Guimarães também é o idealizador da Coleção Todos os livros de Machado de Assis, publicada pela Todavia em parceria com o Instituto Itaú Cultural. Trata-se de um box com tiragem limitada, trazendo os 25 livros publicados por Machado de Assis ao longo da vida, começando pela estreia, em 1861, com a peça Desencantos, e chegando ao último romance, Memorial de Aires, em 1908.
Todos os gêneros que o autor exercitou ao longo da vida aparecem na coleção: poesia, teatro, crítica, crônica, conto e romance. Os volumes são acompanhados de apresentações inéditas e um projeto gráfico que recupera as tipografias originais das publicações. Dentre os livros, há também um extra, intitulado Terras, que apresenta seu trabalho como servidor público, totalizando 26 volumes. Machado conciliou as letras a empregos nos Ministérios da Agricultura, do Comércio e das Obras Públicas.
A particularidade dessa coleção é que ela oferece ao leitor tudo o que Machado de Assis recolheu em livro, incluindo poesia, teatro, conto, romance, crônicas e textos de circunstância: prefácios, textos críticos e homenagens”, conta Guimarães. “Entre sua vasta produção, em grande parte publicada primeiramente em jornais e revistas sob dezenas de pseudônimos e assinaturas, Machado escolheu cuidadosamente o que queria que ganhasse o formato mais prestigioso e perene do livro.”Segundo o professor, a organização cronológica da coleção permite ao leitor observar o escritor Machado de Assis definindo seus temas, delineando seus personagens e construindo as situações que se tornariam recorrentes em seus escritos. Além disso, possibilita observar como os diversos gêneros praticados pelo autor se entrelaçam, já que, mesmo após a estreia no conto e no romance, Machado continuou a escrever e publicar poesia e teatro.
Em vez do Machado seccionado em fases, gêneros e escolas literárias, dividido em categorias muitas vezes colocadas em oposição – primeira versus segunda fase, romântico versus realista, romancista e contista versus poeta e comediógrafo, por exemplo –, acredito que a coleção oferece um Machado mais orgânico, mais inteiro”, explica Guimarães. “Talvez também mais irregular e mais contraditório, mas tudo que está ali foi feito pelo mesmo escritor que escolheu assinar todos os seus livros, publicados entre 1861 e 1908, com uma única assinatura: Machado de Assis.”Na coleção, o tema da negritude aparece sobretudo nas anotações que perpassam os volumes feitas pelo professor Paulo Dutra, da Universidade do Novo México, nos Estados Unidos. Segundo Guimarães, quase todos os livros trazem uma nota de rodapé produzida por Dutra, que chama a atenção do leitor para os modos como essas questões aparecem ou ficam sugeridas no texto. “É apenas um toque, que remete o leitor para os debates atuais, mas sem a pretensão de orientar a leitura”, explica o organizador.
Conforme revela o professor, os parâmetros fundamentais do trabalho foram a escolha da melhor edição publicada em vida do autor como edição-base, usando para tirar eventuais dúvidas a edição crítica da Comissão Machado de Assis – grupo formado em 1958 pelo governo federal com o fim de preservar a obra do escritor -, assim como as melhores edições póstumas. “Há notas de fim, quando se adotam soluções divergentes da edição-base e da edição crítica. E há notas de rodapé para palavras, referências ou citações não facilmente encontráveis nos bons dicionários da língua ou por meio de ferramentas eletrônicas de busca.
Outra preocupação – mais particular, mas não menos importante – que guiou a tarefa de Guimarães e da equipe editorial foi o esforço para manter a dicção original da escrita machadiana. A coleção procurou manter a pontuação das edições supervisionadas pelo próprio Machado de Assis, mesmo quando ela não se conforma às regras atuais da língua. “Nos seus textos, a pontuação nem sempre segue os princípios lógico-sintáticos a que estamos mais acostumados hoje. Muitas vezes a pontuação é retórica, sugerindo hesitação, ênfase, ambiguidade, ironia. As combinações que Machado faz de travessões, vírgulas, pontos e vírgulas e dois-pontos são muito peculiares, criam uma espécie de pauta musical e sugerem um ritmo de leitura”, explica o organizador.
Cada volume da coleção conta com uma apresentação baseada no roteiro que a Comissão Machado de Assis estabeleceu para a edição crítica, conta Guimarães, um projeto que teve início na década de 1950 mas não chegou a ser finalizado. “Neste caso, são mesmo apresentações que procuram oferecer informações precisas e úteis sobre cada livro, situando-o no conjunto da obra machadiana, na trajetória do escritor e no contexto literário e social em que foi escrito e produzido, além de indicar como aquele livro foi recebido pelos seus primeiros leitores.”
A caixa é resultado de quatro anos de pesquisa e mais de 20 profissionais envolvidos: leitores-críticos, preparadores, consultores, revisores, editores e designers. Como base, foram utilizadas as edições originais das obras, revistas pelo próprio autor. Apesar de a caixa ter tiragem limitada, em 2024 os livros começarão a ser publicados individualmente, acompanhando a ordem cronológica das obras.