Praça da Sé, um dos focos do estudo sobre as transformações do centro de São Paulo - Foto: Acervo do Arquigrafia

Estudo vai usar a plataforma Arquigrafia para analisar transformações no centro histórico de São Paulo

O estudo pretende utilizar imagens da plataforma de imagens urbanas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP para comparar as mudanças ocorridas ao longo do tempo e propor diretrizes para restaurações e revitalizações

 25/04/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 20/07/2023 as 16:10

Ulysses Varela*

Você já parou para pensar como será sua cidade daqui a 30, 50 ou 100 anos? Que transformações ela sofrerá? E de que forma as transformações irão afetar o ambiente atual como você o conhece hoje? Todos estes questionamentos estão presentes em uma pesquisa em andamento junto ao projeto temático Fapesp Experiência Arquigrafia 4.0, sediado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. 

O estudo pretende desenvolver um método original de análise sobre as transformações urbanas ocorridas na região central da cidade de São Paulo baseado na coleção de imagens fotográficas da plataforma colaborativa de imagens de arquiteturas e espaços urbanos, Arquigrafia.

O projeto de pesquisa, que terá duração inicial de 12 meses, será desenvolvido pelo pesquisador visitante Fapesp da Universidade de Herat, Afeganistão, Sayed Abdul Basir Samimi (pesquisador colaborador na FAU) e prevê o desenvolvimento de estratégias de conservação, revitalização, além de propostas de retorno à existência de características valiosas perdidas dos patrimônios culturais tangíveis e intangíveis dentro de tecidos urbanos históricos. 

Para o coordenador do projeto Arquigrafia, professor Artur Rozestraten, os estudos das transformações urbanas nas cidades, nos seus centros históricos e, neste caso, na cidade de São Paulo, são fundamentais para que se possa perceber as mudanças na longa duração ou as várias formas que a cidade foi tomando ao longo do tempo.

Palestra do professor Sayed Samimi na USP - Foto: Projeto Arquigrafia

“Este esforço coletivo por meio de uma pesquisa pode contribuir significativamente para que nós tenhamos um conjunto bastante abrangente e completo de imagens a respeito da configuração atual do centro de São Paulo. Tomando como referência a configuração atual é possível tanto analisar comparativamente outras configurações ao longo do tempo passado, quanto realizar algumas projeções das transformações que estão em curso agora e para o futuro”, explica Artur Rozestraten. 

A chegada do professor Sayed Samimi, como bolsista Fapesp, traz para a USP não apenas a sua trajetória acadêmica com vivências no Irã, na Itália, no Japão e em seu país de origem, o Afeganistão, onde ele atuava como docente na Universidade de Herat, mas também acrescenta sua ampla experiência profissional dedicada às questões patrimoniais, suas interações com a Unesco e suas práticas concentradas sobre a questão das imagens de arquitetura e de espaços urbanos na internet, unindo os recursos tecnológicos e o mapeamento de arquiteturas e edifícios que tenham valor como patrimônio. 

Sayed Samimi acredita que utilizar a plataforma Arquigrafia como ferramenta de pesquisa para a conservação do patrimônio cultural em São Paulo será uma excelente oportunidade de aprimoramento metodológico e interpretativo. “O Arquigrafia é uma plataforma digital que facilita a partilha e preservação da fotografia arquitetônica e urbana, disponibilizando recursos valiosos para a minha investigação. A utilização de ferramentas digitais, como a plataforma Arquigrafia, pode auxiliar os investigadores no acesso e análise de grandes quantidades de dados de forma eficiente e eficaz. Estou confiante de que a utilização do Arquigrafia será uma experiência positiva e fornecerá insights significativos sobre o campo da conservação do patrimônio cultural”, adiantou o pesquisador.

Para a professora associada da FAU, de História da Arquitetura e do projeto Arquigrafia, Beatriz Bueno, o maior inimigo da preservação é o descaso e o ideal de progresso sempre parte da ideia de que o novo é melhor. Mas a modernidade aliada a heranças, memórias, pertencimentos desperta um sentimento de zeladoria compartilhada, sendo a chave para uma preservação efetiva, onde todos se sentem convocados a conservar o que de fato lhes pertence – a rua, a arquitetura, a cidade, a paisagem. 

“A proposta de pesquisa do professor Sayed Samimi permitirá conhecer o estado atual do patrimônio remanescente da colina histórica e orientar políticas públicas para sua salvaguarda. A plataforma Arquigrafia, neste caso, dá a ver o que de outra forma não se vê e permite formular novas hipóteses e perguntas para velhos temas, propondo iniciativas de intervenção amparadas em inventários de conjunto”, explica a professora.

Beatriz Bueno, professora associada da FAU - Foto: Arquivo pessoal

Antes e depois

Na prática, serão realizadas comparações fotográficas entre o antes e o depois dos locais urbanos escolhidos a partir de mais de 2 mil imagens (principalmente das décadas de 1950 a 1990) disponíveis on-line no Arquigrafia, situadas sobre uma base cartográfica. O material será comparado às imagens atuais obtidas a partir de visitas aos locais, de modo que os dados sejam analisados por meio da categorização das mudanças físicas relacionadas à identidade cultural e ao significado histórico destes locais históricos, sendo confirmados por meio de questionários propostos aos usuários da plataforma do Arquigrafia.

O pesquisador visitante responsável pela pesquisa destaca que, usando imagens atualizadas e comparando-as com imagens e mapas históricos, será possível identificar alterações e avaliar o nível de preservação desses locais. Samimi explica ainda que a análise destas variáveis ajudará a orientar recomendações e diretrizes para políticas públicas de preservação e conservação dos locais analisados, levando em consideração o seu significado histórico e cultural.

“O método está atualmente em desenvolvimento, mas as principais etapas serão as seguintes: primeiro realizar um estudo da situação atual, fornecendo e usando imagens reais; em seguida, identificar as variáveis mais importantes que podem ser extraídas de levantamentos visuais; na sequência vamos comparar essas variáveis com imagens históricas e mapas dos locais analisados; e, por fim, tecer recomendações e diretrizes para a proteção e preservação dos locais históricos”, adianta Sayed Samimi.

A ideia é que ao final do estudo sejam fornecidas recomendações para possíveis revitalizações e o retorno de características e elementos históricos considerados importantes para a integridade e autenticidade comum aos locais históricos que foram perdidas durante as reformas e revitalizações sofridas recentemente na era da transformação.

Foto do acervo Arquigrafia do centro de São Paulo - Foto: Arquigrafia

O professor Artur Rozestraten destaca a relevância do apoio da Fapesp em receber pesquisadores visitantes, como é o caso do professor Samimi, assim como a iniciativa de acolher pesquisadores em risco. “De forma geral, estas iniciativas são fundamentais, pois estão alinhadas a uma tradição acadêmica brasileira de abrir espaço para acolher estrangeiros que estão em situação de risco ou que de alguma forma não têm condição de conduzir ou levar adiante suas atividades acadêmicas nos países de origem. A Fapesp e a USP amparam esses pesquisadores, para que eles possam permanecer no Brasil criando laços de cooperação com a comunidade científica brasileira numa constante troca de conhecimentos e enriquecimento mútuo”, finaliza. 

Por que o centro histórico de São Paulo?

Com uma das populações metropolitanas que mais crescem no mundo, São Paulo é a maior cidade do Hemisfério Sul. Como outras cidades latino-americanas, seus estágios de desenvolvimento no centro da cidade podem ser categorizados como: crescimento (até 1950), modernização (1950-1980) e renovação (após 1980). 

Atualmente, a cidade se transforma mais rápido do que em qualquer outro momento e a pressão por transformação afeta a conservação dos patrimônios culturais, assim como sua integridade urbana. Muitas imagens e mapas históricos, do final do século 20 e início do século 21, ainda não digitalizados ou em baixa resolução, criam lacunas nas pesquisas. Digitalizar as fotografias e colocá-las em acesso aberto na plataforma on-line Arquigrafia proporcionou uma oportunidade para estudar as transformações urbanas a partir de coleções digitais coletivas, sob perspetivas diferentes e complementares. 

A partir desta pesquisa espera-se a ampliação do conhecimento sobre o patrimônio arquitetônico durante os períodos recentes de modernização, renovação e transformação, visando à revitalização e à conservação do Centro de São Paulo no entorno da Praça da Sé.

A área exata estudada será o triângulo histórico de São Paulo, com um diâmetro de 500 m em torno deste centro histórico, o que compreenderá uma área total de 2,54 km². Uma região com várias camadas de história sobrepostas e inúmeros conflitos sociais, ambientais e econômicos. A velocidade e a profundidade das transformações em curso poderão afetar de modo irreversível o estado de conservação do patrimônio arquitetônico e cultural que constitui o núcleo central da cidade de São Paulo.

Mapa da área de estudo - Região central do centro histórico de São Paulo (em rosa) e área amortecedora impactada (em amarelo) - Fonte: Samimi baseado em OSM

O pesquisador Sayed Samimi explica que este estudo será apresentado como um material educativo para a sociedade. Ele mostrará e enfatizará a importância das heranças culturais vivas do núcleo histórico do centro de São Paulo e como ele se transformou durante os anos. A partir daí a sociedade poderá ter uma visão para o futuro da região estudada e da sua importância como um centro de atração turística. “Será esta visão que apresentaremos às autoridades municipais, juntamente com propostas para fornecer incentivos para que os próprios moradores locais dessa região tenham esta visão sobre a preservação e manutenção destes locais”, conclui.

Quem é Sayed Abdul Basir Samimi

Sayed Samimi é engenheiro civil pela Herat University (2010), no Afeganistão, onde atuou como professor efetivo entre 2014 e 2019. Mestre em Análise e Planejamento Urbano e Territorial pela Università degli Studi di Firenze, Itália (2013), Samimi é doutor em Engenharia (Interdisciplinary Intelligent Systems Engineering) pela University of the Ryukyus, Okinawa, Japão (2018). O pesquisador tem pós-doutorado nesta mesma universidade japonesa na área de Engenharia (Interdisciplinary Intelligent Systems Engineering). 

Samimi foi professor visitante no Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – Capes/Print. Possui experiência nas áreas de Gerenciamento de Projetos, Conservação de Patrimônios Históricos e Culturais, Transformação Urbana, Análise de Tráfego e Transporte e Planejamento Urbano e Territorial. Possui competências para o uso dos softwares de gerenciamento Microsoft Project, Primavera P6, e de análise e design SPSS, Civil 3D, ArchGIS, SAB, Etabs, CAD e é membro do Instituto de Arquitetura do Japão (AIJ) e do Grupo de Pesquisas em Sistemas Configuracionais Urbanos – SCU- Propur/UFRGS.

A experiência de viver e estudar em diferentes países, particularmente no Afeganistão, Itália, Japão e Brasil, proporcionou uma perspectiva única sobre a mudança urbana em diferentes partes do mundo. O pesquisador acredita que cada país tem seu próprio contexto social, cultural, econômico e político que influencia a forma como as transformações urbanas ocorrem e como elas afetam a sociedade. Um de seus trabalhos mais relevantes foi feito sobre as transformações da cidade histórica de Herat, no Afeganistão, onde observou em primeira mão o impacto da guerra, da instabilidade política e dos esforços de preservação cultural no desenvolvimento urbano.

Sayed Samimi - Foto: Arquivo pessoal

Enquanto pesquisador visitante da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, pretende explorar essas questões em profundidade e se envolver com acadêmicos, comunidades locais, formuladores de políticas e partes interessadas para entender suas perspectivas sobre a mudança urbana e a preservação do patrimônio cultural. Sua formação em engenharia civil, análise e gestão urbana e planejamento urbano me fornecerão as ferramentas e habilidades necessárias para abordar questões complexas a partir de uma perspectiva interdisciplinar.

“Em São Paulo, como nos centros urbanos em rápido crescimento, as transformações urbanas podem ter impactos positivos e negativos na sociedade. Por um lado, o desenvolvimento urbano pode abrir novas oportunidades econômicas, melhorar as infraestruturas e os serviços públicos e reforçar o tecido cultural e social da cidade. Por outro lado, também pode levar ao deslocamento, à desigualdade social, à degradação ambiental e à perda do patrimônio cultural”, afirma Samimi. 

Com informações extraídas do Currículo Lattes

Sobre o projeto Arquigrafia e como participar

Iniciado em 2009, hoje o projeto desenvolve sua Experiência Arquigrafia 4.0 com apoio financeiro da Fapesp na condição de projeto temático até 2027. Atualmente voltado para a ampliação e consolidação da plataforma colaborativa na Web, o projeto lida com questões críticas sobre a internet atual e o horizonte de desenvolvimento do que se entende como potencial 4.0, investindo em possibilidades de enriquecimento mútuo entre a experiência sensível cotidiana e a construção, organização, representação e recuperação de conhecimentos sobre as cidades no presente, na memória e no desejo projetual para o amanhã. 

Contando com uma equipe multidisciplinar de pesquisadores da FAU, ECA, IME, IP, ICMC-São Carlos e Ufscar, dedicados à investigação das condições contemporâneas de constituição de ambientes colaborativos autônomos na Web, o estágio atual do projeto estuda experimentalmente a “desconstrução” e a apropriação contra-hegemônica de elementos e estruturas funcionais disponíveis on-line tais como redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter, Youtube e outras), freeware, open source softwar e hyperlinks para resultar em protótipos experimentais concretos e consistentes para uma autonomia crítica na Web 4.0.

A plataforma colaborativa do Arquigrafia é aberta tanto aos profissionais de arquitetura quanto ao público interessado em fotografia e registros de prédios, monumentos e espaços urbanos. Para colaborar com o projeto basta acessar a Plataforma Arquigrafia, fazer um cadastro e inserir as imagens, que ficarão disponíveis para acesso em qualquer lugar do mundo e que podem contribuir para pesquisas como esta que será realizada no centro histórico de São Paulo.

Passo a passo:

Passo 1: Acesse

Passo 2: Clique em criar nova conta ou fazer login

Passo 3: Preencha os campos

Passo 4: faça upload da imagem e preencha os campos informativos

Passo 5 - Após enviar a foto a mesma já estará disponível para consulta na plataforma.

* Por Ulysses Varela – Jornalista bolsista JC-3 Fapesp junto ao projeto Experiência Arquigrafia 4.0


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