A volta à discussão do chamado Marco Temporal na Demarcação das Terras Indígenas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e a tramitação de um projeto sobre esse tema no Congresso Nacional têm chamado a atenção – principalmente após as manifestações de indígenas em Brasília. Mas o que é exatamente essa proposta de Marco Temporal e o que representa? É sobre isso que fala o professor Pedro Dallari em sua coluna desta semana. “A Constituição Federal reconhece aos índios os direitos às terras que originalmente e tradicionalmente ocupam. E fixa para a União a obrigação de demarcar, proteger e fazer respeitar esses direitos indígenas referentes a essas terras. A adoção do Marco Temporal é defendida por setores da sociedade brasileira, principalmente por aqueles ligados aos segmentos mais atrasados da exploração agrícola”, explica Dallari. “Esta proposta implica se reconhecer para os índios apenas as terras que estariam sendo ocupadas na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Isso é um absurdo, pois seria legitimar a grilagem e a ocupação indevida que ocorreu no período anterior à Constituição de 1988, implicando em prejuízo enorme para os direitos dos índios”, afirma o colunista.
Segundo Dallari, a proposta que está sendo discutida encerra sérios problemas. “Na verdade, a eventual adoção dessa proposta de Marco Temporal terá para os direitos humanos dois efeitos muito perversos. Primeiro, negar vigência aos direitos indígenas, podendo inclusive gerar a reversão de demarcações de terra já realizadas em função dos critérios que adotam como referência, justamente, a noção de ocupação tradicional e não de ocupação em 5 de outubro de 1988. E há um outro impacto ainda mais amplo para os direitos humanos, que é o impacto sobre o meio ambiente, que atinge toda a sociedade brasileira”, esclarece o professor.
“O objetivo, com o Marco Temporal, é expandir a exploração econômica de terras que até agora têm sido preservadas. Estudos mostram que nas terras indígenas os índices de desmatamento são mínimos, principalmente se levarmos em comparação os índices extremamente elevados que vêm ocorrendo no Brasil. Trata-se de um tema de muita importância, que deve merecer toda a atenção”, afirma o colunista. “Na Universidade de São Paulo, ele vem sendo estudado em diversas unidades. Recentemente, na Cátedra José Bonifácio, houve a dedicação de um ano de estudos coordenados pela importante líder indígena mexicana Beatriz Paredes sobre o mundo indígena na América Latina, identificando a importância dos índios do continente para a formação das nossas sociedades. O conjunto de estudos conduzidos por Beatriz Paredes, em obra editada pela Edusp, é de acesso livre e gratuito. Vale a pena consultar esse material nesse momento em que a discussão sobre o Marco Temporal pode afetar profundamente o direito dos povos indígenas”, conclui Dallari. Veja aqui o livro coordenado por Beatriz Paredes.
Globalização e Cidadania
A coluna Globalização e Cidadania, com o professor Pedro Dallari, vai ao ar quinzenalmente, quarta-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.
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