No dia 25 de setembro, foi realizada a cerimônia para a recolocação do retrato do vice-reitor em exercício entre os anos de 1967 e 1969, Helio Lourenço de Oliveira, na Galeria de Reitores da USP. A iniciativa foi proposta pela Comissão da Verdade da USP, como um reconhecimento do papel de Lourenço em defesa da autonomia universitária e no processo de reforma do Estatuto da USP, e foi aprovada pelo Conselho Universitário, em sessão realizada no dia 4 de outubro do ano passado.
“Além de liderar um grupo de entusiastas que promoveu uma grande revisão dos estatutos da USP, Helio Lourenço elevou sua voz contra o desrespeito à autonomia da Universidade. Na época, professores estavam sendo perseguidos por causa de suas opiniões políticas. Estabelecendo o padrão para todos nós, Helio Lourenço não aceitou e mostrou que a USP não se submete às pressões. Seu retrato em lugar de destaque no prédio da Reitoria serve para nos lembrar de que, para realizar a sua missão com sucesso, a Universidade precisa de autonomia. Infelizmente, ao contrário do que alguns pensam, as ameaças a essa autonomia não são coisas do passado. Periodicamente, elas ressurgem sob os mais diversos disfarces. Por isso, colocamos hoje um alerta permanente contra essas violações”, enfatizou o reitor Marco Antonio Zago.
Para a presidente da Comissão da Verdade da USP, Janice Theodoro da Silva, “este é um ato de reparação e justiça a alguém merecedor de amplo aplauso. O professor Helio Lourenço exercia uma liderança porque tinha um projeto para a Universidade, pautado pelo respeito à autonomia desta instituição e por uma ambição acertada do ponto de vista acadêmico de integração das diversas áreas de conhecimento. Ele era um homem que acreditava nas liberdades democráticas. Sua trajetória depois de cassado caracteriza quais eram os objetivos em relação ao papel da Universidade no contexto brasileiro, marcado por tantas desigualdades sociais”.
A cerimônia, realizada no prédio da Reitoria, foi prestigiada por dirigentes da Universidade e pelo professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), Ricardo Brandt de Oliveira, que é filho de Helio Lourenço.
O vice-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Eduardo Moacyr Krieger, lembrou o empenho do vice-reitor em fazer uma reforma na Universidade, as mudanças propostas e a resistência encontrada dentro da própria Instituição. “Além de um confronto entre correntes conservadoras e outras mais inovadoras, o que era perfeitamente legítimo em um ambiente universitário, a USP viveu, naquela época, um período de ingerência política externa e de arbítrio, propiciada pelo Regime Militar vigente e que era aproveitado por grupos dentro da Universidade para implementar suas posições políticas. Coube ao professor Helio Lourenço, e a outros membros do Conselho Universitário, resistir e defender os valores universitários, sendo um exemplo de dignidade e comportamento ético, mantidos em regime de exceção, mesmo às custas de suas carreiras e garantias individuais”, afirmou Krieger.
Vice-reitor em exercício
Helio Lourenço de Oliveira nasceu em 1917, na cidade de Porto Ferreira, a cerca de 230 quilômetros da capital de São Paulo, e graduou-se em Medicina, Ciências Sociais e Filosofia. Foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e do Departamento de Clínica Médica da FMRP.
Professor de Clínica Médica da FMRP, Lourenço exercia também o cargo de vice-reitor quando, em 1967, o então reitor da USP, Luís Antônio Gama e Silva, foi conduzido ao cargo de ministro da Justiça durante a presidência de Artur da Costa e Silva. Com a saída de Gama e Silva, Lourenço assumiu a gestão da Universidade como vice-reitor em exercício. Liderou a reforma universitária na USP em 1968 e, em sua homenagem, o documento foi chamado de Estatuto Helio Lourenço.
Logo após o decreto do Ato Institucional nº 5 (AI-5), 1968, pelo qual o Regime Militar suspendeu direitos e garantias constitucionais, as entradas para a Cidade Universitária, em São Paulo, foram bloqueadas por forças policiais e militares, que também invadiram o Conjunto Residencial da USP (Crusp). Diante da situação, Helio Lourenço reuniu conselheiros para elaborar um documento em protesto contra a operação surpresa.
Lourenço foi cassado do cargo de reitor por iniciativa do próprio Gama e Silva, em um decreto que demitiu outros 23 professores. Forçado a se exilar do País, o professor iniciou seu trabalho no Oriente Médio e na África pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Unesco. Só retornou ao Brasil em 1980, com a abertura política.