Mesmo que o acesso ao ensino superior tenha se expandido, instituições e cursos de graduação com melhor desempenho continuam sendo mais frequentados por indivíduos de classes altas. Os estudantes de classes baixas precisam se adaptar para conseguirem concluir a graduação. É o que mostra a dissertação de mestrado de Alice Assis de Figueiredo Roza, feita na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Defendido em agosto deste ano, o estudo foi intitulado As políticas de expansão e democratização da educação superior no Brasil reduziram desigualdades? Análise do perfil socioeconômico dos concluintes dos cursos de graduação no período entre 2011 e 2019. A pesquisa foi realizada no âmbito do programa de pós-graduação em Ciência Política e teve orientação da professora Marta Teresa da Silva Arretche, da FFLCH.
A pesquisa mostrou como estudantes de baixa renda ainda possuem pouco acesso a cursos considerados elitistas e a instituições classificadas com maior qualidade. Alice buscou analisar a desigualdade no ensino superior, principalmente em relação ao curso e ao tipo de Instituição de Ensino Superior (IES) em que o aluno concluiu a graduação.
Diferença entre as instituições
Mesmo que a Lei de Cotas tenha validade apenas em instituições públicas, as privadas também apresentaram aumento da inclusão entre 2011 e 2019, devido ao aumento da quantidade de instituições particulares, segundo o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). A pesquisa englobou três ciclos: 2011 a 2013, 2014 a 2016 e 2017 a 2019.
Outro ponto estudado por Alice é como a qualidade dos cursos muda de acordo com a instituição, segundo índices do Enade. “Quando analisamos o desempenho em questão de qualidade do curso em que o estudante está se formando, as universidades federais se destacam de forma absurda. A maioria é uma média acima de quatro no Enade. Já nas universidades privadas, as notas são mais baixas”, explica a pesquisadora.
Estudante de baixa renda
A partir das particularidades apresentadas por cada instituição, um aluno de baixa renda, muitas vezes, precisa escolher entre a possibilidade de trabalhar durante a graduação ou se formar em uma instituição de maior qualidade. Segundo Alice, políticas de assistência podem auxiliar os estudantes, mas elas ainda são muito pequenas comparadas à demanda.
“Nas instituições privadas, muitos estudantes trabalham e sustentam a família. Já a maioria desses estudantes da IES pública não trabalha, dependendo da família para custear os gastos pessoais. Eles têm perfil muito parecido ao de quem, por exemplo, é de alta renda e veio da escola privada”, afirma a pesquisadora. Ela ainda destaca que muitos cursos em instituições públicas oferecem atividades em tempo integral, o que dificulta a conciliação com o trabalho remunerado.
Com 57 cursos de graduação analisados, Alice percebeu que eles apresentaram dinâmicas diferentes mesmo com a Lei de Cotas. Segundo a pesquisadora, ainda existem alguns cursos que são um pouco elitistas. Mudaram em comparação ao que eram antes, mas ainda assim apresentam um perfil de estudante bem diferente dos outros.
De acordo com a pesquisa, Medicina, o curso mais concorrido nos vestibulares do Brasil, manteve o perfil de alta renda como maioria dos concluintes. Relações Internacionais, Design, Engenharia da Computação, Engenharia e Engenharia Química são outros cursos que também mantiveram essa predominância. Mas, entre 2011 e 2019, todos tiveram maior distribuição de vagas entre os diferentes perfis. Segundo a pesquisa, a maior parte desses cursos também manteve maiores notas, melhor desempenho acadêmico e melhor qualidade no Enade.
Por outro lado, cursos como Serviço Social, Letras e Filosofia apresentam maior porcentagem de alunos com perfil de baixa renda e de pretos, pardos e indígenas. Muitos dos estudantes também fizeram as graduações na modalidade educação a distância (EAD).
Igualar oportunidades
Com tanta desigualdade no ensino superior, Alice ressalta a necessidade de oferecer oportunidades semelhantes a todos para que estudantes de baixa renda não se concentrem apenas em instituições com conceito Enade mais baixo.
A pesquisadora também explica que a desigualdade impacta no mercado de trabalho. “É difícil medir, mas sabemos que a qualidade da instituição apresenta um impacto muito grande na rede de contatos e nas oportunidades que a pessoa vai ter ao longo da graduação”, diz.
Ela ainda exemplifica: “Uma pessoa que concluiu a graduação em um curso que recebe, por exemplo, a nota 5, significa que aquele curso está fornecendo uma boa base para aquela pessoa. Um outro ponto interessante é que existem universidades que têm melhor reputação no mercado de trabalho e cursos que são mais valorizados pelo mercado”.
* Com texto de Thais Morimoto, da Assessoria de Comunicação da FFLCH