De origem periférica, jovem talento da música se torna professor de regência na Alemanha
Nascido em Mogi das Cruzes, em São Paulo, Luiz de Godoy se graduou na USP e agora integra o Departamento de Música Sacra da Hochschule, em Hamburgo; músico já escutou de professor que não tinha futuro no palco
Em 2019, Godoy se tornou diretor artístico do coral Meninos Cantores de Hamburgo – Foto: Reprodução/Facebook Hamburger Knabenchor
Aos 35 anos, o pianista de formação assume uma cadeira na instituição alemã. Para ele, estar no cargo significa firmar um compromisso com uma postura pedagógica socialmente comprometida. “É bom ter a possibilidade de interferir no sistema por dentro dele”, afirma. Luiz conta já ter ouvido de um professor no Brasil que ele não tinha futuro no palco, e acredita que comentários como esse exibem o despreparo pedagógico dos professores de música, que executam a arte com maestria, mas nem sempre estão bem preparados para ensinar.
Quanto às expectativas para o cargo, Luiz demonstra animação: “O ano letivo aqui começou agora em outubro e tem sido uma experiência muito enriquecedora”. O reconhecido Departamento de Música Sacra da Hochschule está sediado na cidade de Hamburgo, que foi visitada pelo compositor Johann Sebastian Bach durante seus estudos.
Luiz de Godoy - Foto: Arquivo Pessoal
O professor reconhece que o curso de música ainda é bastante restrito a poucas pessoas, “tanto pela necessidade de uma formação prévia à graduação, quanto pela dedicação em tempo integral requerida”, mas vê espaço para a atuação docente. “Dando apenas uma matéria, a de regência orquestral, não posso fazer muito, mas espero fazer tudo o que estiver ao meu alcance para valorizar a vontade e o empenho dos alunos, neutralizando como possível a influência de suas origens sociais — a partir do reconhecimento delas, claro, e não da sua negação”.
Luiz de Godoy em uma apresentação enquanto criança - Foto: Arquivo Pessoal
Luiz de Godoy e turma de crianças em ensaio do Hamburger Knabenchor - Foto: Reprodução/Facebook/Hamburger Knabenchor
De Mogi para o Carnegie Hall
Os estudos formais de música de Luiz tiveram início na Escola Municipal de Música de São Paulo, onde participou das aulas de Renato Figueiredo, também ex-aluno da USP. Quando ingressou no bacharelado em piano na ECA, em 2006, era morador de Mogi das Cruzes e enfrentava uma viagem diária nos trilhos dos trens até a Universidade. Seu primeiro contato com o idioma alemão ocorreu num curso de idiomas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP . Em 2009, foi bolsista pelo programa de bolsas Fulbright, patrocinado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, e, a convite do departamento, visitou o país para estudar e se apresentar em Boston, Nova Iorque, Washington e Tanglewood.
Após graduar-se em piano pela ECA, Luiz concluiu seu mestrado em piano solo em Castelo Branco, Portugal, e em Colônia, Alemanha. Foi vencedor do Prêmio Erwin Ortner como destaque da música coral austríaca (2016) e do Prêmio de Honra da Academia de Música de Viena, em 2019. Em 2013, foi admitido no Diplomstudium, curso de pós-graduação que garante o grau de mestre, em regência orquestral e regência coral na Universidade de Música e Artes Performáticas de Viena. Mudou-se para Hamburgo em 2019 para trabalhar na Ópera Estatal com o objetivo de criar um departamento de coros infanto-juvenis e dirigir produções de ópera.
Em 2021, Luiz dirigiu um concerto junto à Orquestra da NDR Elbphillarmonie e se apresentou ao rei Charles da Inglaterra. Desde então, o pianista e regente é diretor artístico dos Meninos Cantores de Hamburgo. Em 2022, realizou uma turnê em São Paulo com a Orquestra Sinfônica da USP (Osusp). Atualmente, trabalha com Kent Nagano, renomado regente estadunidense, em uma turnê por diversos países, iniciada no palco do Carnegie Hall de Nova York em abril de 2023.
Condução brasileira
A diferença entre os países também é notada pelo enaltecimento geralmente feito à música produzida no continente europeu, que seria “supostamente mais educada e culta”, segundo o músico, e isso exige uma postura de luta por reconhecimento por parte dos músicos não europeus.
No Brasil, os enfrentamentos também não são poucos. A visão de que os músicos clássicos são “colonizados” também é frequente. “A gente vai se tirar o direito de fazer algo que aprendemos a gostar, num ciclo de castração perpétua? A arte europeia já não é uma arte nossa?”, questiona.
Como um estrangeiro fazendo música clássica no berço desta arte, o pianista e regente sabe, no entanto, que suas origens raciais e culturais jamais podem ser ignoradas. “Ou a gente escolhe fingir que é europeu ou a gente permanece brasileiro. No meu caso, negro, não tenho outra opção – e jamais desejaria outra coisa”.
*Do LAC – Laboratório Agência de Comunicação da ECA. Editado por Tabita Said
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
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