dele. Além disso, tive ao longo da carreira a felicidade de trabalhar com profissionais de alto gabarito, como Paulo de Camargo e Almeida, na construção da Cidade Universitária”, recorda o professor.
Além de ser um dos nomes responsáveis pela existência da Cidade Universitária e de ter sido professor por mais de 30 anos na Escola Politécnica e também na Escola de Engenharia de São Carlos, Savério Orlandi contribuiu com o Jornal da USP escrevendo artigos sobre sua área de atuação no período em que a publicação era impressa. Mas, mesmo aposentado e com a mudança do jornal para o formato digital, o professor segue motivado a colaborar.
Abaixo, disponibilizamos o trabalho mais recente do professor Savério Orlandi, escrito com exclusividade para o Jornal da USP, no qual ele explica em detalhes sua ideia de planejamento na arquitetura e construção civil.