Apesar de existir há quase 150 anos no Brasil, a disciplina de Educação Física ainda sofre com problemas nas escolas, ao passo que muitos professores da área sofrem com a falta de políticas públicas para o investimento em equipamentos e espaços adequados para o ensino da matéria. Segundo levantamento do Instituto Península, cerca de 80% dos docentes brasileiros dessa disciplina já precisaram desembolsar dinheiro do próprio bolso para arcar com os custos de equipamentos utilizados nas aulas.
Conforme o professor Walter Roberto Correia, da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, a Educação Física está dentro da escolarização básica e obrigatória e é um dos componentes curriculares mais tradicionais da história da educação, que surgiu no século 19, atravessou o século 20, e chega aos dias atuais previsto tanto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), quanto pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como um componente que faz parte desse projeto educacional.
Escolarização
De acordo com o especialista, todo componente curricular deve comportar um conjunto de intenções e conteúdos, por isso a Educação Física tem como objetivo sistematizar experiências práticas e conteúdos relativos ao universo da Cultura Corporal de Movimento. Ele afirma que, apesar de existirem demandas específicas, essa disciplina busca ofertar uma experiência comum a todos os cidadãos que têm a oportunidade de passar pelo sistema de ensino brasileiro. Essa experiência, segundo ele, é caracterizada pela inclusão e baseia-se no contato com as experiências e práticas corporais.
“Então podemos incluir os jogos, as brincadeiras, as modalidades esportivas, as ginásticas, as manifestações rítmicas e também as atividades circenses, as lutas e os exercícios. E inclui-se também algo muito importante que nós denominamos como conhecimentos e cuidados com o corpo e com o movimento do corpo humano. Todavia, nós sabemos que na sociedade as oportunidades não são ofertadas de maneira democrática, então, ao menos nas escolas as pessoas conseguem essa oportunidade”, diz.
Para o especialista, ter o contato com as práticas corporais dentro de um processo de escolarização é diferente de tê-lo em uma academia, praça pública, clube ou em um condomínio, por exemplo. Ele afirma que tudo que existe dentro da escola, em tese, também existe fora dela, mas quando as práticas corporais adentram o ambiente educacional, ocorre não apenas a experiência do movimento, mas também um processo de organização, seleção, problematização e dimensão crítica ligada ao conhecimento.
“Então o basquete, a capoeira, todos esses exercícios serão oportunizados na escola como experiência, mas nós temos que agregar também o conhecimento. Então além do movimento, a leitura na educação física é algo importante, assim como a escrita, a pesquisa, o debate, as atividades extracurriculares de visitação a instituições. Além de tudo isso, uma chave importante é o diálogo com outras disciplinas”, explica.
Transdisciplinaridade
O especialista ressalta que a Educação Física possui uma grande capacidade de ser trabalhada juntamente a outros componentes curriculares das escolas e, devido a isso, é capaz de auxiliar na integração de alunos com outros estudantes, com os docentes e com os funcionários das escolas, de modo que consiga gerar um ambiente pacífico e inclusivo.
Corpo e movimento, segundo Correia, é um dos temas mais ricos em termos de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, uma vez que pode ser discutido, por exemplo, com a dimensão do meio ambiente, do lazer, da economia, da arte, da tecnologia e da política. “Quando estão dentro da escola, a Biologia, Química, Física, Matemática, Língua Portuguesa, assim como a própria Educação Física, são objetos culturais. Tudo que existe na escola em tese existe também fora dela, então o intuito é agregar conhecimento a esses objetos culturais e transformar a experiência não-escolarizada em uma experiência escolar”.
Dificuldades
Conforme Correia, os professores de Educação Física costumam sofrer da mesma falta de políticas públicas e reconhecimento que aflige o professorado brasileiro de maneira geral. Para ele, não há uma experiência histórica no sistema educacional brasileiro de políticas públicas que passe uma mensagem clara de que educação é prioridade e que a docência é uma categoria social que merece sinalização de relevância por parte do poder público.
De acordo com o especialista, ainda faltam melhores condições materiais, financeiras e pedagógicas para a docência e, por causa disso, é possível observar a dificuldade de manter políticas públicas de longo prazo. Essa ausência de condições estruturais de apoio impedem a manutenção de um projeto pedagógico que possa gerar os resultados necessários do ponto de vista de uma educação de qualidade.
Reformas
Segundo Correia, algumas propostas de alteração nos currículos escolares, como a reforma do Ensino Médio, geram impactos negativos no ensino da Educação Física, uma vez que negligenciam e reduzem a profundidade de conteúdo desse componente curricular. Para o professor, caso o intuito dessas reformas seja aprimorar a qualidade do ensino, o objetivo deveria ser o investimento em estrutura e formação de profissionais ao invés de grandes alterações curriculares.
Segundo o docente, muitos membros do sistema educacional brasileiro ainda restringem a atuação dessa disciplina a apenas simples práticas de modalidades esportivas. Ele alerta, porém, que apesar de esse componente ser extremamente benéfico para o corpo, a saúde é multifatorial e problemas relacionados a ela não são resolvidos com algumas aulas da disciplina, ainda mais quando são ofertadas em quantidades pequenas.
“A formação e licenciatura em Educação Física precisa ser pensada para fazer uma disciplina cada vez mais plural, com mais diversidade, inclusão e espaço para a ampliação do conhecimento. Com todo poder e riqueza que essa disciplina tem, eu me pergunto como ainda há pedagogos, diretores, supervisores de ensino e outros membros do sistema educacional que ainda tem a capacidade de negligenciá-la no currículo”, reflete.
*Estagiário sob supervisão de Marcia Avanza e Cinderela Caldeira
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