Fome não decorre da falta de alimentos, mas de políticas públicas efetivas

De acordo com o professor Ricardo Abramovay, não há falta de alimentos, e sim a distribuição irregular desses recursos, o que demanda a recuperação de políticas alimentares

 15/12/2022 - Publicado há 2 anos
Alimentação não é um bem de consumo, está relacionada ao direito à vida – Fotomontagem de Lívia Magalhães com imagem de Reprodução/EAT-Lancet Commission Summary Report
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Mesmo com o aumento da produção agropecuária mundial, a fome persiste como um problema no Brasil e no mundo. O aumento da população mundial, que passou de 7 bilhões para 8 bilhões, acende o alerta para a necessidade de melhor distribuição de alimentos e de criação de políticas públicas efetivas. Também há um desbalanço entre a agropecuária e o meio ambiente, que deve ser levado em conta na produção alimentar. 

O professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (IEE-USP), Ricardo Abramovay, explica a situação, ao expor que não há, efetivamente, falta de alimentos, e sim a distribuição irregular desses recursos. E isso se deve ao fato de que a produção agronômica não responde a uma lógica de mercado, já que há alimentos para suprir a todos, mas que, na prática, não funciona. 

Mapa da fome

A fome se encontra em índices menores que há 70 anos, mas ainda afeta 1 bilhão de pessoas no mundo todo. Só no Brasil, são 33 milhões de pessoas famintas e 120 milhões que vivem em insegurança alimentar, dados que envolvem principalmente crianças. Fatores como a pandemia e a guerra na Ucrânia são citados como impulsionadores do problema: “É uma situação inaceitável, porque o Brasil tinha saído do mapa da fome, e não por que faltam alimentos. Em 2022, o País bateu recordes de exportação de alimentos”, destaca Abramovay.

Possíveis soluções

Ricardo Abramovay – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Alimentação não é um bem de consumo, está relacionada ao direito à vida. As saídas possíveis se concentram na recuperação de políticas alimentares, e “isso tem a ver com decisões políticas, econômicas e sociais”, explica Ricardo Abramovay. Para ele, o País possui bons profissionais qualificados em políticas públicas para a reestruturação delas. 

Como ação concreta, será preciso reconstruir cadastros que demonstrem quem tem a necessidade de receber alimentos. A política empregada atualmente abrange domicílios, e não pessoas individualmente. Ademais, Abramovay destaca ser importante o resgate do vínculo entre a alimentação escolar, que vem sofrendo com cortes, e a agricultura familiar, para ocorrer o abastecimento das merendas e o fomento a pequenos produtores. 

A alimentação contemporânea vai além da ingestão de carboidratos e proteínas e envolve alimentação saudável. Por isso, seria necessário, também, pensar em medidas que contornem os chamados “desertos alimentares”, locais em que a disponibilidade de alimentos frescos é pouca. Isso tem relação com a qualidade de vida, uma vez que, se não há disponibilidade desses recursos, ocorre o aumento da ingestão de ultraprocessados, que geralmente são mais baratos. “Sociedades democráticas não são sociedades onde se passa fome de algum jeito”, finaliza o professor.


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