A crítica reflexiva foi um traço fundante na crônica musical de Zé Kéti. Como compositor sua obra foi à voz silenciosa dos cantantes empobrecidos que cantavam com calor a vida no alto do morro. Com notável senso intuitivo suas canções revelavam-no como um exegeta do marxismo no olhar popular de quem sintetizava no samba nuances das lutas de classe para sobreviver à frieza do sisudo asfalto da zona sul. Lembrando que o carioquismo do asfalto só ganhou graça musical com a tamboralidade do morro, cuja embaixada era o Zicartola, que tinha como oficiais da alta diplomacia do samba Cartola, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça entre outros, mas o grande embaixador do samba na intelectualidade carioca foi Zé Kéti, que articulado com Nara Leão, sua mais significativa interprete, construíram uma aliança de classe social entre pobres e ricos, configurado no diálogo pela união dos diferentes, representados nos potenciais da utopia de Zé Kéti e Carlinhos Lira, que me parece à única aliança social que deu certo, com a intelectualidade da zona sul ao lado do morro, caracterizada na abstração da bossa nova.
Há um ditado que pelo fruto se conhece a árvore. A significação do nome do artista Lenine revela a inquietude do pai, cujo nome foi dado como forma de enfrentar a ousadia da ignorância expressa na alienação do imperialismo americano, refletido nos grupos que discriminavam a cultura nordestina. Leal a herança paterna a música de Lenine é a conjugação multicultural da miscigenação nordestina, que se estabelece na contemporaneidade inclusiva de uma possibilidade de um rock de origem negra visitado por ondas das musicalidades íbero-ásio-ameríndia do nordeste, que canta para o sol derreter com o brilho e o calor dos versos críticos do Lenine a gélida e violenta desigualdade social na miscigênica vida brasileira.
Quilombo Academia
O Quilombo Academia é transmitido as quintas-feiras, às 13 horas, com reapresentação aos domingos, às 19 horas e 30 minutos, na Rádio USP São Paulo e Ribeirão Preto, e também por streaming. As edições do programa estão disponibilizadas nos podcasts do Jornal da USP (jornal.usp.br) e nos agregadores de áudio como Spotify, iTunes e Deezer.
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