“Nada sem alegria.” Assim nasce uma biblioteca viva

Exposição comemora os dez anos da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP

 23/06/2023 - Publicado há 10 meses     Atualizado: 27/06/2023 as 19:56

Texto: Leila Kiyomura
Arte: Carolina Borin Garcia

A exposição Uma Biblioteca Viva foi inaugurada no dia 15 de junho e vai até 15 de setembro - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Não faço nada sem alegria.” É esse o recado de José Mindlin para todos que visitarem a exposição Uma Biblioteca Viva – BBM 10 Anos, dando continuidade às comemorações dos dez anos de inauguração da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP. Um recado que está em cada página dos 60 mil exemplares e 32 mil títulos que os bibliófilos Rubens Borba de Moraes e o casal Guita e José Mindlin deixaram para os estudantes da USP e para todos os leitores que se interessarem.

Todos na certeza de atravessar o futuro com preciosidades como a Arte de Grammatica, do padre José de Anchieta, de 1595, uma das obras mais raras da BBM. O livro é um dos que abrem a mostra Uma Biblioteca Viva, apresentada no prédio da biblioteca. Ao lado, os visitantes têm no mural a explicação de Mindlin informando que a obra de Anchieta tem apenas dez exemplares nas grandes bibliotecas públicas do mundo: “Anos atrás, recebi um telegrama de um livreiro de Amsterdã, Nico Israel, dando-me primeira opção de ter um exemplar. Entusiasmado, respondi, também por telegrama, que não podia recusar. Duas semanas depois, o livrinho, vindo pelo Correio, estava em minhas mãos”.

Exposição comemora os dez anos da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

O diretor da BBM, professor Alexandre Machione Saes, tem a certeza de que a comemoração dos dez anos da biblioteca segue ajudando a espalhar o vírus da leitura, como Mindlin tanto queria. “Nossa proposta é percorrer as exposições realizadas a partir do acervo da BBM ao longo desses dez anos, para iluminar as vertentes da coleção e os diferentes olhares e possibilidades de pesquisa que ela oferece”, afirma. “Assim, retomamos os livros O Bibliófilo Aprendiz, de Rubens Borba de Moraes, e Uma Vida Entre Livros, de José Mindlin, para compreender o processo de construção do acervo ao longo do século 20. Buscamos lembrar ainda exposições que exploraram os principais recortes do acervo, como literatura, livros de viajantes e materialidade do livro.”

“Certamente a preservação de um acervo como o da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin é uma grande responsabilidade. Mas, claro, como temos defendido, guardar e preservar não é deixar o acervo distante do público”

Alexandre Macchione Saes, diretor da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A mostra Uma Biblioteca Viva – BBM 10 Anos apresenta três eixos principais do acervo: Livros de Literatura, Livros como Objeto de Arte e Livros de Viajantes. Na sessão de Literatura estão livros infantis, obras sobre o Modernismo e a coleção das primeiras edições de Machado de Assis. 

Os volumes expostos chamam a atenção dos visitantes.  Um exemplo é o título A Navegação Aérea: A Maneira Segura de Viajar Pelo Ar Para Qualquer Parte do Mundo, de Benigno José de Carvalho Cunha, editado em Salvador, na Bahia, em 1832. Impressionam não só as marcas do tempo e dos leitores nas páginas amareladas, mas o convite de folhear e acompanhar a edição perfeita. Ao lado, a explicação: “Todas as obras, livros ou folhetos,  publicadas sobre viagens aéreas no século 19 são de grande interesse, pois representam uma premonição da invenção de Santos Dumont e/ou irmãos Wright”. 

O leitor vai parar para contemplar O Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa “datiloscrito”. Ou seja, datilografado e com as correções do autor ao lado. O romance foi publicado em 1956 pela José Olympio Editora. 

Também a edição de O Guarany de 1857,  um dos romances mais prestigiados de José de Alencar, é um dos livros raros do acervo. O colecionador José Mindlin conta, no livro Uma Vida Entre Livros, a história de como conseguiu o volume: “Em 1977 houve, em Paris, o leilão de uma biblioteca de livros raros sobre o Brasil, que saíra do Rio de Janeiro clandestinamente – poucos volumes, mas muito bons, que eu não tinha conseguido comprar aqui. Decidi ir, por insistência de Guita, minha mulher”. Mindlin conta a aventura da compra do livro com todos os detalhes. A luta com o antigo dono do exemplar foi, como ele define, “uma epopeia”. Certo é que, quando chegou em casa, ávido para ver o livro… Cadê? Tinha esquecido no avião. “Deixei na Air France todas as indicações e, felizmente, três dias depois, recebi o recado de que o livro tinha ido parar em Buenos Aires.”

As peripécias do casal Guita e José Mindlin na trilha dos livros raros são descritas na exposição. Vale ver e ler os livros e também as aventuras para tê-los no acervo, com a certeza de que passariam por outras mãos de leitores apaixonados. “Certamente a preservação de um acervo como o da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin é uma grande responsabilidade. Mas, claro, como temos defendido, guardar e preservar não é deixar o acervo distante do público”, observa o diretor Alexandre Saes. “Temos que nos valer dessa coleção tão relevante para fomentar a pesquisa e a reflexão sobre o Brasil. Nesse sentido, a BBM se tornou um espaço de curadoria do conhecimento acumulado, oferecendo ao público instrumentos para provocar a ampliação das consultas e do número de projetos com as obras: são editais de pesquisa, publicações, seminários e eventos, como também exposições.”

A exposição Uma Biblioteca Viva – BBM 10 Anos fica em cartaz até 15 de setembro, de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 18h30, na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP (Rua da Biblioteca, 21, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis.

 

 

 

Guita e José Mindlin: uma história entre livros - Foto: Jorge Maruta / USP Imagens

Rubens Borba de Moraes: um protagonista da cultura brasileira

A mostra Rubens Borba de Moraes: Um Protagonista Invisível, em cartaz no Complexo Brasiliana, na Cidade Universitária, em São Paulo, ilumina a programação dos dez anos da biblioteca. Traz a importância da sua parceria com o casal Guita e José Mindlin na formação do acervo da BBM e também o seu movimento pela cultura brasileira, especialmente na concepção da Semana de 22. 

A exposição, produzida pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), se encerra no dia 29 deste mês. Mas, na segunda-feira, dia 26, às 18 horas, promove uma Roda de Conversa com o público. Vão participar os curadores Silvana Arduini e Nicholas Simão Betoni – respectivamente, doutora pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e mestre pelo Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP . 

“A exposição tem sido muito bem acolhida por pesquisadores, professores, alunos da USP e até curiosos. É por esse motivo que estamos promovendo a Roda de Conversa”, explica Silvana. “O convite está aberto para quem quiser saber mais sobre o legado de Rubens Borba de Moraes. Depois disso, a exposição seguirá para o interior do Estado, sendo a Unesp de Assis a primeira universidade do interior a recebê-la. Estamos planejando uma agenda para que a exposição atenda diferentes cidades e Estados brasileiros. Os interessados podem entrar em contato com a Coordenadoria de Bibliotecas da Unesp para verificar a convergência de disponibilidade.”

Silvana Arduini - Foto: Arquivo pessoal
Silvana Arduini - Foto: Arquivo pessoal

Rubens Borba de Moraes, de invisível para muitos, passou a ser conhecido como um protagonista da cultura brasileira. As sete seções da exposição, organizada no espaço da Editora da USP (Edusp), no Complexo BBM, na Cidade Universitária, permitem percorrer diferentes desafios do bibliotecário, bibliófilo e bibliógrafo.  Traz a sua participação na cultura do País, como o desenvolvimento do Modernismo e a Semana de 22. Moraes também foi o responsável pela criação da Divisão de Bibliotecas do Estado de São Paulo.

“Um dos maiores legados deixados por Rubens Borba de Moraes é a sua coleção de livros antigos, inserida no acervo da BBM”, destaca o curador Nicholas Betoni. “Esses livros nos remetem a um resgate do passado, memórias importantes, que nos permitem estudar o passado e trazer discussões para o futuro, descolonizando ideias oitocentistas, por exemplo. Além de sua contribuição para a criação do Sistema de Biblioteca da USP e do próprio Instituto de Estudos Brasileiros da USP.”

A exposição Rubens Borba de Moraes: Um Protagonista da Cultura Brasileira fica em cartaz até 29 de junho, de segunda a sexta-feira, das 9 às 20 horas, na Sala BNDES, no subsolo da Livraria Edusp (Rua da Biblioteca, 21, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis.

 

Nicholas Simão Betoni - Foto: Arquivo pessoal
Nicholas Simão Betoni - Foto: Arquivo pessoal


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