Cena do curta-metragem Azul Apneia, produzido pelo Grupo Noite em Queda - Foto: Reprodução

Sonhos na quarentena dão origem a curtas de animação

A ideia partiu de duas alunas da USP e resultou nos filmes Azul Apneia e Tão Azul Como Antes, disponíveis na plataforma Youtube

 07/06/2022 - Publicado há 2 anos

Texto: Claudia Costa

Arte: Guilherme Castro

Em 2020, no início da pandemia de covid-19 que levou as pessoas ao isolamento, as então alunas do curso de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP Luana Pantaleoni e Krol Borges iniciavam seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que tinha como objetivo retratar, através do teatro de animação, experiências oníricas vivenciadas durante a quarentena. Depois de dois anos, o projeto cresceu, ganhou novos integrantes, gerou a formação do Grupo Noite em Queda e o que era para ser uma peça acabou resultando em dois curtas-metragens que estão disponíveis no site do grupo e na plataforma Youtube: Azul Apneia Tão Azul Como Antes. Os filmes têm bonecos como personagens e incluem técnicas do teatro de animação.

Embora o começo do trabalho tenha se baseado em sonhos das próprias alunas, na etapa final foram incluídos depoimentos de pessoas que contaram suas experiências através de um formulário on-line criado por elas. Segundo Luana e Krol, era preciso examinar como a pandemia afetou a todos. “Estávamos imersos em uma situação extremamente desconfortável e comum a todos, e isso com toda certeza fez com que um imaginário coletivo se instaurasse, vazando nos sonhos. Muitos sonhos de asfixia, afogamento, medo, sonhos em que pessoas saíam sem máscaras sem perceber e ficavam desesperadas, sonhos de perdas e de encontros inusitados”, enumera Luana.

Cerca de 200 sonhos foram compartilhados no projeto. Mas não houve preocupação em retratar fielmente os sonhos relatados, e sim de extrair deles “as experiências sonhadas”.

Desafios do isolamento

Para as então alunas, o maior desafio foi a pandemia. Devido às restrições sanitárias, as filmagens do primeiro trabalho precisaram ser realizadas em casa, e separadamente. Montar dois cenários iguais, com bonecos idênticos, foi outro grande desafio. E ainda havia cenas de alagamento, que só permitiam uma tomada – ou seja, só havia uma chance de acerto, já que quando o material fosse molhado não seria possível recuperá-lo. 

Azul Apneia, com dez minutos de duração, tem um tom angustiante e traz um pequeno ser que sofre com o enclausuramento. “Azul Apneia foi produzido totalmente de forma remota, cada uma em sua casa, e demorou exatamente uma semana para ser filmado. Obviamente, tivemos meses de preparação de material, mas a gravação em si foi rápida. Levamos mais um mês de pós-produção. Não tínhamos nenhuma verba e precisávamos pensar em materiais baratos que dessem conta de todos os efeitos criados no curta, incluindo o quarto alagado”, conta Luana.

O segundo curta, Tão Azul Como Antes, que tem 24 minutos de duração, foi gravado em quatro locações diferentes, mas ainda em meio às incertezas da pandemia. Utilizando a praia da Barra do Sahy, em São Sebastião (SP), como um dos cenários, a produção se deparou com um local lotado, com centenas de pessoas sem máscara. Finalizado em julho de 2021, sua narrativa é um pouco mais otimista: a protagonista inicia sua jornada em uma estação de metrô carregando um volume peculiar, e ao longo do caminho ela vai se desfazendo, enquanto se depara com vários obstáculos, mas, no final, encontra uma esperança. “Em Tão Azul Como Antes, gravamos presencialmente, durante dois finais de semana muito  intensos. A proporção do projeto era muito maior, e isso foi também um grande desafio. As cenas eram mais extensas, os bonecos eram maiores, o curta é mais longo, e isso envolve uma grande produção. Também levamos mais ou menos um mês na pós-produção”, relata Krol.

Foto: Reprodução/
Sonhos de uma noite de quarentena

Luana Pantaleoni

Foto: Reprodução/
Sonhos de uma noite de quarentena

Krol Borges

Fotos: Reprodução/
Grupo Noite em Queda

“Experiências sonhadas"

Como o Grupo Noite em Queda descreve no seu site, o objetivo não era lidar com os sonhos de forma idealista, mas sim usá-los como “disparadores poéticos”. “Não queríamos trabalhar de forma objetiva. Não buscamos o ‘onirismo feito pó’, mas sim o onirismo feito mar, gigantesco, em que podemos escolher onde mergulhar e o quão profundo nos afundar”, disse Luana ao Jornal da USP. Segundo ela, as principais inspirações para o trabalho foram o filme Sonhos, do cineasta japonês Akira Kurosawa (1910-1998), as animações do Studio Ghibli, do Japão, e as produções teatrais do francês Philippe Genty, considerado o criador do moderno teatro de fantoches.

Tudo começou com o filme de Kurosawa, que reúne oito episódios a partir de sonhos e pesadelos que o cineasta teve durante sua vida. E para isso o diretor se utiliza do universo fantástico, assim como o teatro de animação. Como Luana e Krol escrevem no site do grupo – reproduzindo trecho do TCC -, “um boneco pode voar, pegar fogo, perder um membro e mesmo assim continuar vivendo e fazendo parte de uma narrativa, ou seja, podemos replicar tudo o que acontece num sonho, por mais extraordinário que pareça”. Além disso, “a lógica e o tempo a que estamos acostumados enquanto estamos acordados se esvai, dando lugar a um teatro sem as amarras dos limites corporais e conscientes. Teatro de animação e sonhos convergem e se cruzam em inúmeros aspectos, o que tornou a temática tão interessante para a nossa pesquisa”. No texto, elas citam o médico austríaco Sigmund Freud (1856-1939), o fundador da psicanálise – para quem os sonhos são a porta do inconsciente -, e Philippe Genty, que diz que a marionete possui o poder de abrir “uma portinha” para o nosso subconsciente.

Os filmes produzidos pelo Grupo Noite em Queda estão disponíveis na plataforma Youtube (Azul Apneia e Tão Azul Como Antes) e no site do grupo.


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