
Blog
“Constituição de 1988 tornou-se extremamente corporativista”
Elival Ramos atribui a culpa a uma não reorganização do quadro partidário e alega ainda que a Carta Magna ficou excessivamente grande
A Constituição de 1988 é a que perdura por mais tempo na história do Brasil. Dia da Promulgação da Constituição - Foto: Reprodução/Arquivo Agência Brasil
Neste 5 de outubro, a Constituição Federal completa 35 anos, com a relevância de reafirmar os compromissos da Carta Magna para a democracia brasileira. Ela foi nomeada como Constituição Cidadã, uma vez que representou a volta dos direitos populares após mais de 20 anos de repressão pela ditadura militar. Elival Ramos, professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito (FD) da Universidade de São Paulo (USP), discorre sobre aspectos da Constituição Cidadã de 1988.
Legitimidade da democracia
A Constituição de 1988 é a que perdura por mais tempo na história do Brasil. A democracia, de maneira simples, é um Estado de Direito que garante a participação política plural e a vigência dos direitos fundamentais. Para Ramos, essa legitimidade de democracia representa uma etapa nova na história do País.
O professor comenta o extenso período aristocrático que se perpetuou na política brasileira até a República Velha e foi interrompido pela tentativa conturbada de constitucionalizar o País, em 1934, mas que resultou na Ditadura Vargas. “Tivemos um período democrático de 18 anos pela primeira vez na nossa história, com a Constituição de 1946, mas também com tentativas de golpe a todo momento. Depois, o regime militar e, finalmente, a Constituinte de 1988.”

Fernando Henrique Cardoso, Ulysses Guimarães, Bernardo Cabral e Humberto Lucena durante a Assembleia Nacional Constituinte que resultou na Constituição de 1988 - Foto: Célio Azevedo/Senado Federal via Wikimedia Commons
Em sua opinião, o Brasil está vivendo uma “adolescência democrática”, isto é, são as primeiras tentativas de estruturar o regime de forma plural. Essa realidade exige um aprendizado para saber enfrentar os momentos de radicalidade que acontecem na vida política do País.
A Constituição Cidadã de 1988
Segundo o professor, a legitimidade de um Estado de Direito surge a partir da maneira correta de aplicação das leis, e não apenas com a existência delas. “No Direito Penal não adianta, simplesmente, buscar a verdade real e procurar esclarecer um crime, mas tem uma maneira correta de fazer. Se nós fizermos isso deixando de lado as garantias individuais, por exemplo, do réu, exacerbando o procedimento acusatório, nós vamos ter distorções. Então, é importante o procedimento sempre”, comenta.
Para a formação da Constituinte brasileira, foi escolhida a forma congressual e, com isso, um Congresso ordinário ficou responsável pela Constituição Cidadã. “A tendência dos parlamentares era de colocar na Constituição todos os seus projetos e, com a demora do processo, a tendência foi fazer acordos. Por conta de uma não reorganização do quadro partidário, ela se tornou uma Constituição extremamente corporativista”, afirma o professor, que ainda complementa que a Carta Magna ficou excessivamente grande.

Elival da Silva Ramos - Foto: FD
Os três Poderes
Segundo Ramos, a separação dos Poderes e o equilíbrio entre eles é fundamental para o Estado de Direito, estando presente em todas as Constituições democráticas ao redor do globo. No entanto, ele afirma que o desequilíbrio entre os Poderes é um problema no País. “A nossa representação política ficou extremamente fragilizada com a pulverização do quadro partidário, existem partidos demais no Congresso e não há sistema representativo que resista a isso”, analisa. Ele ainda comenta que a grande quantidade de partidos políticos enfraquece a representação, na medida em que há uma dificuldade de formar maiorias estáveis no Congresso. Em decorrência disso, o especialista afirma que existe uma tendência de outros atores ocuparem esse espaço, como o STF tem feito nos últimos anos.
“O papel do Judiciário é assegurar o que está na Constituição, não cabe a ele promover emendas, isso tem que ser feito pelo Congresso.” Ramos ainda cita pautas como aborto e descriminalização de drogas para exemplificar projetos de leis que o Supremo tomou à frente do Congresso. Para ele, a falta de diálogo, durante a montagem da Constituinte, acerca das responsabilidades e o funcionamento do STF, foi responsável por esse desequilíbrio nos Poderes, impactando diretamente a sociedade.

Fachada do Supremo Tribunal Federal (STF) - Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
Na opinião do professor, o maior desafio para construir uma separação de Poderes funcional e equilibrada é o sistema eleitoral brasileiro, pois o seu mau funcionamento não garante uma base de apoio sólida para o governo – sustentação que é necessária para atingir a estabilidade nos Poderes. Essa reformulação seria positiva para fortalecer os instrumentos de governabilidade e manter o Supremo como instância garantidora, tendo menos atribuições para que ele possa focar na sua função principal de proteger a Constituição.
*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
Jornal da USP no Ar
Jornal da USP no Ar no ar veiculado pela Rede USP de Rádio, de segunda a sexta-feira: 1ª edição das 7h30 às 9h, com apresentação de Roxane Ré, e demais edições às 14h, 15h, 16h40 e às 18h. Em Ribeirão Preto, a edição regional vai ao ar das 12 às 12h30, com apresentação de Mel Vieira e Ferraz Junior. Você pode sintonizar a Rádio USP em São Paulo FM 93.7, em Ribeirão Preto FM 107.9, pela internet em www.jornal.usp.br ou pelo aplicativo do Jornal da USP no celular.

A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.