Considerações sobre o pacto de silêncio que encobriu a comemoração dos 60 anos do golpe militar

José Álvaro Moisés entende ser positivo evitar provocações que levem os militares a justificar a sua intervenção na política, “mas não deve servir para que o tema da subordinação dos militares aos líderes civis eleitos seja evitado”

 Publicado: 03/04/2024

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Nesta edição de sua coluna, o professor e cientista político José Álvaro Moisés tece considerações a respeito dos 60 anos do golpe de Estado que instaurou a ditadura militar no Brasil, relembrados no último dia 31 de março. Entre outros pontos, ele lembra que o regime instalado em 1964 e que durou vinte anos não tardou a mostrar sua face política profundamente antidemocrática, antissocial e reacionária, “rasgando a Constituição de 46 e atacando os fundamentos da democracia”. Moisés diz que os militares foram os protagonistas principais da ditadura e, além da captura do Estado, “iniciaram logo ações repressivas contra políticos, juízes, parlamentares e líderes religiosos contrários ao regime e se tornaram o foco principal dos debates que atualmente querem fazer um ajuste de contas com o passado; isso se explica por causa das práticas de tortura e morte dos opositores do regime feitas por eles”.

Ele prossegue sua análise, abordando a questão daqueles que se manifestaram contrários à anistia que antecedeu a volta dos militares aos quartéis, “avaliando que a justiça sobre a ditadura falhou ao não punir os responsáveis pela repressão que cancelou os direitos humanos no País; os defensores do regime, contudo, entendem que essa revisão do passado tem caráter revanchista, pois a anistia também serviu para perdoar os que fizeram a luta armada e cometeram crimes contra agentes do Estado. A revisão só se justificaria se envolvesse também esses atores”. Muito por conta dessas posições antagônicas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a posição de proibir manifestações de parte do governo sobre o golpe, um pacto de silêncio que lhe rendeu críticas.

“Houve muita crítica a respeito da decisão de Lula, mas nem sempre o debate distinguiu duas questões que afetam a qualidade da democracia: por um lado, o silêncio do governo e dos militares sobre os crimes cometidos pelo regime reforça o pacto que pôs fim à ditadura e não deveria propor a revisão da Anistia, apaziguando as relações do governo com os militares. Sem estimular o revanchismo, a discussão da memória do golpe oferece uma oportunidade única de um diálogo entre civis e militares sobre o papel dos últimos na democracia. Evitar celebrações que levem a mais encapsulamento dos militares e justifiquem a sua intervenção na política é algo positivo, mas não deve servir para que o tema da subordinação dos militares aos líderes civis eleitos seja evitado”, constata Moisés, antes de concluir: “Depois do 8 de janeiro e do envolvimento de oficiais do alto escalão das Forças Armadas na preparação do golpe que queria impedir a posse de Lula, o debate sobre a tradição dos militares de intervir na política brasileira é inevitável, os militares não têm o poder moderador e isso precisa ficar claro para todos, civis e militares”.


Qualidade da Democracia
A coluna A Qualidade da Democracia, com o professor José Álvaro Moisés, vai ao ar quinzenalmente,  quarta-feira às 8h30, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9 ) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e TV USP.

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