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Eles são alunos e professores voluntários da USP, em São Paulo. Utilizam o conhecimento adquirido na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) para realizar exames laboratoriais e orientar profissionais da saúde e a população sobre doenças e uso correto de medicamentos, principalmente para crianças e idosos.
O foco da Jornada Científica são cidades com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e com demanda de serviços de saúde. O projeto funciona da seguinte forma: após a seleção do município, uma proposta de ação é apresentada ao prefeito e ao secretário de saúde local para avaliação.
Se aprovada, a jornada é realizada na cidade durante quatro anos, sempre durante o mês de janeiro, durante três semanas. Em contrapartida, a administração municipal oferece alojamento.
Atualmente, o projeto ocorre na cidade de Fernão, no interior de São Paulo. Os 45 voluntários e nove coordenadores da USP estiveram no município em janeiro e devem retornar em 2020.
Eles foram divididos em dois grupos: um de trabalho de campo e outro de análises clínicas. Os atendimentos domiciliares ocorreram a partir do cadastro da prefeitura em locais onde há crianças, na faixa etária dos três aos nove anos, e pessoas com mais 60 anos.
Eles foram atendidos por duplas que realizam exames de sangue, fezes e urina, além de glicemia, pressão arterial e colesterol. Com os resultados em mãos, os estudantes fazem orientações sobre possíveis doenças ou parasitas detectados, uso correto de medicamentos e análise da qualidade da água na cidade.
Outra parte do trabalho dos voluntários envolve a multiplicação de conhecimento. Eles acompanham o trabalho de agentes comunitários de saúde e fornecem capacitação. Crianças, adolescentes e idosos também participam de gincanas, teatros, oficinas e palestras com informações de saúde.
“A jornada funciona como um beliscão importante para tirar uma cortina sobre a realidade que a gente convive e não percebe”, relata João Victor Cabral, doutorando em Bioquímica e participante da Jornada Científica.
A história que mais o marcou participando do projeto ocorreu em seu primeiro ano, em 2010. Ele e sua dupla foram fazer um trabalho de orientação com uma criança na zona rural de Córrego Fundo, em Minas Gerais. Durante suas explicações, a irmã de 17 anos observava-os atentamente. “Depois, ela escreveu uma cartinha falando o quanto nosso trabalho foi inspirador. Ela disse que se matricularia em um curso técnico de farmácia na cidade vizinha, mesmo que o tempo de viagem fosse longo e que a estrutura familiar tivesse que ser alterada.”
O sentimento de dever social também motiva a estudante do último ano do curso de Farmácia e Bioquímica da USP, Laís Moreira. “Precisamos retribuir o conhecimento à população, não só pelo fato de estarmos em uma universidade pública, mas também por sermos profissionais de saúde”, afirma.
Ela participa de sua terceira jornada, agora, como coordenadora geral do projeto. Antes, foi voluntária e coordenadora de campanha. A atenção e memória das crianças são as situações que mais a impressionaram. “Era uma atividade voltada para quebra de preconceito: a mulher fazia trabalhos manuais e o homem, a comida. Quando abrimos para manifestações, a primeira coisa que uma das crianças falou foi ‘ele não lavou a mão’. Isso me marcou muito, se você faz alguma coisa errada eles falam.”
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Como ser voluntário?
Para fazer parte, o aluno deve participar de um programa de preparação, em que são ministradas aulas práticas e teóricas sobre o tema. “Eles passam de junho a dezembro por capacitação e treinamento”, explica Primavera Borelli, professora do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas e coordenadora do projeto.
Ao final, são realizadas avaliações que selecionam os alunos, que precisam ter média maior que sete para serem aprovados. No ano passado, a Jornada Científica contou com 200 inscrições. Para mais informações sobre como participar, acesse o site do projeto.
A USP participa como apoiadora, disponibilizando salas e laboratórios para a preparação do alunos, materiais para serem utilizados no período das atividades de campo e transporte. A Jornada Científica é apoiada pelo Projeto Santander e pelo Projeto Aprender na Comunidade, da Pró-Reitoria de Graduação (PRG) da USP.
A ação surgiu em 1964, com a proposta de pesquisar uma epidemia de esquistossomose mansônica no litoral sul de São Paulo. “Esse projeto continuou nos quatro anos seguintes. Depois ele foi caminhando para outras cidades, não com o mesmo propósito, mas com o de fazer atendimentos à população na área de educação em saúde”, conta Primavera.
A jornada ocorreu até os anos 1980, quando foi paralisada, e retornou em 2002 com a coordenação da professora. “Participar e ajudar a Jornada Científica é uma das melhores coisas que fiz aqui na faculdade”, conta Primavera.
Desde esse retorno, foram mais de 12 mil atendimentos e 15 mil exames. Sobre o projeto, o doutorando João Victor lembra que “é um trabalho humanitário, mas ressaltamos que não fazemos caridade, e sim responsabilidade social.”