Nos Estados Unidos, nova determinação da Food and Drug Administration (FDA) estabelece que homens gays e bissexuais não são mais proibidos de doar sangue. Durante décadas, eles não podiam ser doadores devido à crença de que havia risco de contaminação do banco de sangue com o vírus do HIV. A FDA diz que a nova política reflete evidências científicas mais recentes.
“Para o HIV especificamente, essa proibição para homens gays e bissexuais, que remonta à década de 1980, passou a valer a partir do momento que entendeu-se naquela epidemia, que estava no seu início, que os casos se concentravam na população de homens gays e bissexuais. Então, a primeira coisa que eles fizeram, uma vez que não sabiam nem que era vírus, que era bactéria, eles proibiram a doação de sangue por homens gays e bissexuais tentando proteger aquelas pessoas que iam receber essas bolsas”, explica Ricardo Vasconcelos, infectologista, pesquisador e coordenador do estudo Mosaico sobre Vacina contra HIV no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Doação de sangue e HIV no Brasil
Vasconcelos defende que existem formas mais eficazes do que a proibição, que podem garantir mais doadores para os bancos de sangue: “A possibilidade que ainda existe de transmissão é apenas de uma pessoa que acabou de se infectar por HIV e doou sangue naquele período em que os testes não conseguem ainda identificar que existe ali o vírus. Mas esse período é tão curto quanto uma semana, dez dias. Então, muito mais eficiente do que separar aquelas bolsas que não devem ser testadas, é entender qual é a vulnerabilidade que aquela pessoa tem na sua vida e se naqueles sete ou dez dias anteriores houve ou não risco de a pessoa ter se infectado”.
No Brasil, durante a década de 1980, a proibição ligada às relações homossexuais também acontecia, mas, hoje em dia, o cenário é diferente: “Os caminhos desses avanços aqui no Brasil são outros. A gente foi por via judicial, em 2020 teve um julgamento do STF que considerou inconstitucional a restrição na doação de sangue apenas embasada na orientação sexual de um indivíduo. Depois disso, essa decisão do STF forçou a Anvisa a rever os seus critérios de doadores em banco de sangue e a gente, em junho de 2022, tem uma atualização, que fica bem mais parecida com aquela dos Estados Unidos de agora”, diz Vasconcelos.
O professor menciona também que, no Brasil, há diversos critérios para definir a viabilidade da doação de sangue: “[Há inaptidão temporária para] a pessoa que começou um relacionamento sexual novo ou que teve múltiplas parcerias sexuais nos últimos meses e a gente tem uma inaptidão temporária de 12 meses para doação de qualquer pessoa que tenha feito relação sexual com mais de uma pessoa simultaneamente. Você vê que são critérios bem mais rebuscados, bem mais refinados e não cortam uma parte da sociedade simplesmente porque ela tem relações com uma pessoa do mesmo sexo”.
Mudança emergencial
Durante a pandemia da covid-19, aumentou-se a necessidade de mais doadores para os bancos de sangue e então foram diminuídas as restrições para doação de sangue por homens gays e bissexuais: “[A restrição total] em 2015, lá nos Estados Unidos, sofreu uma mudança e era permitido que um homem gay doasse sangue se ele tivesse ficado 12 meses sem ter nenhuma relação sexual, e aí depois, em 2020, durante a pandemia da covid, no período em que os estoques dos bancos de sangue estavam bem baixos, eles queriam colocar mais doadores permitidos para doar, e aí eles encurtaram de 12 meses para três meses”.
Isso aconteceu porque se entendeu que comportamentos e fatores que não permitem a doação de sangue podem ser observados em pessoas de qualquer sexualidade: “Chegamos agora, em 2023, neste momento em que uma pessoa gay, só por ser gay, ela não é proibida [de doar sangue]. Mas, dependendo do tipo de exposição e comportamento sexual que ela tem, não importa se ela é gay, hetero ou o que for, ela poderá ou não doar sangue”, argumenta Vasconcelos.
“Até mais moderno do que comportamento de risco é a abordagem da vulnerabilidade, que entende que todas as pessoas do mundo têm alguma vulnerabilidade ao HIV e que essa vulnerabilidade pode ser maior ou menor, a depender de múltiplos fatores, que vão muito além apenas do comportamento sexual da pessoa. Por exemplo, se eu sou um homem gay e moro num país que criminaliza a homossexualidade, eu tenho a minha vulnerabilidade ao HIV aumentada, porque eu terei menos acesso à saúde, a um atendimento de qualidade, à testagem ao tratamento do HIV, porque tenho que esconder a minha homossexualidade”, completa.
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