Ingressantes da USP em 2024 - Fotos: Arquivo pessoal

Os calouros chegaram. E agora falam como foi realizar o sonho de ingressar na USP

Com muita dedicação e esperança, eles entraram pelas portas da Fuvest, Enem USP, Provão Paulista e Olimpíadas do Conhecimento. São mais de 11 mil novos alunos integrando os 90 anos da USP. E comemoram pintando os braços, o rosto e o futuro com a campanha “Viver a USP é melhor que sonhar”

 26/02/2024 - Publicado há 2 meses

Texto: Leila Kiyomura

São 11.147 alunos para compartilhar seus novos caminhos e comemorar os 90 anos de história da Universidade de São Paulo. Com muito brio, eles participam de um novo tempo, quando a USP reserva 50% das vagas de cada curso de graduação para candidatos egressos de escolas públicas e que inclui a primeira edição do Provão Paulista, abrindo mais portas para os estudantes de escolas públicas e oferecendo 1.500 vagas neste processo.

Para recepcionar os novos estudantes, a USP lança a campanha de boas-vindas com o tema “Viver a USP é melhor que sonhar”. Em todos os campi, a semana inteira é de festa com atividades sociais, esportivas, culturais, reuniões e apresentação dos cursos. Na programação, também há ações sociais como doação de sangue, cabelos e medicamentos.

“Estar na USP é muito gratificante e é uma experiência muito enriquecedora que marcará para sempre a vida de vocês”, disse o reitor da USP Carlos Gilberto Carlotti Junior em mensagem de boas-vindas aos ingressantes veiculada no Youtube. Para ele, é essencial que o novo aluno se sinta parte da Universidade. “E se sinta parte da comunidade acadêmica que hoje é reconhecida internacionalmente em todas as áreas do conhecimento”.

Confira o depoimento de estudantes que ingressaram neste ano:

O Provão Paulista foi uma porta de entrada imensa na minha vida"

Giovanna Cardoso, 18 anos, está de um jeito que não cabe em si. Pinta os braços com o sonho que agora está em suas mãos. No direito, escreveu Física, com tinta verde e, no esquerdo, USP. Explica: “Isso é felicidade, entrei em Física Computacional no Instituto de Física de São Carlos da USP… Sabe o que isso representa? Meu sonho desde pequena era me dedicar à ciência. Escolhi Física Computacional, pois sei da importância da ciência computacional na vida das pessoas. E agora este sonho é realidade.”

Rindo muito, respira fundo e conta: “Sou de Louveira, interior de São Paulo. Eu me formei, no ano passado, no período noturno, na escola estadual Prof. Joaquim Antônio Ladeira. E trabalhava o dia inteiro no McDonald’s”.

Neste ritmo, Giovanna conta que não sobrava tempo para fazer cursinho. “Mas reservei todos os intervalos do dia, da noite, sábado e domingo para estudar por conta própria e prestar todos os vestibulares”.

Valeu a pena? A caloura responde: “Valeu muito!”. E elogia: “O Provão Paulista foi uma porta de entrada imensa na minha vida. Particularmente, achei a prova do ano passado mais difícil do que a do Enem, porém o tema da redação, Combate da Fome, foi ideal para refletir e expor a situação atual do Brasil. Agradeço ao Estado de São Paulo por ter dado essa oportunidade para mim e para todos. Nós, estudantes das escolas públicas, sabemos muito bem o quanto a desigualdade social nos atinge e o quanto isso afeta as oportunidades da nossa vida.”

Giovanna Cardoso, 18 anos, entrou em Física Computacional no Instituto de Física de São Carlos - Foto: Arquivo pessoal

O Provão Paulista dispôs nesta primeira edição, na USP,  1.500 vagas, ou seja, 13,5% das vagas do vestibular. Desse total, 555 vagas foram destinadas a estudantes pretos, pardos e indígenas. Todos os estudantes do ensino médio da rede estadual, incluindo os das Etecs, puderam participar da avaliação, mesmo que sejam de outros Estados. As notas obtidas pelos alunos foram utilizadas como acesso direto a vagas das universidades públicas (USP, Unicamp, Unesp e Unifesp) e Faculdades de Tecnologia do Estado de São Paulo (Fatecs) e Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp) do Estado. O Provão Paulista foi proposto e desenvolvido pelos reitores da USP, Unicamp e Unesp.

Sou o primeiro da minha família a entrar em uma universidade pública, entretanto, sei que não serei o último"

Guilherme Venâncio tem 24 anos. “Estou ingressando no curso de Gestão de Políticas Públicas, na Escola Artes, Ciências e Humanidades da USP. Um dos meus maiores sonhos sempre foi impactar a coletividade ao meu redor”. Em 2022, decidiu fazer a transição da área das Exatas para Humanidades. No ano passado, tive a oportunidade de ser aluno da Rede Emancipa, cursinho popular, que foi o diferencial na base de estudos, trazendo segurança e confiança para os vestibulares, principalmente na redação, com a professora Rafa Damasceno, onde adquiri bastante repertório, atingindo a nota de 960 pontos.”

Empolgado com o curso, Guilherme explica que, em sua escolha, teve importantes referências de estudantes negros da USP e dos ministros Silvio Almeida e Joaquim Barbosa. “Através do meu acesso na USP, pretendo incentivar meu meio social. Sou o primeiro da minha família a entrar em uma universidade pública, entretanto, sei que não serei o último”. Ao longo da jornada de estudos, observou a importância das políticas públicas na área de Educação. “Elas precisam ser fomentadas cada vez mais, incentivando os alunos do ensino público a prosseguirem em universidades públicas com ensino de qualidade”.

Guilherme Venâncio, 24 anos, aluno de Gestão em Políticas Públicas, da EACH USP - Foto: Arquivo pessoal

Nasci, cresci e ainda resido na região de Sapopemba, zona leste de São Paulo. Estudei minha vida toda em escola pública"

Diego Almeida Oliveira tem 18 anos. E faz questão de acentuar que nunca sentiu tamanha emoção. “Uma felicidade que estou compartilhando com todos. Nasci, cresci e ainda resido na região de Sapopemba, zona leste de São Paulo. Estudei a minha vida toda em escola pública. Cursei o ensino fundamental na EMEFM Rubens Paiva, uma escola municipal de bairro”.

Conta que desde sempre sonhou acordado em cursar Direito na USP. “Ficava imaginando em passar no Largo São Francisco e entrar nas Arcadas. Decidi prestar o vestibulinho para entrar na ETEC de São Paulo – conhecida por ETESP – onde cursei o ensino médio integrado ao técnico em administração. Ter entrado na ETEC no meio da pandemia (2021) foi complicado, mas já demonstrou uma grande diferença em relação ao ensino público comum, visto que, diferente da minha escola anterior, eu não perdi aulas, apesar das dificuldades impostas. O ensino era mais rígido, as oportunidades eram muitas e a infraestrutura era visivelmente melhor. E eu considero isso um grande privilégio, que provavelmente teve bastante impacto na minha aprovação na USP pela Fuvest, Enem-USP e Provão Paulista.

Diego lembra que desde sempre foi interessado por política e engajado nas discussões de pautas sociais.” Em especial, as que tratavam de raça e gênero. Ser um gay negro com origem na periferia fez de mim o que sou atualmente. Nesse sentido, acho as medidas de inclusão muito importantes para criarmos um ambiente acadêmico mais diverso”.

Como estudante de Direito, acredita que a ampliação das vagas para pretos, pardos e indígenas (PPI) na USP, para o ano de 2024, é muito positiva. “Essa mudança demonstra a intenção de investir em uma educação para todos. Espero que isso seja acompanhado de políticas de permanência eficientes e de ampliação da quantidade de pessoas negras no quadro docente – que, conforme eu verifiquei, representa aproximadamente 2% do total da Faculdade de Direito da USP.

Diego Almeida Oliveira é calouro da Faculdade de Direito - Foto: Arquivo pessoal

Participar dessa mudança me alegra muito. “Sonho com a magistratura. Se hoje tenho figuras como Luiz Gama e Flávio Dino como inspirações no mundo jurídico, eu pretendo, algum dia, ser uma espécie de inspiração àqueles que vêm da periferia, para que possam acreditar que seus sonhos são possíveis. Afinal, tiveram momentos que até eu duvidei de mim quando afirmava que queria entrar na SanFran e hoje eu me vejo aprovado, com novas perspectivas e me distanciando do destino dos meus familiares, cuja maioria sequer teve acesso ao ensino médio – e os que tiveram, terminaram com mais idade”.

Diego respira fundo. Faz uma pausa. E continua emocionado: “Enfim, estou muito feliz pela minha aprovação na SanFran. Entendo a importância de estudar na melhor universidade da América Latina e, em especial, na melhor faculdade de Direito do Brasil”.

Eu não consigo acreditar em como as coisas puderam dar tão certo pra mim. Mas eu finalmente consegui, estou na USP, vivendo um dos maiores sonhos de toda minha vida"

Stephany Meira dos Santos Fiuza tem 18 anos. Está muito feliz e orgulhosa por ingressar em Biblioteconomia e Ciência da Informação na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP. Orgulhosa, conta a sua história. “Eu vou estudar na cidade onde nasci, olha que excelente. Tenho um irmão e uma irmã mais velhos. Minha mãe, Dinalva, trabalha como faxineira. Mas está em seu último ano do curso de Letras à distância na Universidade Uniasselvi. Meu pai, Adimer, é pedreiro e vendedor ambulante, vende pipoca e gelinho”.

Continua: “Morei em Serrana, região de Ribeirão Preto, até os sete anos. Depois eu, minha mãe e meus irmãos fomos para Cravinhos. Por quase dez anos, moramos em uma fazenda, onde minha mãe trabalhava como copeira na casa da sede. No final de 2022,  voltei para Serrana, deixando preciosos amigos e queridos professores. Mas também achei um lugar para pertencer com novos amigos, novos caminhos, e professores para me guiarem nessa jornada.”

Stephany acredita que entrar na USP é o início de uma trajetória de desafios. “Não consigo acreditar em como as coisas puderam dar tão certo pra mim. Não sei se posso dizer que me preparei ou que estudei para o vestibular. Quando penso nos conhecimentos que usei, vejo que foram apenas conteúdos que tive na 2ª e 3ª série do ensino médio. Vale mencionar que eu não consegui estudar em 2021, na primeira série, por não conseguir me adaptar ao ensino à distância. O preparo que tive foi através do meu professor Cristian. Ele passou o terceiro ano inteiro incentivando os alunos a estudar e prestar vestibular para entrar em faculdades públicas. Ele nos informava sobre as opções, dava dicas de como estudar e o que precisávamos levar em consideração. Foi minha primeira vez fazendo vestibular, tanto o ENEM quanto o Provão Paulista.”

Stephany Meira dos Santos Fiuza, 18 anos, caloura de Biblioteconomia e Ciência da Informação - FFCLRP - Foto: Hellen Mendes

Com a ajuda do professor, Stephany escolheu o curso de Biblioteconomia e Ciências da Informação. “Eu sempre me encantei pelo conhecimento, por livros, e por tudo que ambos podem proporcionar, então, não foi difícil considerar o curso”.

Como estudante da USP, ela acredita que terá experiências muito diferentes de tudo que viveu, especialmente através dos estágios: “Para minha família, entrar na USP foi uma grande conquista. Algo que víamos muito distante por causa da nossa realidade social. Mas hoje, graças ao Provão Paulista, vejo um futuro com esperança, trabalho e conquistas”.

Quando vi minha aprovação em Medicina pelo Provão Paulista, meus batimentos cardíacos aumentaram e tive crise de risos e espalhei a notícia pra todos”

“Meu nome é Luis Fernando Ribeiro dos Santos, tenho 18 anos e sou paraense, porém morei grande parte da minha vida no Maranhão”. Em 2021, decidiu que precisava mudar e buscar melhores condições de emprego e estudo. “Eu fui morar com meu pai em São Vicente, lá na Baixada Santista. Como muitas famílias brasileiras, venho de uma camada mais pobre da sociedade onde a palavra ‘trabalho’ é muito comum desde cedo. Foi muito difícil convencer alguns membros da minha família de que eu não queria trabalhar com 15 anos e que cursar Medicina era possível, era meu sonho. Mas para alcançar esse sonho eu deveria apenas estudar. Todo o meu ensino médio foi defasado e matérias essenciais como Física, Química e Biologia foram retiradas da grade curricular do aluno e trocadas por itinerários inúteis, devido a implementação do novo ensino médio. Dessa forma, o que me restava era aprender a estudar em casa com apenas meu celular. Confesso que foi muito difícil e só aprendi no meio do meu segundo ano do ensino médio.”

Depois de ‘’aprender a estudar’’, Luiz montou um cronograma para se preparar para o vestibular.  “Eu estudava três matérias durante o dia, na parte da manhã. Durante as aulas das escolas, quando faltavam professores, eu revisava assuntos estudados nos dias anteriores, na parte da tarde eu estudava três assuntos das três matérias vendo vídeo aulas no YouTube e fazia resumos escritos com desenhos. Quando terminava, fazia questões referentes aos assuntos estudados e ia dormir às 22 horas para acordar às 6 da manhã, garantindo minhas 8 horas de sono”.

Luiz Fernando Ribeiro dos Santos, 18 anos, calouro da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP - Foto: Arquivo pessoal

Em 2022, o estudante fez o primeiro Enem como treineiro. “Não me saí muito bem: tive 530 como média geral e em redação tirei 580. Mas não desisti. Continuei estudando e no outro ano fiz o Enem junto com o provão paulista. Tirei 702 de média geral com 920 em redação. No Enem, estava disposto a tentar fazer a prova quantas vezes fossem necessárias, e depois que recebi a minha nota já estava preparado para começar a estudar e trabalhar ao mesmo tempo. Só que minha pouca fé no Provão Paulista me levou a maior surpresa desse ano, a notícia de que havia passado por esse vestibular. A notícia veio por e-mail, desejando boas-vindas da USP. “Quando vi minha aprovação em Medicina pelo Provão Paulista, meus batimentos cardíacos aumentaram e tive crise de risos e espalhei a notícia pra todos”.

Luiz está ansioso e feliz com a Semana dos Calouros e o início das aulas. “Vou, enfim, estudar e desfrutar de meu sonho agora realizado. Quero viver a USP…”.

O Enem USP foi a chave que me abriu a porta da melhor universidade da América Latina

“Tenho 18 anos, nasci em São Paulo capital, apesar de hoje morar em São Bernardo do Campo. Tenho dois irmãos mais novos, Bernardo, de 16 anos, e Gabriela, 13 anos. Eles são muito importantes na minha vida e sempre me incentivaram muito”, conta Eduarda, ou Duda, Perrone, caloura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. “Minha mãe, Bárbara, e meu pai, Luigi, também me ajudaram muito no processo difícil do vestibular. São formados em Biologia e Engenharia Mecânica, mas não trabalham nessas áreas.”

Entrar na USP era a sua meta. Para tanto, estudou muito, “o tempo todo”. Ganhou uma bolsa integral no cursinho Poliedro, “aí as coisas aconteceram”. Nos últimos seis meses, Duda percebeu que poderia ter chance. “O Enem USP foi a chave que me abriu a porta da melhor universidade da América Latina, e por isso fico muito grata.”

A arquitetura foi um curso que surgiu quase de surpresa no caminho de Duda. “Eu passei por diversas carreiras antes da aprovação, como Medicina, Música e Biologia, mas acabei escolhendo Arquitetura quando prestei o Enem USP justamente porque parecia algo muito legal que eu nunca tinha explorado, embora gostasse de história, arte e matemática.”

Nesta opção Duda buscou referências na arquitetura. Pesquisou a obra de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa e ficou envolvida pela criatividade e idealismo dos mestres. “Tenho muita vontade de aproveitar o máximo do que a universidade pode oferecer, sejam os esportes, as aulas, os estágios, os eventos, o bandejão ou os profissionais incríveis que vou conhecer no caminho”.

Eduarda Perrone, 18 anos, aluna da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo - Foto: Arquivo pessoal

Orgulhosa, assinala: Minha família tem bastante história na USP. Minha tia se formou no IME e ajudou a fundar o BIFE quase 30 anos atrás, meu tio se formou na FEA e, por isso, foi uma alegria e um orgulho muito grande lá em casa. Vou estar presente nos 90 anos da Universidade, comemorando na campanha ‘Viver a USP é melhor que sonhar'”.


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