Visão indígena da vida inspira curta-metragem da USP selecionado em exposição internacional

Animação desenvolvida na Escola de Comunicações e Artes (ECA) é selecionada para o Student Animation Showcase; vídeo aborda a perspectiva indígena e novos modos de conhecimento

 25/09/2023 - Publicado há 7 meses

Texto: Rosiane Lopes*

Arte: Joyce Tenório**

Eîori! um horizonte existencial, de Kelly Silva de Oliveira - Imagem: Reprodução/Student Animation Showcase

O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) Eîori! um horizonte existencial, de Kelly Silva de Oliveira, foi aceito na Student Animation Showcase, uma exposição internacional de TCCs do mundo todo. O curta-metragem foi desenvolvido sob orientação de Silvia Laurentiz, docente do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, e ficará disponível na plataforma do evento, junto com projetos de outras universidades, até 2024.

“Pela primeira vez um filme da USP foi selecionado e está sendo exibido on-line junto com trabalhos de importantes escolas, como a CalArts, Ringling School of Design, School of Visual Arts, Concordia University e California State University”, diz João Paulo Schlittler, docente do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão (CTR) da ECA e responsável pela inscrição do trabalho na mostra.

A autora participou da estreia on-line da exposição que reúne 21 universidades em todo o mundo. “Foi bastante rico ver gente de todo mundo apresentando trabalhos, com diferentes perspectivas. Os trabalhos eram bem diversos, as técnicas [e o] olhar, a experiência de cada aluno também. Foi bom ver como as universidades são diferentes”, relata Kelly. Confira o vídeo a seguir:

Kelly Silva de Oliveira - Foto: Currículo Lattes

Um novo horizonte

Kelly conta que questões ambientais e relacionadas a povos indígenas sempre estiveram presentes em suas atividades acadêmicas, o que a levou a tratar desses temas em seu TCC. Para desenvolver seu trabalho, ela se baseou no que nomeia de perspectiva indígena. “Eu pesquisei sobre esse modo de ver o mundo que me chama muito a atenção, esse modo diferente do eurocêntrico, que é pautado na questão onde o sonho tem uma importância muito grande, é um modo de existir, é um lugar de tomada de decisões”, explica.

João Paulo Schlittler - Foto: Arquivo pessoal

As principais referências da pesquisadora para produzir sua animação vêm de autores indígenas: A Queda do Céu (2010), de Davi Kopenawa Yanomami e Bruce Albert, e as ideias de Ailton Krenak. A primeira é um livro constituído por relatos de Kopenawa recolhidos pelo etnólogo Albert. Além de outros temas, a obra aborda um sonho do indígena de criança, que ele interpreta como um sinal de vocação ao xamanismo.

A segunda referência está ligada ao modo de ver o mundo de Krenak e os questionamentos que ele levanta sobre a humanidade. Kelly explica que se baseou na frase dita por ele em palestras e também presente no livro Ideias para adiar o fim do mundo (2019). “Por que nos causa desconforto a sensação de estar caindo? […] por que estamos grilados agora com a queda? […] Vamos pensar no espaço não como um lugar confinado, mas como o cosmos onde a gente pode despencar em paraquedas coloridos”.

Na animação, um menino indígena caminha por uma floresta quando se depara com uma onça que começa a persegui-lo. O menino sobe em uma árvore e continua a ser seguido pela onça. Ao chegar no topo, ele pula e, em sua “queda para o alto” aparece um paraquedas colorido no qual ele sobrevoa até o outro lado de um rio. “O que eu quis dizer na animação é que, além daquilo que a gente pode encontrar, da situação sem saída, existe sempre uma nova perspectiva, uma nova possibilidade. A gente pode encontrar uma nova saída na encruzilhada existencial que a gente está vivendo”, relata a autora.

“O meu desejo é divulgar essa outra perspectiva de mundo, essa cosmovisão que é diferente, e sair dessa visão eurocêntrica, pensar em outras formas de saberes e de existir. Os saberes dos povos originários daqui da América, mas também de tantos lugares, têm muito a ensinar e mostrar para a gente quais os caminhos a seguir. Meu desejo é contribuir para levantar essa questão também no meio acadêmico e onde mais esse meu trabalho puder chegar.”

Os personagens principais, o menino indígena e a onça, são os únicos feitos de massa de modelar na animação – Imagem: Reprodução/Student Animation Showcase

Processo de produção

Além do curta-metragem, Kelly também desenvolveu a pesquisa teórica que embasou sua produção. Seu trabalho teve como foco a concepção do mundo na perspectiva indígena, narrativas míticas e outros modos de conhecimento.

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Quanto ao processo de produção da animação, ela explica que depois de escolher o tema, criou um roteiro e decidiu a técnica que utilizaria no curta. Todo o cenário foi feito em 2D (duas dimensões) e os personagens animados, em stop motion (capturas de imagens estáticas reproduzidas em sequência).

A pesquisadora conta que, como mora em Cabreúva, interior de São Paulo, não pôde se locomover com frequência até a USP, e acabou montando um estúdio em casa onde fez as cenas do projeto. “Na hora de fazer o cenário eu queria que fosse algo que tivesse um traço bastante manual, que fosse algo que mostrasse esse lado artesanal, não queria nada que fosse muito computadorizado”, diz.

Kelly se formou em Artes Visuais na ECA neste ano e, atualmente, faz mestrado na área de Design de Animação na Universidade Anhembi Morumbi. Ela conta que pretende continuar com sua pesquisa e produzir outra animação a partir do convívio com a comunidade indígena Guarani Mbyá da região de São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo.

Student Animation Showcase

A Animation Student Showcase é uma iniciativa anual organizada pela Animation Educators Forum (AEF), comunidade internacional de professores e profissionais de animação, filiada ao International Animated Film Society (Asifa-Hollywood). A exibição deste ano teve a participação de 133 curtas-metragens individuais de 21 diferentes universidades.

 

*Texto de Rosiane Lopes, do LAC – Laboratório Agência de Comunicação

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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