Acadêmicas e juristas de diversos países do mundo estão atuando em uma rede colaborativa e reescrevendo decisões judiciais a partir de olhar feminista. Trata-se da iniciativa global Projetos de Julgamentos Feministas que integra a USP e outras 60 instituições brasileiras.
A ação no Brasil da rede Reescrevendo Decisões Judiciais em Perspectivas Feministas começou no início de setembro deste ano a partir de um workshop promovido pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. Segundo a professora da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, Fabiana Severi, responsável por implementar o projeto na Universidade, a reescrita de decisões judiciais, de acordo com abordagens feministas, quer demonstrar a existência de outras formas de pensar os casos judiciais sob o ponto de vista das mulheres e outros grupos marginalizados.
A ideia, adianta a professora da USP, não é romper com as decisões originais e sim “considerar as decisões históricas, verificando se alguma coisa naquela decisão poderia ser diferente ao aplicarmos uma lente de gênero ou as abordagens metodológicas feministas”, esclarece. A preocupação das feministas é tornar as decisões judiciais mais sensíveis aos interesses de mulheres e outros grupos marginalizados, uma vez que, em muitos casos, os sistemas de justiça produzem resoluções “prejudiciais à garantia dos direitos das mulheres”, usando estereótipos, afirma Fabiana.
A professora enfatiza que não se trata de avaliar a correção dos julgamentos e questionar as condições que geraram a decisão original, mas refletir se diferentes resultados e argumentos são possíveis, dentro dos limites legais, e se as resoluções de casos podem ser diferentes conforme as interpretações dos juízes.
Assim, continua Fabiana, as experiências que realizam consideram as questões históricas, o contexto e o perfil do tribunal em que a decisão original foi escrita, analisando se “é possível uma reescrita com uma abordagem feminista também ser aceita. E, sendo aceita, que mudanças traria para o caso original”.
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Julgamentos feministas no Brasil
O desenvolvimento do projeto no País acontece tanto como exercício pedagógico (em aulas teóricas e práticas de direito nas universidades) quanto para introduzir e intensificar a circulação “dessa linha teórica que é pouco abordada ainda nos cursos de direito”, conta a professora. É que, segundo Fabiana, “esse conteúdo, até hoje, apesar de ser relativamente vigoroso, é pouco conhecido ainda se considerar os quase 3 mil cursos de direito no país”.
E o esforço da rede colaborativa de feministas quer superar os conteúdos das disciplinas das aulas de direito – impacto primeiro do projeto – e ganhar ambientes jurídicos fora das universidades. Fabiana acredita que a adoção dessa perspectiva de gênero feminista deve acabar por “problematizar a forma como o judiciário brasileiro, e de vários outros países do mundo, tem tradicionalmente legitimado as suas decisões”, já que, às vezes, existem várias decisões possíveis para um determinado caso. “E essas várias decisões possíveis têm a ver não só com a resposta que está dada pela lei, mas, sim, pelo perfil da pessoa que está analisando e construindo a decisão”, afirma.
O projeto conta com uma rede de mais de 60 participantes de instituições públicas e privadas de todas as regiões do Brasil e deve durar até agosto de 2022, com workshops e atividades formativas para o compartilhamento de resultados, além de favorecer o debate crítico e produzir impactos para além das universidades.
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