Seminário vai destacar a educação no pensamento de Lélia Gonzalez

Ideias da ativista pioneira na luta contra o racismo e a desigualdade de gênero no Brasil serão abordadas em evento que a Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica da USP promoverá no dia 14

 10/08/2023 - Publicado há 9 meses     Atualizado: 21/08/2023 as 11:53

Texto: Adrielly Kilryann*
Arte: Carolina Borin**

O pensamento da ativista e intelectual mineira Lélia Gonzalez é o tema do evento de abertura das atividades do semestre da Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica da USP - Fotomontagem: Jornal da USP - Imagens: Reprodução/Acervo Lélia Gonzalez via Instagram/Lelia Gonzalez Vive

“É uma felicidade abrir o semestre discutindo o pensamento de Lélia Gonzalez.” É o que diz Fabiana Lima, uma das curadoras do seminário A Educação no Pensamento de Lélia Gonzalez, que a Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica da USP vai promover no dia 14 de agosto, segunda-feira, das 9 às 17 horas, no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. O evento, que marca o início das atividades da cátedra neste segundo semestre, terá a participação de 15 pesquisadoras e pesquisadores de diferentes instituições de ensino do País (leia abaixo a programação completa do seminário). Haverá transmissão ao vivo através do canal da cátedra na plataforma Youtube

Uma das grandes intelectuais brasileiras do século 20, Lélia Gonzalez (1935-1994) contribuiu para a produção e promoção de questões sobre raça e gênero, principalmente nos âmbitos cultural e antropológico. Pioneira nos debates interseccionais entre desigualdades econômicas, de gênero e de sexualidade, Lélia valorizava os estudos e análises sobre as contribuições das culturas africanas e indígenas na formação cultural e intelectual do Brasil.

“Ela foi uma das primeiras mulheres negras a olhar para a questão das desigualdades raciais numa perspectiva complexa, múltipla, trazendo, inclusive, o que hoje chamamos de interseccionalidade, isto é, olhar para a desigualdade étnico-racial em diálogo com outras desigualdades”, ressalta Fabiana, que é doutora em Estudos Étnicos e Africanos pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). “Para mim, como  mulher e intelectual negra formada a partir dos saberes e do posicionamento político do movimento negro, ela é uma inspiração.”

Lélia Gonzalez se dedicou a estudar como a colonização dos povos portugueses e a implementação do português como língua oficial do Brasil foram diretamente influenciadas pelas marcas culturais e de oralidade dos descendentes africanos e indígenas, construindo hoje o português que falamos.

Fabiana Lima, curadora do seminário - Foto: Arquivo Pessoal

“Ela liga a luta política da população negra aqui no Brasil à luta política da população negra em toda a diáspora africana”, comenta Fabiana. “Os conceitos de ‘amefricanidade’, de ‘Améfrica Ladina’ e de ‘pretuguês’, que ela elaborou, olham para a história das Américas, sobretudo da América do Sul e do Caribe, sob a perspectiva das populações colonizadas, subalternizadas e racializadas como inferiores.” Esses conceitos – continua Fabiana – valorizam a perspectiva dos povos negros africanos e indígenas, constituindo uma identidade múltipla e inter-racial no continente.

Ainda segundo Fabiana, esses conceitos surgiram num momento em que a sociedade brasileira acreditava viver em uma democracia racial – o que não era verdade, reitera. “Ela traz, então, a discussão de que não vivíamos uma democracia racial, e sim um racismo por denegação (como ela chamava), isto é, que funciona muito mais pelo signo do silêncio do que por ações explícitas”, explica.

No seminário, os participantes da mesa de discussão O Pensamento de Lélia Gonzalez: Intersecções com o Campo da Educação, que acontece a partir 10h30, vão  analisar como cada uma dessas ideias concebidas por ela pode ser inserida no processo educativo e no entender sobre relações sociais, históricas e culturais brasileiras e “amefricanas”.

Fabiana adianta que, para analisar os conceitos abordados por Lélia Gonzalez no campo da educação, é preciso retomar uma expressão criada por Nilma Lino Gomes, intelectual negra e ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do Brasil: o movimento negro educador. “Os conceitos de Lélia vêm muito nesse sentido, do compromisso de reeducar a sociedade brasileira com relação às relações étnico-raciais”, conta a curadora.

É com esse propósito que outra mesa de discussão do seminário, Diálogos “Amefricanos”: a Natureza Pedagógica do Pensamento de Lélia Gonzalez, às 14 horas, reunirá cinco acadêmicas que incorporam as ideias de Lélia em suas metodologias de ensino. “Estamos trazendo pesquisadoras, professoras e gestoras que, na prática, se inspiram no tratamento e nas ações de Lélia para desenvolver ações pedagógicas de pesquisa, de extensão e de criação”, diz Fabiana, que será a debatedora da discussão.

A ativista mineira Lélia Gonzalez (1935-1994) - Foto: Wikipedia

Lélia de Almeida nasceu em Belo Horizonte (MG), em 1935, filha de uma empregada doméstica e um ferroviário. Migrou para a cidade do Rio de Janeiro em 1942, onde se formou em História e Filosofia na então chamada Universidade Estadual da Guanabara, a atual Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Foi professora na rede básica de ensino e no ensino médio e, posteriormente, fez mestrado em Comunicação Social e doutorado em Antropologia. Em 1978, passou a lecionar e a pesquisar na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. Sua permanência na universidade perdurou até 1994, ano de sua morte. O sobrenome Gonzalez veio do espanhol Luiz Carlos Gonzalez, com quem se casou.

Foi sob o contexto de fortes mobilizações contra a desigualdade e a discriminação racial e a luta pela igualdade e valorização da comunidade negra que Lélia realizou grandes feitos na década de 1970. Em 1975, a professora cofundou o Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN) da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, em atividade até hoje. 

Também deu início ao primeiro curso de Cultura Negra no Brasil, na Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage, além de ajudar a fundar o Coletivo de Mulheres Negras N’Zinga e a escola de tambores afro-brasileira Olodum.

Lélia teve papel fundamental na política feminina e negra ao estruturar o Movimento Negro Unificado (MNU), resistindo contra a ditadura militar e à discriminação racial. Em 1982, foi candidata a deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e, quatro anos depois, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).

Foi, ainda, autora de várias publicações, desde artigos até livros como Lugar do Negro (1982) e Festas Populares no Brasil (1987). O público pode conferir mais sobre a trajetória da intelectual em Abertura e Femenagem a Lélia Gonzalez, a primeira sessão do seminário A Educação no Pensamento de Lélia Gonzalez, às 9 horas. 

 

 

Lélia Gonzalez no projeto do Memorial Zumbi, durante ato solene em homenagem a Zumbi dos Palmares, em 20 de novembro de 1981 - Foto: Reprodução/Acervo Lélia Gonzalez via Instagram/Lelia Gonzalez Vive

Lélia Gonzalez e a ativista Angela Davis em encontro nos Estados Unidos, em 1984 - Foto: Reprodução/Acervo Lélia Gonzalez via Instagram/Lelia Gonzalez Vive

Reflexões sobre a ativista  

Confira a programação completa do seminário A Educação no Pensamento de Lélia Gonzalez, que a Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica da USP promove no dia 14 de agosto, segunda-feira, das 9 às 17 horas.

Primeira Sessão

9h às 10h20 – Abertura e Femenagem a Lélia Gonzalez

Convidados: Roseli de Deus Lopes (USP), Flávia Rios (UFF), Rubens Rufino (representante da família), Jurema Batista (política e ativista feminista negra), Gislene Santos (USP). Mediação: Ivanilda Amado (USP)

10h20 às 10h30 – Intervalo 

10h30 às 12h30 – Mesa 1: O pensamento de Lélia Gonzalez: intersecções com o campo da Educação

Convidados: Alex Ratts (UFG), Flávia Rios (UFF) e Matilde Ribeiro (Unilab/ex-ministra na SEPPIR). Debatedora: Matilde Ribeiro

12h30 às 14h – Intervalo

Segunda Sessão

14h às 16h30 – Mesa 2: Diálogos “Amefricanos”: a natureza pedagógica do pensamento de Lélia Gonzalez 

Convidados: Amarílis Regina Costa da Silva (GEPPIS/EACH-USP), Mara Catarina Evaristo e Maria das Mercês Vieira da Cunha (Núcleo das Relações Étnico-Raciais de Belo Horizonte), Jacqueline da Silva Costa (Unilab) e Elizabeth Viana (CMRJ). Debatedora: Fabiana Lima (UFSB)

16h30 às 17h – Resumo e conclusão do simpósio

Debatedores: Matilde Ribeiro, Bernardete Gatti (IEA/USP) e Luís Carlos de Menezes (IFUSP/IEA)

O seminário A Educação no Pensamento de Lélia Gonzalez, promovido pela Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica da USP, acontece no dia 14 de agosto, segunda-feira, das 9 às 17 horas, na Sala Alfredo Bosi do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP (Rua da Praça do Relógio, 109, Cidade Universitária, em São Paulo), com transmissão ao vivo através do canal da cátedra na plataforma Youtube. Grátis. Não é necessário fazer inscrição. Mais informações estão disponíveis no site da Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica e no site do IEA.

Cartaz de divulgação do seminário A Educação no Pensamento de Lélia Gonzalez - Foto: Divulgação/IEA-USP
Cartaz de divulgação do seminário A Educação no Pensamento de Lélia Gonzalez - Foto: Divulgação/IEA-USP

*Estagiária sob supervisão de 

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.