Evasão na graduação da USP é de 17%, mas número varia muito por curso

Pesquisa investigou fatores relacionados à evasão na turma de 2018, a primeira com cotas sociais e raciais

 15/08/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 18/08/2023 às 9:19

Texto: Silvana Salles
Arte: Carolina Borin*

Estudantes circulam pela Praça do Relógio. Estudo aponta que fatores desde a cidade onde o curso é oferecido até o desempenho dos estudantes afetam a taxa de evasão - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Resultados de uma pesquisa recente mostram que a taxa geral de evasão da graduação na USP é de 17,41%, menor que a das universidades federais ou a do conjunto do sistema brasileiro de ensino superior. Contudo, quando se observa cada curso, as taxas de evasão são bastante heterogêneas, variando de zero a 54%. Os números são referentes à turma que entrou na graduação em 2018, a primeira com cotas de ação afirmativa na USP, e acompanham a trajetória dos estudantes por cinco anos, até 2022.

Dados sobre as trajetórias dos ingressantes de 2017 disponíveis no painel do Censo da Educação Superior, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) mostram que a taxa de desistência acumulada até 2021 atingiu 39% nas universidades federais e 59% nas privadas.

Segundo Luis Pedro Polesi de Castro, que desenvolveu a pesquisa para sua dissertação de mestrado no programa de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o objetivo do estudo foi compreender como a evasão se relaciona com as desigualdades entre os diferentes perfis de estudantes.

“O fim da política, pensando o que é uma universidade, é que ela vai formar alunos, formar pessoas com seus graus de ensino superior. Logo, o fim da política de ação afirmativa tem que ser esse, que lá no fim a desigualdade seja reduzida entre pessoas formadas, com as diferentes origens. Se no momento que você tira a foto da entrada você vê uma diversidade maior, isso não é suficiente se lá no final do curso você tirar a mesma foto e essa diversidade não se manter”, reflete Luis Pedro.

Luis Pedro Polesi de Castro - Foto: Arquivo Pessoal

Luis Pedro Polesi de Castro - Foto: Arquivo Pessoal

O que diz a pesquisa, em cinco pontos

    • A evasão geral na USP chega a 17%, número muito menor que o do conjunto de todas as instituições de ensino superior brasileiras.

 

    • Quando se olha para cada curso, a taxa de evasão na USP é muito heterogênea. Alguns cursos de graduação não têm evasão. Em outros, mais da metade dos ingressantes evadem.

 

    • Existe um perfil médio do estudante mais propenso a evadir. Ele é homem, negro, tem renda familiar mais baixa e chegou à Universidade na faixa etária dos 20 aos 40 anos. No entanto, essas características pessoais não são suficientes para explicar a evasão em todos os cursos de graduação.

 

    • Os cursos com as maiores taxas de evasão são aqueles nos quais há muitas reprovações em disciplinas de matemática.

 

    • Conhecer detalhadamente os fatores que influenciam na decisão dos estudantes em abandonar seus cursos pode ajudar a melhorar políticas públicas de permanência.

O estudo mapeou o perfil dos ingressantes na USP de 2018 no período analisado (2018 a 2022) - Fonte: Dados fornecidos pela PRG-USP e elaborado pelo pesquisador Luis Pedro Polesi de Castro

A professora Marta Arretche, que orientou o trabalho de Luis Pedro na FFLCH, destaca que a pesquisa resolveu alguns problemas técnicos na mensuração da evasão na Universidade, o que revisou o número geral para baixo. “A taxa de evasão da USP, que era estimada em 25%, na verdade é bem menor. Ela é de 17%. Mais do que isso, ela é muito inferior à taxa das federais e muito inferior à taxa do conjunto do sistema quando você inclui também as privadas, que é acima de 60%. O resto do sistema é uma barbaridade, é uma máquina de jogar gente para fora”, diz a docente.

De volta à USP, quando se olha para a evasão por cursos, vários fatores afetam os resultados, desde a cidade onde o curso é oferecido – São Paulo e Santos têm taxas de evasão maiores que os campi do interior – até o desempenho médio dos estudantes, medido pelas notas ponderadas semestrais.

“Tem cursos em que a evasão é explicada pelo fato de que eles têm uma grande quantidade de alunos propensos a evadir. Os cursos que atraem mais alunos típicos de evadir, que são homens, mais velhos, negros, de mais baixa renda, terão uma maior taxa de evasão. Mas há cursos que têm uma taxa de evasão que não é explicada por isso. É mais o caso dos cursos que têm uma alta taxa de reprovação por matemática”, explica Marta.

Outro padrão observado pela pesquisa é que as evasões tendem a se concentrar mais no primeiro e no segundo anos da graduação. Na opinião de Luis Pedro, o choque de entrada no ensino superior parece ser maior justamente em cursos como física, química e matemática.

Marta Arretche - Foto: Arquivo Pessoal

Marta Arretche - Foto: Arquivo Pessoal

Sete cursos com zero evasão na turma de 2018, até 2022

Bacharelado – Instrumento de Cordas Dedilhadas (ECA)

Bacharelado em Música – Instrumento de Sopro (ECA)

Bacharelado em Música – Instrumento de Teclado (ECA)

Bacharelado em Música – Instrumento Percussão (ECA)

Ciclo Básico em Composição ou Regência (ECA)

Bacharelado em Jornalismo (ECA)

Nutrição e Metabolismo – Ribeirão Preto (FMRP)

O líder em evasão

Bacharelado em Matemática Aplicada e Computacional (IME) – 54%
“O pior desempenho no começo está mais relacionado com uma probabilidade de evasão e acho que isso é um achado para que as políticas de integração e até pedagógicas possam ser pensadas para fazer com que esse salto do ensino médio para graduação seja menos traumático”, opina o pesquisador.

Políticas de permanência orientadas por evidências

Embora já seja conhecido o sucesso das políticas de ação afirmativa em colocar para dentro da universidade pública estudantes mais vulneráveis, ainda há poucos estudos sobre as dificuldades que esses estudantes encontram para se manter em seus cursos.

Para descrever essas trajetórias focando no problema da evasão, Luis Pedro combinou dados da Fuvest e do SiSU – como idade, gênero, perfil socioeconômico e nota de ingresso no vestibular – com dados sobre o desempenho semestral dos estudantes, trancamentos e abandono de curso.

A professora Marta Arretche já vinha estudando parte desses dados há algum tempo, a fim de compreender se a concessão de bolsas de estudo impacta o desempenho acadêmico dos cotistas vindos de escolas públicas e os autodeclarados pretos, pardos e indígenas. As bolsas desse programa piloto foram doadas pelo Itaú-Unibanco, que entrou em contato com a docente para fazer uma avaliação dessa intervenção.

“Eu fiz o acompanhamento do desempenho escolar desses alunos. O estudo mostrou que primeiro os alunos EP e PPI, de fato, eles entram mais atrás, mas depois eles recuperam o tempo perdido ao longo do curso. As bolsas são muito úteis para os alunos. O [piloto] teve alguma repercussão no setor privado e é isso que dá origem ao programa da reitoria hoje, que é o USP Diversa”, conta Marta.

O estudo de Luis Pedro tem algumas limitações, incluindo o fato de ter acompanhado uma única turma, com um contexto muito específico. Além de ter sido a primeira com ingressantes cotistas, a turma de 2018 também enfrentou a emergência sanitária causada pela pandemia de covid-19. Além disso, ao final de 2022 nem todos os ingressantes de 2018 haviam concluído seus cursos, portanto ainda é possível que alguns abandonem a graduação sem concluí-la.

A idade média dos alunos é 21,2 anos, em uma distribuição assimétrica positiva. Metade dos estudantes tem menos de 19,1 anos e 75% menos do que 21, 5 anos. Quanto maior a idade, maior é a taxa de evasão. Entre os 20 e os 40, há uma tendência de aumento significativo da evasão. A partir dos 40, há uma tendência de queda, embora menos significativa - Fonte: Dados fornecidos pela PRG-USP e elaborado pelo pesquisador Luis Pedro Polesi de Castro

A taxa de evasão é superior nos grupos associados às modalidades de ação afirmativa. A tabela também mostra a renda per capita média de cada modalidade de ingresso. Alunos que ingressam pela ampla concorrência têm, em média, renda superior aos demais - Fonte: Dados fornecidos pela PRG-USP e elaborado pelo pesquisador Luis Pedro Polesi de Castro

Mesmo assim, a ideia é que o conhecimento produzido possa ser utilizado para melhorar as políticas de integração e permanência. “Eu acho que a USP está assumindo uma posição de liderança mesmo nessa área. Então, é de se esperar que tome decisões com base em evidências. O que a gente quis fazer é isso, é colaborar com evidências para ajudar quem toma a decisão”, completa a docente.

O pró-reitor de Graduação da USP, Aluisio Augusto Cotrim Segurado, afirma que a atual gestão da Universidade tem dado atenção à questão da evasão dos cursos de graduação. Em maio, a pró-reitoria apresentou indicadores sobre o tema em uma sessão temática do Conselho Universitário.

“O estudo desenvolvido pelo pós-graduando Luis Pedro é importante ao buscar identificar fatores associados a maior evasão, quer sejam dependentes de condições pré-existentes ao ingresso na Universidade (perfil sociodemográfico do estudante, formação pré-universitária, procedência entre outros) ou relacionados à própria vivência do estudante na USP (proposta pedagógica do curso, desempenho acadêmico no inicial, questões de saúde mental ou de relacionamento interpessoal). Cabe ressaltar, ainda, a necessidade de seguir investigando o tema, acrescentando dados relativos à integração social e/ou acadêmica dos estudantes, para que possamos ampliar a compreensão sobre a evasão e buscar desenvolver ações institucionais para reduzi-la”, diz Segurado, que foi integrante da banca examinadora de Luis Pedro.

Aluisio Augusto Cotrim Segurado - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Aluisio Augusto Cotrim Segurado - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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