Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Arte e ciência: exposição na USP explora os segredos da anatomia humana

Organizada por Carolina Lixandrão, estudante de Artes Visuais da Escola de Comunicações e Artes da USP, exposição De Humani Corporis Fabrica, no Museu de Anatomia Humana, mostra a beleza e função do corpo humano

 30/10/2023 - Publicado há 6 meses     Atualizado: 05/12/2023 as 11:04

Denis Pacheco

Ainda que estejamos habituados a pensar em mistérios como questões de universos distantes a serem respondidas, muitos segredos que envolvem a humanidade emergem de nossos próprios corpos. 

Desde a antiguidade clássica no Ocidente, atravessando o Renascimento na Europa e alcançando os dias atuais, estudiosos da anatomia persistem na busca por desvendar a função e a beleza das partes do corpo humano. Carolina Lixandrão, estudante de Artes Visuais na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, encontrou inspiração nessa junção de ciência e arte ao conceber a exposição fotográfica De Humani Corporis Fabrica.

Em exibição desde o dia 16 de outubro no Museu de Anatomia Humana Alfonso Bovero (MAH) do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, na Cidade Universitária, em São Paulo, a exposição apresenta imagens do vasto acervo do museu, contendo muitas peças preservadas há mais de 70 anos.

Segundo Carolina, a exposição está relacionada à obra homônima do “pai da Anatomia Moderna”, o belga Andreas Vesalius, uma coleção de livros repletos de ilustrações anatômicas lançada em 1543. Seu objetivo é preservar a tradição da representação de elementos anatômicos, abrangendo desde a arte do desenho e da gravura até a tecnologia da fotografia.

A estudante encontrou inspiração e propósito na anatomia humana quando teve a oportunidade de trabalhar no museu. A anatomia se tornou o ponto de partida para suas explorações, e ela logo percebeu a riqueza de detalhes e expressão que a área oferece. Em sua opinião, “a anatomia é uma forma de arte em si”.

Carolina Lixandrão, estudante de Artes Visuais na USP e autora da exposição - Foto: Arquivo pessoal

Durante sua trajetória acadêmica, ao entrar em contato com o livro belga, Lixandrão ficou impressionada com as representações humanas. Ao atuar como monitora do Programa Unificado de Bolsas (PUB) no museu, ela uniu sua curiosidade artística com a proposta educativa do espaço: “A proposta do museu é, conforme eu entendo, que, através das peças, você adquire conhecimento e tem uma experiência estética”.

Exposição De Humani Corporis Fabrica traz seleção de imagens que buscam a representação interna do corpo humano que muitas vezes é ignorada ou evitada na sociedade - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Com um acervo que inclui mais de 300 peças humanas, de órgãos preservados a partes do esqueleto e até fetos humanos inteiros, o Museu de Anatomia proporciona a visitantes, pesquisadores e artistas uma rara jornada interna. “Essas imagens internas estão presentes em todos nós, mas raramente as compreendemos completamente”, comenta a artista visual.

Fotos em preto e branco e materiais selecionados fazem as pessoas refletirem sobre seus próprios corpos - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Na opinião dela, o trabalho foi fundamental para seu desenvolvimento como fotógrafa e serviu de pontapé para a realização de seu trabalho final na graduação. A seleção de imagens foi inspirada pelo fotógrafo americano Joel Peter Witkin, que explora a anatomia de maneira semelhante.

Por meio da exposição, localizada na Sala Didática do museu, a estudante convida os espectadores a percorrer um pequeno caminho sinuoso e a se deparar com fotos em preto e branco, iluminadas com cuidado especial. A ideia é questionar o que não entendemos sobre nós mesmos e indagar como essa representação interna do corpo humano muitas vezes é ignorada ou evitada na sociedade.

Coleção de valor inestimável

A exposição foi viabilizada por meio do 8º Edital Santander/USP/Fusp de Fomento às Iniciativas de Cultura e Extensão, promovido pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão (PRCEU) da USP.

A seleção das peças e a montagem da mostra contaram com o auxílio e a orientação de Nilson Silva Souza, responsável técnico pelo acervo do museu. Além de acompanhar de perto as visitas de escolas e de especialistas ao espaço, ele também inspira monitores como Carolina.

“Carolina não pertencia à área de saúde. Mas após uma aula prática no museu, ela se encantou com a figura humana e desenvolveu suas habilidades artísticas”, afirma Souza. De acordo com ela, Souza, que é profundo conhecedor do acervo, a ajudou na seleção das melhores peças para a exibição.

De Humani Corporis Fabrica, escrito por Andreas Vesalius em 1543, é uma obra de anatomia humana que é considerada um dos tratados científicos mais influentes da história. Além de seu conteúdo anatômico inovador, o livro se destaca por suas notáveis ilustrações, que são aclamadas como algumas das xilogravuras mais perfeitas já produzidas. Vesalius desafiou as teorias aceitas anteriormente sobre a anatomia humana, refutando as ideias de Galeno, com base em seu trabalho de dissecação de cadáveres na Universidade de Pádua. Ele investiu significativamente na qualidade da impressão, contratando artistas como Jan Stephan van Calcar, discípulo de Tiziano, para criar as gravuras. O resultado é uma obra-prima renascentista, repleta de ilustrações detalhadas e texto informativo, representando o auge da produção de livros da época.

Joel-Peter Witkin, nascido em 13 de setembro de 1939 e residente em Albuquerque, Novo México, nos EUA, é um fotógrafo americano conhecido por seu trabalho que explora temas como a morte e a anatomia humana, muitas vezes incorporando modelos de diversas características físicas, incluindo pessoas com nanismo, pessoas trans e intersexuais. Seu estilo artístico frequentemente evoca imagens religiosas ou pinturas clássicas.

Quando o Jornal da USP visitou a mostra, o responsável técnico não apenas acompanhava em tempo real a visita de estudantes do oitavo ano de uma escola em Itupeva, no interior de São Paulo, como também auxiliava um pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) a navegar pelos diversos armários de crânios, cerca de 450 peças catalogadas e numeradas.

Fotos da exposição De Humani Corporis Fabrica no Museu de Anatomia Humana da USP - Foto: Carolina Lixandrão

Para Sérgio Francisco Serafim Monteiro da Silva, docente do Departamento de Arqueologia da UFPE, tanto o acervo do museu quanto a exposição organizada pela estudante têm um “valor inestimável”.

Ele, que além de ser formado em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, conduz pesquisas especializadas em osteoarqueologia (uma disciplina que se dedica ao estudo científico de esqueletos e vestígios ósseos encontrados em sítios arqueológicos), destaca a importância da coleção representada ali: “A coleção é uma referência nacional e um tesouro que tem sido desenvolvido ao longo de muitos anos”.

O acervo completo abriga representantes da população de São Paulo desde a década de 1930, tornando-se um “recurso espetacular para estudos e pesquisas nas áreas de anatomia”, comenta o docente.

Nilson Silva Souza, responsável técnico do museu, e o pesquisador Sérgio Francisco Serafim Monteiro da Silva, da UFPE - Fotos: Marcos Santos/USP Imagens

Por fim, Carolina expressa a esperança de que a exposição incentive as pessoas a refletirem mais profundamente sobre seus próprios corpos e a se envolverem mais com o Museu de Anatomia Humana.

Por meio das fotos, a artista reforça a natureza multidisciplinar do museu, que une conhecimento, história e arte. Para ela, o trabalho, como uma atividade de extensão cultural da Universidade, nasceu para demonstrar como todas essas disciplinas se complementam e fazem sentido juntas.

Museu de Anatomia Humana da USP - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Serviço:

O MAH fica localizado no prédio do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, o ICB III, na Avenida Prof. Lineu Prestes, 2415 – Butantã, São Paulo

A exposição é gratuita e estará disponível até o dia 21 de dezembro. As visitações estarão abertas de terça a sexta-feira, das 13h às 16h

Siga no Instagram: https://www.instagram.com/mah.usp. Site: https://mah.icb.usp.br

Museu de Anatomia da USP: O MAH iniciou suas atividades em 1914 com metade de um esqueleto desarticulado e uma pequena coleção de peças humanas para fins educacionais. Ao longo dos anos, o professor Alfonso Bovero expandiu o acervo com peças anatômicas preparadas de várias maneiras. Em 1997, o museu foi transferido para a Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira e, desde 1999, está localizado no ICB III. O MAH não apenas abriga peças anatômicas, mas também uma coleção de crânios utilizados em pesquisas de antropologia, odontologia e medicina forense.


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