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Fotos: Felipe Paneghine/IGc USP
Passeio no cemitério?
Grupo da USP promove conhecimento com o geoturismo cemiterial
Pesquisadores do Instituto de Geociências da USP realizam tours pelos principais cemitérios da capital e destacam arte tumular em rochas e geoconservação
Você já pensou em visitar um cemitério e aprender sobre história e geologia com os jazigos e túmulos de personagens renomados, como Armando de Salles Oliveira, fundador da USP, e Ramos de Azevedo, arquiteto responsável pela construção da capital paulista? Essa é uma das atividades desenvolvidas por um grupo de pesquisadores do Instituto de Geociências (IGc) da USP. O propósito é realizar a inclusão de atividades educativas e turísticas que promovam a sustentabilidade e fortalecer práticas de Geoconservação no Brasil. Eles fazem parte do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo (GeoHereditas), onde os membros planejam e produzem roteiros com enfoque nos patrimônios natural, geológico e construído.
É nesse contexto que o geoturismo cemiterial — já em expansão nos Estados Unidos e na Europa — ganha destaque dentre as propostas do GeoHereditas, composto por conhecimentos das áreas de Geociências, Biociências, Ciências Sociais e Turismo. O objetivo é evidenciar a arte tumular e a presença de rochas ornamentais, as quais compõem complexas construções mortuárias em diversos cemitérios brasileiros. Os roteiros promovidos pelo núcleo são divulgados ao público e também integram atividades relacionadas ao turismo geológico urbano em São Paulo.
Cemitérios em Paris e Viena, respectivamente, que promovem o geoturismo cemiterial - Fotos: Maxpixel e Pixabay
“Os cemitérios possuem uma quantidade muito grande de rochas ornamentais e, às vezes, por exemplo, há tanto pedras nacionais quanto estrangeiras. Assim, você tem condições de fazer um relacionamento entre história, sociologia e geociências. Tem todo um contexto ali associado com a ideia desses tours”, conta Eliane Del Lama, professora do IGc que coordena as atividades do GeoHereditas, ao falar sobre seus interesses pela preservação do patrimônio histórico, geoconservação e petrografia.
Um dos principais destinos desse tipo de geoturismo é o Cemitério da Consolação, fundado em 1858 e conhecido como um museu a céu aberto por ser uma das principais referências artísticas do Brasil no setor. O local inclui esculturas de artistas renomados — como Victor Brecheret, Nicola Rollo e Luigi Brizzolara —, além de túmulos de personalidades notáveis, como Monteiro Lobato, Tarsila do Amaral, Ramos de Azevedo, Mário e Oswald de Andrade.
Eliane Del Lama, professora do IGc - Foto: Currículo Lattes
O Sepultamento, de Victor Brecheret, obra localizada no Cemitério da Consolação - Foto: Reprodução/Flickr ARTExplorer
Para Eliane, a escolha do cemitério para o roteiro geoturístico se deu devido à variedade de pedras apresentadas — que mostram os períodos de uso mais intenso de determinados tipos em função do contexto econômico e cultural da capital paulista — e por ser o mais antigo da cidade. “A ideia da escolha é porque esse é um cemitério considerado histórico. Hoje, a gente tem o conceito de cemitério jardim: onde você tem só aquela plaquinha de pedra no chão. Então, é um motivo para a gente preservar um local que, desse jeito, não vai existir mais”, complementa.
Roteiros geoturísticos para diferentes tipos de rochas
O estudo das rochas e da arte na necrópole do cemitério da Consolação resultou na produção de roteiros para visitação. Um deles abrange as rochas silicáticas — com ampla variedade de rochas ígneas e metamórficas —, como as identificações comerciais: Granitos Itaquera, Cinza Mauá, Rosa Salto, Vermelho Brasília, Vermelho Bragança, Cinza Andorinha, Marrom São Paulo, Preto Piracaia, Preto Bragança, Azul Norueguês, Ás de Paus, Verde Ubatuba, Verde Candeias, Preto Indiano e Branco Dallas, por exemplo.
O outro engloba as rochas carbonáticas constituídas, predominantemente, por variedades de calcários e mármores, com as identificações comerciais ou acadêmicas apresentadas a seguir: Mármores Estatuária, Branco Nacional, Rosa Siena, Nero Portoro, além do Travertino, Calcários Rosso Verona e Biodetrítico, com fósseis de rudistas e braquiópodes (Lioz) ou com fósseis de corais.
Aspecto macroscópico das rochas silicáticas, silicosas e sílticos-argilosas foliadas que compõem o roteiro geoturístico - Imagem: Reprodução/Luciane Kuzmickas e Eliane Del Lama
Aspecto macroscópico das rochas carbonáticas que compõem o roteiro geoturístico - Imagem: Reprodução/Luciane Kuzmickas e Eliane Del Lama
A professora destaca que a ideia de elaborar os roteiros pelos litotipos de rochas partiu de Luciane Kuzmickas, sua orientanda no mestrado. “Ela escolheu as pedras principais de uma determinada composição e fez a mesma coisa com outra composição. Depois, eu criei um novo roteiro sem essa distinção de separar o tipo da pedra. A intenção era contextualizar a história e mostrar o maior número possível de pedras diferentes que existem no cemitério. Lá, você pode fazer os mais diferentes cursos”, afirma.
A utilização das rochas é evidente nas funções estrutural e ornamental. Desde o revestimento dos túmulos – principalmente dos que apresentam capela incorporada – até as estatutárias, com vasos de flores e imagens que demonstram distintos aspectos emocionais. É comum encontrar vários litotipos em um mesmo jazigo. “No Cemitério da Consolação, você entra e há o portal feito do Granito Itaquera, a nossa pedra paulistana, pelo Ramos de Azevedo. Existe uma variedade grande. O mausoléu dos Matarazzo é o maior da América Latina e lá existem pedras como o Rosso Verona, uma pedra italiana, e pedras nacionais”, conta.
Geoturismo cemiterial: uma nova forma de aprender
Eliane destaca a importância de desenvolver atividades voltadas ao geoturismo cemiterial. “O cemitério não precisa ser só um lugar de dor e luto. Ele pode ser um lugar onde podemos saber um pouco mais da história da cidade, né? O fato de você ir lá para ver os mausoléus tem a ver com o contexto social da época. Um museu a céu aberto te permite entender a história da cidade por meio do cemitério. Em termos de geociências, existe a possibilidade de visualizar pedras de diferentes nacionalidades e cores”, explica.
Grupo da visita guiada pela professora Eliane ao Cemitério da Consolação - Foto: Felipe Paneghine
Para Felipe Paneghine, aluno e orientando da professora Eliane, a experiência ao visitar o Cemitério da Consolação é incrível. “Os destaques são os mais diversos tipos de pedras, tanto nacionais quanto internacionais, granitos belíssimos mostrando contraste entre a porção serrada e a polida, as mais diversas cores de formas dos mármores, os famosos marmi antichi”.
“São Paulo foi erguida com o uso de diversas pedras, nossa história está atrelada a elas. Passeios turísticos com o foco no ‘Geo’ são complementares aos passeios históricos e culturais. Eles servem para dar uma sensação de pertencimento ao local onde vivemos, sejam esses tours em cemitérios onde vemos túmulos de personalidades famosas e importantes para a cidade ou pelo próprio centro de São Paulo, onde muitas vezes passamos frequentemente sem perceber o que nos cerca”, finaliza Paneghine.
Felipe Paneghine, aluno do IGc USP - Foto: Arquivo pessoal
Cemitério da Consolação: um museu a céu aberto
Fotos: Felipe Paneghine/IGc USP
Os roteiros para a visitação ao Cemitério da Consolação são divulgados há mais de uma década, mas têm ganhado visibilidade somente nos últimos anos. O programa Memória & Vida, do Serviço Funerário do Município de São Paulo, propõe visitas guiadas à necrópole em dias e horários fixos para atender a toda população. O visitante pode conhecer túmulos de personagens importantes da história brasileira e apreciar várias obras de arte.
Atualmente, as visitas acontecem às sextas-feiras, às 14 horas, em grupos previamente agendados pelo e-mail assessoriaimprensa@prefeitura.sp.gov.br. Com a publicação de um guia de visitação (Serviço Funerário de São Paulo, 2010), os interessados também podem explorar o local sem a necessidade de agendamento prévio da visita. Mais informações podem ser obtidas no site da Prefeitura.
Para acompanhar os roteiros e atividades do GeoHereditas acesse o site https://geohereditas.igc.usp.br/ ou as redes sociais Facebook e Instagram.
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