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Primeira Diversitech da USP, startup quer ampliar o repertório de diversidade real das empresas
Juntando tecnologia e diversidade, a Mais Labs reúne estudantes que vivem a pluralidade na pele, propondo soluções para grandes projetos e pequenos empreendedores
Grupos sociais sub-representados, antes vistos como marginalizados e vulneráveis, estão no radar do mundo corporativo. A DEI – Diversidade, Equidade e Inclusão – deixou de ser uma ação isolada das empresas e passou a ser contabilizada como vantagem competitiva no mercado. Entre a defesa moral e a possibilidade de ganhos financeiros, a pluralidade de pessoas configura um desafio de mudança interna na cultura organizacional.
“Por muito tempo, a diversidade foi viabilizada pelo cunho social, pensando nos 5% de PCD [pessoas com deficiência] ou em premiações para quem contratasse pessoas negras. Mas, empresas que têm um quadro diverso são mais rentáveis. Então, não estamos mais falando de um viés social; estamos falando de um viés tecnológico”, afirma Maria Claudia Miranda Cardoso, estudante de Marketing da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP Leste. Mulher preta e trans, nascida no interior da capital, Maria é fundadora e diretora executiva da Mais Labs – primeira startup incubada na USP que tem a diversidade como uma tecnologia. Além dela, todo o time é composto de estudantes de Marketing e Ciências da Natureza que representam com fidelidade a marca: mulheres e pessoas LGBTQIAP+.
Maria Claudia Miranda Cardoso - Foto: Reprodução/LinkedIn
A iniciativa recebeu investimentos do Programa Santander USP de Inovação e Empreendedorismo, mas nasceu nos moldes de um Laboratório de Diversidade e Marketing, tendo professores da EACH como mentores em um projeto de iniciação científica. Com o apoio recebido por meio de bolsas, o grupo desenvolveu um plano de negócios articulado para prestar consultoria na implementação de projetos e mentoria a gestores e interessados. “Somos também um hub de educação. Nas nossas redes sociais, você encontra conteúdos informativos com qualidade técnico-científica e o diferencial de convidar especialistas na área para conversas e levar conhecimento ao público”, explica Maria, contando ainda que devem lançar um podcast em breve.
Em sua versátil trajetória profissional, a fundadora da Mais Labs acumula um curso técnico de Mecânica no Senai e uma formação musical no prestigiado Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos, de Tatuí. Atualmente, ela também é embaixadora do Women’s Music Event, plataforma brasileira de música, negócios e tecnologia focada no protagonismo feminino. Para ela, um ambiente corporativo diverso amplia as propostas de solução e abrange as possibilidades de identificação do público.
Ela lembra, porém, que é necessário que os gestores lidem de maneira mais apropriada e coerente com a diversidade dentro das organizações. Como exemplo, ela cita: quais são as expressões corretas a serem usadas? Quais são as dores e contextos de cada pilar de diversidade presentes na sociedade (etnia, gênero, LGBTQIAP+, idade, conflitos de gerações, PCD) e suas respectivas soluções? Além da preocupação com a apropriação cultural indevida. “Ano passado, uma varejista de sapatos lançou uma linha de produtos inspirados na África e colocou uma mulher branca como personagem central da campanha. Isso é péssimo para a marca”, alerta.
Dados da McKinsey & Company constataram que a diversidade étnica racial e de gênero dão às empresas 35% e 15% mais chances de terem rendimentos acima da média. Além disso, 64% dos millenials – nascidos a partir da década de 1980 – não trabalhariam para corporações sem uma política efetiva de responsabilidade social.
O nível de exigência também afeta investidores e o perfil de empresas que priorizam para comprar ações. Entre 2016 e 2018, mais de US$ 30 trilhões foram investidos em produtos e serviços responsáveis com questões ambientais, sociais e de governança – a chamada ESG. Para uma pesquisa da PwC em 2020, 77% dos investidores disseram que planejavam interromper a compra de produtos “não ESG” em até dois anos. Uma análise da Bloomberg prevê que ativos ESG podem atingir US$ 53 trilhões até 2025.
Por outro lado, uma série de seis estudos publicados na Harvard Business Review sugere que a maneira como uma organização fala sobre diversidade pode ter um grande impacto em sua capacidade de realmente atingir suas metas de diversidade, equidade e inclusão. Utilizando um algoritmo de aprendizado de máquina, o estudo identificou que aproximadamente 80% das organizações justificavam que a diversidade era importante para os negócios. E menos de 5% justificavam a diversidade com base na justiça e na igualdade de oportunidades. No entanto, a retórica que apresentava a diversidade como um fim em si mesmo se mostrou menos prejudicial a candidatos sub-representados. No caso da leitura da diversidade enquanto um ativo para a economia, os participantes relataram um sentimento 11% menor de pertencimento à empresa, ficaram 16% mais preocupados com a possibilidade de serem estereotipados na empresa e foram 10 % mais preocupados que a empresa os veja como intercambiáveis com outros membros de seu grupo de identidade.
A Mais Labs carrega com orgulho o case de sucesso da II Expo Internacional Dia da Consciência Negra, promovida em novembro de 2022 pela Prefeitura de São Paulo em parceria com a Secretaria Municipal de Relações Internacionais, o Farol Antirracista de São Paulo e a SPTuris. O evento recebeu cerca de 20 mil pessoas no Expo Center Norte, na capital paulista. De acordo com a startup, 85% dos visitantes souberam do evento a partir de estratégias de marketing digital promovidas por eles. “Trabalhamos junto da prefeitura a pedido da Marta Suplicy, que é muito aliada das causas negras – inclusive ela assinou o decreto que criou o Dia da Consciência Negra em São Paulo e criou este megaevento. Nós mapeamos os problemas da primeira edição, fizemos um rebranding da marca para levar o evento até a população negra, a mais interessada”, afirma a CEO da Mais Labs. “É importante ter uma equipe de diversidade por trás desse projeto, para que a comunicação seja efetiva”, destaca.
Vivendo cotidianamente em um bairro periférico de São Paulo, os estudantes envolvidos com a Mais Labs não esquecem das origens. Sonham em ser a maior Diversitech do Brasil, mas também dividem o tempo prestando consultorias gratuitas a pequenos empreendimentos dos arredores de São Miguel Paulista, na zona leste da capital. Para se esticar dessa forma, é preciso ser grande. “Mapeamos empresas que estão em situação de vulnerabilidade, empreendedores que jamais vão ter dinheiro para pagar uma empresa de marketing”, conta João Carlos Lima, diretor de marketing da Mais Labs e diretor de projetos na empresa Marketing Júnior USP. “Queremos estimular os pequenos empreendimentos de mulheres, de pessoas pretas, de pessoas LGBTs da mesma forma que faríamos para um projeto pago. Entendemos que precisamos ser um impacto na zona leste, não só no centro”, acrescenta Maria.
João Carlos Lima - Foto: Reprodução/LinkedIn
Recentemente, o grupo foi alvo de uma ação violenta durante um webinário promovido para informar e celebrar o Mês da Visibilidade Trans. “Isso só reforça a necessidade de nos unirmos para combater diariamente repressões e preconceitos como estes ataques que tivemos”, informaram em nota. Denominado Mais Talks: Diversitech como Disrupção, o encontro on-line pretendia reunir diferentes pessoas para dialogar sobre o impacto de ações afirmativas, e de que forma elas são ferramentas em potencial para renovar ambientes e métodos de serviço.
“Qual foi a última coisa que você fez desde que você começou a fazer? Algumas mudanças são difíceis, mas até o clássico pode ser revisitado. A gente também não se encaixa em todas as minorias, mas podemos aprender o que fazer naquele ambiente para torná-lo realmente consciente e sustentável”, afirma Maria.
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