Luana Alves, Sâmia Bomfim, Letícia Chagas e Luna Zarattini: jovens lideranças femininas na política que se formaram na USP - Arte sobre fotos/ Instagram

No centro das decisões: jovens formadas na USP se destacam como lideranças femininas da política

Sâmia Bomfim, Luana Alves, Luna Zarattini e Letícia Chagas são as ex-alunas da USP que compõem a parcela mais jovem do parlamento brasileiro e reivindicam direitos para as minorias sociais

 07/03/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 04/04/2023 as 9:31

Maria Fernanda Barros

A política institucional brasileira possui um rosto específico. Homens brancos com uma média de 49 anos de idade representam o perfil dominante dos deputados eleitos nas últimas eleições, enquanto a participação feminina conseguiu chegar apenas a 18% do Congresso Nacional, segundo levantamento do site G1, com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Outra pesquisa publicada no site da Câmara Legislativa aponta que, no âmbito municipal, a desigualdade de gênero é ainda maior, com 84% de maioria masculina. Mas insurgem, no cenário político atual, jovens mulheres que buscam desafiar essas estatísticas e construir um horizonte de resistência. 

Algumas delas são Sâmia Bomfim, Luana Alves, Luna Zarattini e Letícia Chagas, que recentemente conseguiram seu espaço na Câmara, na Assembleia ou no Congresso. Além do propósito de combate ao tradicionalismo da política nacional, também se assemelham na trajetória universitária: todas foram alunas da USP e participantes ativas do movimento estudantil. Antes de ocuparem os principais centros de poder e decisão do País, adquiriram experiência e fortaleceram sua experiência na militância liderando reivindicações sociais dentro da Universidade. Hoje, elas compõem a parcela mais jovem e diversa do parlamento brasileiro. 

Suas lutas são transversais: procuram levar para as bancadas as demandas dos estudantes, das mulheres, da população negra, indígena e periférica. Para elas, a entrada na política institucional não é o destino final de suas atuações políticas, mas sim uma forma de expandir o alcance da militância já realizada ao longo do tempo: “A política não é sobre ganhar o parlamento, é sobre transformar o mundo”, manifesta Letícia, que foi eleita deputada estadual nas últimas eleições, com 22 anos. Sâmia, a oitava mulher mais votada para o Legislativo de São Paulo no ano passado, reforça a urgência de uma maior heterogeneidade na política do Brasil: “Mulheres, jovens oriundos das periferias, são pessoas assim que precisamos consolidar como lideranças na política institucional”.

Conheça um pouco da trajetória de cada uma dessas mulheres:

Sâmia Bomfim

“O que eu puder fazer para ajudar outras mulheres a seguirem essa trilha, como parlamentares ou militantes, eu farei”

O primeiro engajamento político da oitava deputada federal mais votada nas últimas eleições aconteceu na USP. Sâmia Bomfim, que se reelegeu em 2022 com quase 250 mil votos, nunca havia tido forte contato com a militância antes de sair de Presidente Prudente, sua cidade natal no interior de São Paulo, em direção à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, para cursar Letras.

Hoje, Sâmia acumula mais de um milhão de seguidores nas redes sociais e é considerada uma das principais referências para o movimento feminista brasileiro. Seu desempenho na política brasileira é fruto de uma histórica participação na agenda da Universidade. Decidiu se envolver com o movimento estudantil e, posteriormente, integrar o Centro Acadêmico do curso de Letras da FFLCH, quando participou de atividades promovidas pela calourada do curso e pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) Alexandre Vannucchi Leme: “Criei gosto. Simpatizei e me senti acolhida”, relata.

Sâmia e seu filho Hugo na Câmara dos Deputados - Foto: Reprodução/Instagram

Após anos de militância nas entidades políticas e estudantis da USP, Sâmia se tornou servidora pública da Universidade e com isso, iniciou sua atuação no Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp). “O Sintusp tem uma história de luta e engajamento fundamental, desde a redemocratização do País. Sofreu com muitas perseguições e demissão de pessoas”, aponta. Na mesma época em que entrou para o movimento sindical, filiou-se ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), porém ainda sem pretensões de lançar qualquer candidatura. Durante esse período, participou de diversas reivindicações: ela destaca a greve de 2014, que lutava contra uma proposta de 0% de reajuste no salário dos funcionários. Depois de 120 dias de paralisação, os trabalhadores saíram vitoriosos. 

Sâmia na Primavera Feminista em 2015 - Foto: Reprodução/Instagram

Na medida em que trilhava sua trajetória política, o PSOL via em Sâmia um novo quadro político se formando: uma mulher jovem, trabalhadora, sindicalista, feminista e envolvida nas pautas da juventude. Esse perfil foi evocado pelo partido para disputar as eleições municipais de 2016, em um contexto no qual a organização possuía baixa visibilidade e pouca verba pública. Como ela conta, “foi a campanha eleita mais barata que já tivemos. Não tínhamos a expectativa de que pudesse dar certo”. Ao contrário do que se esperava, Sâmia foi a primeira mulher eleita vereadora pelo PSOL, além de ter sido, na época, a mais jovem de São Paulo a entrar para a Câmara, com apenas 26 anos. “Foi por pouco, à risca. Eu entrei por 25 votos.” 

Em 2018, deixou a vereança para compor o Congresso Nacional, onde recebeu ainda mais destaque no cenário político nacional: em 2020, foi líder da bancada do PSOL e eleita como a melhor deputada do Brasil pelo Prêmio Congresso em Foco, na votação geral (feita pelo público) e na categoria Luta pela Educação. Ademais, segundo o levantamento Elas no Congresso, desenvolvido pela Revista Azmina, Sâmia é a segunda deputada com mais propostas favoráveis às mulheres em todo o parlamento. 

Ela não pretende parar por aí, na verdade deseja usar a visibilidade para apoiar outras mulheres. “O que eu puder fazer para ajudar outras mulheres a seguirem essa trilha, como parlamentares ou militantes, eu farei. Não é sobre mim, é sobre as demais, as que querem chegar, as que ficam pelo caminho e as que nunca nem sonharam com uma possibilidade como essa”.  

Com 33 anos, ainda é uma das mulheres mais jovens da política brasileira, levando em sua carreira política “o senso crítico, os conhecimentos de mundo, os momentos de formação no movimento sindical e movimento estudantil e os amigos e companheiros” que obteve na USP. “A USP tem um papel muito importante. Espero que dali surjam cada vez mais novas lideranças, que também abram mais a Universidade para a sociedade.”

Luana Alves

“A juventude ter no curso universitário um sonho e uma possibilidade é algo que me acompanha até hoje”

Não foi da noite para o dia que Luana Alves, ex-aluna da USP eleita a vereadora mais jovem em 2020 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), decidiu embarcar na trajetória política para disputar seu lugar na sociedade. Os problemas estruturais e as injustiças sociais do País desde cedo são assuntos presentes nas conversas com seu pai, que foi preso e torturado pela ditadura militar. “Sempre houve debate sobre a distribuição da riqueza, por exemplo”, conta Luana. As influências maternas também são evidentes: a mãe, assistente social e militante do movimento antimanicomial, incutiu na filha o orgulho do cabelo crespo e da pele preta. 

A mulher, hoje com 29 anos, nascida em Santos, que distribuía panfletos, levantava bandeiras e participava de carreatas quando criança, se adentrou ainda mais na luta política com o ingresso na USP. Luana foi caloura de Psicologia em 2012 e afirma que já neste primeiro ano conectava a graduação com pautas sociais: “No curso, encontrei a linha das políticas públicas de saúde. Eu pude estagiar na UBS [Unidade Básica de Saúde], conhecer os postos de saúde e conhecer a psicologia dentro de um contexto de política pública de saúde total”. 

Luana discursando em aula inaugural do Rede Emancipa - Foto: Reprodução/Instagram

Mas a atuação política de Luana na USP se estendeu para além do curso de graduação. Sua vivência na Universidade abarcou o efervescente período de luta pela aprovação das cotas étnico-raciais. Sendo uma das poucas alunas pretas, logo entrou para o movimento negro e estudantil para dar continuidade a essa batalha histórica, existente desde a década de 1980. Foi representante dos estudantes no Conselho Universitário, codiretora do coletivo Juntos, militante do Ocupação Preta e membro da gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Em todas as organizações, lutou pela maior inclusão dos estudantes racializados, e viu a vitória acontecer. “Eu fui parte desse movimento. Foi uma luta muito suada”, relata.

Luana no dia da sua posse de vereadora, em 2021 - Foto: Reprodução/Instagram

Durante a sua trajetória na Universidade, conheceu a organização de que participa hoje, a Rede Emancipa, movimento social que agrega diversos cursinhos populares, com o objetivo de democratizar o acesso ao ensino superior. Em 2014, ajudou na logística do Dia na USP, evento organizado pelo próprio movimento que leva os alunos da rede para conhecer o campus. “Fiquei encantada, porque pela primeira vez eu vi a Universidade cheia de pessoas pretas e periféricas”, conta. 

Segundo Luana, esse acúmulo de experiências na USP foi “indispensável” para a sua decisão de disputar a política institucional. Foram 37 mil votos que levaram pautas como o combate ao racismo e a acessibilidade da educação para a juventude periférica até a Assembleia Legislativa de São Paulo. “A democratização da possibilidade para o jovem da quebrada, a juventude ter no curso universitário um sonho e uma possibilidade, é algo que me acompanha até hoje. E isso se relaciona com muitas políticas públicas municipais ”, diz. 

Democratizar a USP é, para a vereadora, o principal passo para proteger a educação pública. Os ataques generalizados às universidades estaduais e federais se fortalecem na sociedade brasileira porque elas se encontram distantes da realidade das camadas populares, opina Luana. “A USP precisa ser um sonho possível para a juventude. É necessário que a Universidade dialogue com as bases da sociedade”, manifesta.

Luna Zarattini

“Precisamos trazer os jovens da periferia para o vestibular. É a minha luta eterna”

Desde sua época de colégio, Luna Zarattini, ex-aluna da USP eleita vereadora de São Paulo como suplente, procura honrar o legado de sua família, composta de militantes que combateram a ditadura militar. Nos seus tempos de escola, participou do grêmio estudantil para reivindicar melhorias para os alunos e um ano antes de ingressar na Universidade filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT), partido que seu avô, Ricardo Zarattini, ajudou a construir. 

Luna cursou Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e, no decorrer de sua graduação, atuou ativamente para reafirmar seus valores políticos herdados de berço. A luta por memória e verdade nos processos de resgate das violações provocadas no período militar se manifestou quando ela participou do Centro Acadêmico de Ciências Sociais — Ísis Dias de Oliveira, uma estudante de Ciências Políticas e militante da Ação Libertadora Nacional durante a ditadura, foi a figura escolhida por Luna e seus companheiros de gestão para nomear e representar a entidade.

Luna no Cursinho Popular Elza Soares - Foto: Reprodução/Instagram

 Antes de se tornar uma das mais jovens políticas do País, a vereadora se firmou como cientista e educadora. Ela conta que sua vivência na USP a estimulou na luta pela educação pública, que hoje se materializa por meio do trabalho no Cursinho Popular Elza Soares, que ajudou a fundar. “Precisamos trazer os jovens da periferia para o vestibular. É a minha luta eterna, e também uma retribuição à sociedade pela Universidade de São Paulo, uma universidade pública”, diz. 

Luna durante atividade estudantil na calourada da USP
em 2020 - Foto: Reprodução/Instagram

A partir da atuação no cursinho, decidiu lançar sua candidatura a vereadora em 2020, quando tinha 27 anos. A realidade social dos jovens estudantes que tentavam entrar na universidade escancarava para ela a desigualdade do País, o que a fez pensar: “Por que não ocupar um espaço na Câmara de Vereadores?”. E assim iniciou a campanha, durante a pandemia de covid-19, organizando ações de solidariedade com outros estudantes da Universidade, distribuindo máscaras, materiais de higiene e cestas básicas, conforme mostrou uma reportagem do Jornal da USP. Foi a segunda mulher do PT mais votada em São Paulo, com 17.300 votos, mas ficou na quarta suplência. Com a eleição de cinco candidatos do partido nas eleições de 2022, conseguiu uma vaga na cadeira de vereadora, que vai ocupar agora em março. 

Segundo Luna, essa compreensão crítica que possui do cenário brasileiro foi também adquirida no curso de graduação: “As Ciências Sociais são uma grande abertura para entendermos estruturalmente e historicamente a construção do nosso país, entender que a fundação do Brasil foi a partir da violência, da escravização de pessoas”. Ela cita os professores André Singer, Heloisa Buarque e Ana Paula Hey como marcantes em sua trajetória, mas diz carregar consigo todos os docentes na atual carreira política. 

Com o espírito de questionamento e reflexão crítica que afirma ter obtido na Universidade, Luna é uma das mais jovens mulheres a assumir um cargo na Câmara Municipal de São Paulo. Ela batalha para tentar mudar a cara da política brasileira, que define como “um espaço muito masculinizado, com homens brancos, héteros e mais velhos”. A organização política é, para a vereadora, o caminho para alcançar mudanças estruturantes que revertam esse cenário. 

Letícia Chagas

“Para nós, a política não é sobre ganhar o parlamento, é sobre transformar o mundo”

A primeira presidente negra do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito (FD) da USP, se tornou uma das mais jovens codeputadas estaduais eleitas em 2022. Letícia Chagas, de 22 anos, construiu sua candidatura enquanto finalizava a graduação — inclusive, adiou a entrega do seu Trabalho de Conclusão de Curso para organizar a campanha em que saiu vitoriosa. A estudante é a representante da juventude negra e periférica do mandato coletivo que participa, o Movimento Pretas, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). 

Letícia também é pioneira em outros âmbitos de sua trajetória. Nascida e criada na periferia de Campinas, filha de empregada doméstica e caminhoneiro, foi a primeira da família a integrar organizações políticas. O interesse pela militância surgiu em seu último ano do Ensino Fundamental, quando participou de reivindicações contra a terceirização da gestão escolar do colégio municipal onde estudava. Após atuar no movimento secundarista durante seus anos na escola, continuou a trilhar sua trajetória política assim que ingressou na USP, como parte da primeira turma de cotistas raciais da Universidade. 

Letícia no Centro Acadêmico XI de Agosto - Foto: Reprodução/Instagram

A chapa da qual Letícia fazia parte, Travessia, composta com alunos cotistas, transformou o tradicional cenário do Centro Acadêmico XI de Agosto, um dos mais antigos do País e historicamente presidido por homens brancos. “Mostramos que pessoas negras não iam se contentar só em entrar na universidade. Nós queremos ocupar a política, queremos ditar os rumos da universidade”, afirma. Esse momento da sua vida foi decisivo para a construção da sua atual vida profissional: ela conta que, a partir dessa experiência, aprendeu a fazer uma campanha e a disputar eleições. “O XI de Agosto mudou os rumos da minha graduação. Antes disso, não queria seguir carreira política”, relata.   

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Letícia em cerimônia estudantil - Foto: Reprodução/Instagram

Mas para a nova deputada e suas seis companheiras de mandato, eleitas com 106 mil votos, a política institucional não é a principal forma de promover mudanças concretas na sociedade brasileira. Letícia explica que, na sua concepção, a eleição é um instrumento que oferece recursos humanos e financeiros para construir lutas, porém, a efetividade da política está no trabalho com as bases sociais. “Para nós, a política não é sobre ganhar o parlamento, é sobre transformar o mundo. O objetivo da eleição é dar continuidade, mas com mais qualidade, a um trabalho que nós já fazemos”, aponta. 

Como uma estudante da USP recém-formada, Letícia pretende levar para a Assembleia Legislativa de São Paulo as pautas relacionadas à Universidade. Ela vê o mandato como um canal para representar as lutas dos estudantes, e assim manter diálogo com a reitoria e o movimento estudantil. Sua chegada à cadeira de deputada nada contra a corrente da política brasileira tradicional: “A questão da juventude ocupar a política é uma pauta muito importante. Geralmente, nós achamos que a política é lugar de gente velha, porque é o que nós vemos nos parlamentos”.

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As Pretas, mandato coletivo eleito em 2022 - Foto: Reprodução/Instagram

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Luna Zarattini
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A vereadora ainda não tem os contatos divulgados porque vai assumir no dia 14 de março na Assembleia Legislativa de São Paulo


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