Sociedade em Foco #152 : Acerto em poder e desacerto na forma de governar marcam o cenário político brasileiro

Entrave nas políticas públicas é fruto dessa distorção, diz José Luiz Portella

 20/06/2023 - Publicado há 11 meses
Momento Sociedade - USP
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Sociedade em Foco #152 : Acerto em poder e desacerto na forma de governar marcam o cenário político brasileiro
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A articulação política entre a Presidência da República e da Câmara sobre o arcabouço fiscal e outros temas é um problema na tomada de decisões para a governabilidade do País. “Hoje, o maior entrave imediato das políticas públicas é o acerto e desacerto entre o presidente da República e o presidente da Câmara, que é uma espécie de primeiro-ministro pelo poder que acabou conseguindo com a articulação junto ao Centrão”, analisa José Luiz Portella, doutor em História Econômica pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados.

Portella coloca que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acaba articulando muitos partidos “num jogo de força com o governo”. Ele ainda acrescenta que, com essa disputa, muitas questões estão envolvidas: “Dois problemas: o do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, cuja ida ao STF é articulada pelo seu antecessor, Davi Alcolumbre, e do presidente da Câmara em conduzir o processo de direcionamento das verbas — não apenas das emendas”.

Por isso, Portella explica que, quando comentam que é necessário conversar, articular mais, não é apenas isso: “Não é só ouvir os pleitos, é dar autonomia para cada deputado do Congresso colocar o dinheiro aonde quiser”. “Essa autonomia colide com o fato de você ter um plano de governo: começa a fragmentar tudo e ainda é somado às políticas públicas estimuladas por esse recurso dos deputados — que são, muitas vezes, pontuais, e não geram benefícios no longo prazo”, comenta Portella.

Há momentos em que existe a percepção de uma maior aproximação entre o presidente da República e da Câmara. O pesquisador coloca que esse é um meio para todos se manterem no poder, mas a divisão dele não ocorre da mesma forma: “Mas, depois, durante o processo da divisão do poder, especificamente do orçamento, cada um tem seu jogo, suas preferências”. Um exemplo é o pedido de vista do Supremo Tribunal Federal. Esse mecanismo deveria servir para que se tomasse melhor conhecimento sobre o que está sendo julgado, mas, no contexto de disputa de interesses, torna-se um instrumento obstaculizador, segundo Portella. “O que nós temos é um processo de anulação, de um lado se mantém no poder, mas quando tem a divisão, há divisões e antagonismos”, acrescenta.

As disputas causam a paralisação de muitas pautas, sendo a da Reforma Tributária uma delas. “Existe um real consenso de que ela deve ser feita. Empresários, empreiteiros, parlamentares, executivos, todos veem a necessidade”, comenta o pesquisador. Mas, de modo simples, a Reforma Tributária “tira de um lugar e coloca em outro”, o que deve causar desentendimentos, já que “alguém irá receber e alguém irá perder”, diz Portella. “É um processo impossível de agradar todo mundo. E tudo isso, com o acerto em termos de poder e um desacerto em como manejar as verbas e encaminhar o País, é a coisa que mais trava as políticas públicas e é o maior problema que o País tem, junto à desigualdade. Na verdade, isso ajuda a exacerbar a desigualdade e a falta de medição das políticas públicas”, pontua.


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