Qual é a diferença entre exames de rotina e um plano de cuidados? Os exames de rotina são apenas a parte mais visível, porém menos importante, de um plano de cuidados. A prática muito comum de se fazer enormes baterias de exames laboratoriais (check-up) antes de uma avaliação médica criteriosa, não tem respaldo na literatura científica. Jesus Paula Carvalho, do departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP e médico chefe da equipe de ginecologia oncológica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), explica: “É o mito de achar que o exame de laboratório é o que vale. Na verdade, o que vale é uma avaliação criteriosa e isso está se perdendo”.
Exames de rotina
Segundo Carvalho, existe um uso equivocado do conceito: “São exames que se faz numa população para detectar uma doença que é frequentemente grave e que as pessoas não têm nenhum sintoma”. Um exemplo clássico de um exame de rotina é o exame de Papanicolau: as mulheres não sentem nada, mas têm o câncer e não estão sabendo. Esse exame, quando feito, serve para detectar e tratar essas mulheres, e é útil pois existem estudos consistentes que demonstram que o contexto de sintomas, risco e frequência da doença exige um exame”.
Mas não são todos os casos que são de rotina. Na verdade, como o médico explica, são poucos os exames que podemos chamar de rotineiros. E além de ter o intuito de comprovar ou afastar uma doença possível, é importante ressaltar que “isso obrigatoriamente deve partir do médico e não do paciente. Ir ao laboratório e pedir para fazer 50, 100, 200 exames na tentativa de achar que com isso está cuidando da sua saúde, esse é o grande equívoco”, diz Carvalho. Fazer tantos exames não fará com que a saúde de ninguém melhore, mas também é gasto inútil de recursos.
A prática médica
O médico levanta a questão de se recuperar a importância do ritual da consulta médica. Uma queixa dos pacientes é de que os médicos muitas vezes passam boa parte do tempo preenchendo papéis e que não “examinam a fundo”, não tocando o corpo, por exemplo. Mas Carvalho diz que na profissão está previsto um processo de avaliação e investigação, e que com frequência não é necessário pedir exames ou tocar o corpo. Ou seja, as perguntas feitas no consultório, quase em forma de interrogatório, são de extrema importância para a consulta, até mais do que um exame isolado.
A consulta segue um roteiro geral que serve para que o médico tenha um mapa mental do caso, recolhendo as informações necessárias para traçar o caminho mais provável de diagnóstico e cura. Carvalho comenta exemplos desse ritual médico: “A queixa, a história da moléstia atual, como a doença se desenvolveu, os antecedentes daquela pessoa, a história da família, porque cada pessoa é diferente, tem hábitos, toma medicações, exercita-se e alimenta-se diferente”. A partir disso, caso o especialista julgue necessário, pode-se pedir exames como forma de complementar a avaliação; não devem ser, portanto, um ponto de partida para a análise.
O caso dos marcadores tumorais no câncer de ovário, que é uma doença gravíssima, é um exemplo do que o médico quer dizer. Existe um marcador tumoral chamado CA 125, uma proteína, que pode indicar câncer de ovário se estiver elevada. Mas não é o paciente que vai fazer essa avaliação: “Se todo mundo sair pedindo [testes de] CA 125 não vai saber que tem situações que são totalmente normais e que elevam também. Se o médico não fizer essa avaliação, esse indivíduo vai achar que está com câncer de ovário”, diz o especialista. Segundo ele, há atualmente uma “inversão total” do ritual médico, e que exames laboratoriais são adicionais para um médico, não sendo responsabilidade do paciente cuidar disso.
*Estagiário sob a supervisão de Marcia Avanza e Cinderela Caldeira
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