“O Crusp foi marcante em nossas vidas políticas”

Vindos até do Japão, ex-cruspianos comemoraram os 55 anos de sua expulsão do conjunto residencial

 01/12/2023 - Publicado há 5 meses

Texto: Luiz Roberto Serrano
Arte: Carolina Borin e Joyce Tenório*

Foto elaborada para a capa do Vanguarda, que não foi a publicada, com o intuito de denunciar o que pairava no ar: a expulsão dos alunos do Crusp, fato que aconteceu pouco tempo depois - Fotomontagem com imagens de Paulo Negrão; Fulvia Molina; João Carlos Chamadoira; Alcides F. Castilho; Lucila Z. Duran

Veio gente de longe, como Sumio Kojima, residente no Japão, onde trabalha como intérprete, inclusive para presidentes brasileiros que visitam o país do Sol Nascente; Denise Fraenkel, da Alemanha; outros do Paraguai. Vários do norte do Brasil e a maior parte do interior de São Paulo.

Cerca de 160 ex-cruspianos (boa parte acompanhados por familiares), moradores do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo, o Crusp, entre 1963 e 68, reuniram-se no sábado, 25 de novembro, no Colégio Notre Dame, no bairro paulistano do Sumaré, para a Festa dos 55 anos. Do quê? Da sua expulsão, a 17 de dezembro de 1968, cinco dias depois do fatídico AI-5, e seu consequente fechamento por um longo período.

Reencontros festivos, muitas e muitas lembranças, fotos de filhos e netos, até de bisnetos, de uma geração de pioneiros, hoje acumulando entre 70 e pouco mais de 80 anos de vida e experiências vividas – que nunca resistem a uma oportunidade de se encontrar para relembrar um período rico e revelador de suas vidas como foi o de sua juventude no campus da USP na Cidade Universitária, onde reverberavam todos os acontecimentos do País e do mundo, numa quadra particularmente agitada da história.

Estejam onde estiverem, fazem questão de estar presentes. Afinal, foi ali que a maioria formou sua visão de mundo e, desde então, mantém opiniões críticas sobre o que vai por esse mundo em constante mutação. Não foi o primeiro encontro. Houve outro em 2008, no mesmo local, e vários menores em inúmeros lugares, sempre regados a muitas emoções.

Anos inesquecíveis

Alguns depoimentos sobre o que o Crusp representou para seus moradores na época:

No coração da incipiente Cidade Universitária funcionou, durante algum tempo, e até que a ditadura impedisse, um coletivo de amizade, cultura e trabalho, que apenas homens e mulheres que ousam sonhar constroem. Foi o Crusp.

Crusp: viver, desejar, ser diferente, ser igual, com todas as suas nuances – doce, salgado, apimentado...

Residente no Crusp, cumpri a pena máxima da condenação a ser livre: paixão por Amizades, Amores, Politização.

A riqueza, a variedade e a importância de quatro anos inesquecíveis na minha vida: virei físico, continuando politécnico; pensei e fiz política, conheci a Ciça, fiz teatro, joguei xadrez, saí preso, toquei piano, estudei, fiz amigos… Que privilégio!

Infelizmente não tenho nenhuma foto dessa época do Crusp, pois fui presa, e minha família, com medo da repressão, queimou todas. Mas tenho algumas lembranças que gostaria de deixar registradas, como quando afundamos o Brucutu jogando água, em suas rodas, das mangueiras do bloco D.

Estudar, questionar, resistir, experimentar, amar, sonhar, namorar, namorar, namorar…

Meninos, eu vi e vivi...

Cruspianos, não somos ex-cruspianos para sempre. Fizemos parte da História viva de nosso país.

Os depoimentos acima são parte dos que foram colhidos no encontro de ex-cruspianos realizado em 2008, no mesmo local, o Colégio Notre Dame, em São Paulo. Foram compilados em um folheto distribuído no encontro de 2023.

O afundamento do Brucutu — blindado da Força Pública que jogava jatos de água em multidões — a que se refere Ruth Ribas Itacarambi, no depoimento acima, deu-se em 1967, quando, diante da passividade da administração do Crusp e da USP para receber novos alunos, o bloco F foi invadido pelos candidatos às vagas. A reação foi dura.

Os invasores foram removidos por tropas da Força Pública e colocados em ônibus que os abandonava, em duplas, a cada quilômetro da rodovia Raposo Tavares. Durante a invasão, as moradoras do bloco D acionaram as mangueiras de incêndio do bloco D, dirigiram o jato d’água contra o Brucutu da Força Pública que estava estacionado no gramado ao lado, criando um lamaçal escorregadio sob suas rodas, que o impedia de se mover.

Um clima político quente

Em 1968, o clima político começou a esquentar no País e no Crusp. Os blocos F, este mais uma vez, e G foram ocupados, conquistando, então, a anuência da Reitoria. Com o fechamento da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, depois da Batalha da Maria Antonia, entre estudantes da USP, que a mantinham ocupada, e do Mackenzie, com presença do Comando de Caça aos Comunistas – o famigerado CCC, os debates políticos e assembleias dos estudantes da USP concentraram-se no Crusp.

Ali, também, pernoitou boa parte dos estudantes de todo o País que foram ao Congresso da UNE, em Ibiúna, interior de São Paulo, que acabou sendo dissolvido pela Força Pública e todos os seus participantes foram presos (veja matéria de minha autoria no Jornal da USP: 1968, um ano de protestos e aprendizados).

O ato final do Crusp do período 1964-68 se deu em 17 de dezembro de 1968, quatro dias depois da promulgação do fatídico Ato Institucional n° 5, pelo governo Costa e Silva, como resposta ao crescente avanço dos protestos da oposição, especialmente a parlamentar, ao regime.

Depois de uma invasão por tropas do Exército e policiais, todos os moradores foram recolhidos ao então existente Presídio Tiradentes, no centro velho da cidade. Os que eram procurados pela polícia política ali ficaram, e a maioria foi solta (eu saí na manhã seguinte). Como o Crusp foi fechado, na época, como residência estudantil, os seus então moradores buscaram alternativas, formando repúblicas nos bairros próximos da Cidade Universitária, como Butantã, Pinheiros, Vila Madalena ou outras opções.

Mais alguns depoimentos…

O Crusp me parece ser a lembrança de um período curto (1963-1968) mas muito denso… Havia uma situação de relações tensas, com convergências e divergências, que se acomodavam em um relacionamento predominantemente afetivo. Era um outro espaço e outro tempo.

As relações eram, em primeiro lugar, afetivas. Mas o Crusp foi marcante em nossas vidas políticas, mais do que pensei na época.

Preparavam-se passeatas e assembleias, mas também havia variados grupos musicais, vocais, esportivos, de caronistas. De discussão de textos de poesia, de discussões de história das ciências etc.

Amizade… é a palavra que lembra meus etéreos anos no Crusp. Inesquecíveis, generosas amizades: cujas palavras, no dizer de Sêneca, dissipam inquietações, cuja presença suaviza dissabores, cujas lembranças trazem bem-estar. Anos de aprendizagem, erros, acertos, alegrias, penares! Belos anos! Viva o querido Crusp!

Rito de Passagem

Rito de Passagem, a história vertiginosa do Crusp, texto do jornalista free lancer Jason Tércio, que recupera e conta as histórias dos moradores no período de 1963-68, deverá ser publicado em breve, multiplicando o conhecimento da experiência única e especial dos estudantes da USP que tiveram o privilégio de vivenciá-la.

Vale sempre relembrar esse tempo e cultivar suas lições.

Livro sobre Crusp "Rito de Passagem" - Imagem: Divulgação/"Rito de Passagem"

Livro sobre o Crusp "Rito de Passagem", que será publicado em breve - Imagem: Divulgação

Folder sobre Encontro de 55 anos do Crusp - Imagem: Reprodução/Crusp68.org

Folder sobre o Encontro 55 anos do Crusp realizado a 25/11 - Imagem: Reprodução/Crusp68.org

Banner:

Banner sobre o Crusp, exposto no encontro - Imagem: Reprodução/Crusp68.org

*Estagiárias sob supervisão de Moisés Dorado


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