Museus da USP apresentam, juntos, suas histórias, acervos e pesquisas

Na exposição 4 em 1 - Museus da USP, em cartaz no MAC, o público entra em contato com parte do acervo dos quatro grandes museus da Universidade de São Paulo

 16/06/2023 - Publicado há 11 meses     Atualizado: 22/06/2023 as 13:53

Texto: Leila Kiyomura

Arte: Gabriela Varão

A exposição 4 e 1 - Museus da USP, em cartaz no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Um encontro entre ciência, natureza, história e arte acontece no quarto andar do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP. O visitante tem a oportunidade de conhecer os quatro grandes museus da Universidade de São Paulo, apontados como os mais importantes da América Latina. Todos em diálogo com o público.

Cada um deles conta a sua própria história e peculiaridades através de suas pesquisas e acervos. A mostra 4 em 1 – Museus da USP reúne peças do Museu de Zoologia (MZ), do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), do Museu Paulista (MP) e do MAC – todos da USP -, além de objetos do Instituto de Física da USP e do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Esse momento inusitado que alia educação, cultura, pesquisa e lazer está sendo compartilhado com a cidade e é resultado de um projeto de uma equipe formada por 117 pessoas, distribuídas em 12 subprojetos, que trabalharam com empenho e dedicação ao longo de cinco anos.

“Os museus universitários são centros de pesquisa de excelência no tratamento e difusão das coleções que guardam para a sociedade”, observa a coordenadora da pesquisa, professora Ana Magalhães, também diretora do MAC. “Para discutir o papel e a importância dessas instituições, os quatro museus estatutários da Universidade de São Paulo se reuniram para elaborar o projeto de pesquisa Coletar, Identificar, Processar e Difundir: o Ciclo Curatorial e a Produção de Conhecimento, que foi aprovado pela Fapesp em novembro de 2017.”

“Esta exposição é uma aula para todos. Cada museu vai mostrando a sua peculiaridade. Nós aprendemos como a arte e a ciência são importantes no cotidiano.”

O visitante é recepcionado em uma sala por um vídeo produzido pelo artista Tadeu Jungle. Ele registra o movimento da cidade e questiona: “O que é curadoria?”. A pergunta ecoa pelas ruas, pelas paredes do espaço do museu. E fica no ar. “Curadoria??? Hummm…”

Um grupo de estudantes da Escola de Teatro Incenna, na Vila Mariana, em São Paulo, aproveita a tarde de terça-feira, dia 13, para conhecer os quatro museus da USP. Ariel, Marcelo, Vinicius, Vinicius, Gustavo, Luiza e Nicole observam o vídeo e dizem estar encantados com a mostra. “Esta exposição é uma aula para todos. Cada museu vai mostrando a sua peculiaridade. Nós aprendemos como a arte e a ciência são importantes no cotidiano. Muitos não sabem que o Museu dos Bichos é o Museu de Zoologia da USP”, diz Ariel. “E gostamos de ouvir e ver as versões das cenas do quadro Independência ou Morte!, de Pedro Américo.” O grupo ainda não foi ao Museu Paulista, que conhece por Museu do Ipiranga, depois de restaurado. “Esta exposição é um convite para visitar os museus. E também a USP, com a sua famosa Escola de Arte Dramática e o Departamento de Artes Cênicas, o sonho de todos”, diz Vinicius.

Na exposição, os visitantes conhecem o trabalho de curadoria dos museus - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Mas, de volta à questão: O que é curadoria? No filme de Jungle, os cidadãos entrevistados no vídeo tiveram dificuldade de responder. “O processo curatorial ou curadoria é entendido como prática de pesquisa, então está ligado aos modos, processos de curadoria que dependem de cada acervo, a disciplina e a área do conhecimento a que está ligada”, esclarece Ana Magalhães. “Então o público vai ver que o que é coletar, para o Museu de Arte Contemporânea, é diferente para o Museu de Zoologia. Identificar e processar são etapas que têm diferenças conforme o tipo de acervo da instituição. Mas o importante é entender que esses processos são fundamentais para o desenvolvimento do conhecimento.”

Ana Magalhães exemplifica esclarecendo que acervos como o do Museu de Arte Contemporânea da USP têm uma importância nacional e internacional. “Há obras dessa coleção que são usadas como referência sobre questões da arte dos séculos 20 e 21. A mesma coisa acontece com os outros acervos do Museu Paulista, do Museu de Zoologia e do MAE. Temos obras nas nossas coleções que pautam, digamos assim, para onde a pesquisa científica daquela área de conhecimento caminha.”

“O acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, com aproximadamente 1 milhão de itens, é formado por coleções arqueológicas e etnográficas provenientes de diversas sociedades indígenas.”

Cada museu conta a sua história em grandes painéis e também através de vídeos. O Museu de Arqueologia e Etnologia, localizado na avenida Professor Almeida Prado, 1.466, na Cidade Universitária, teve sua origem nas coleções de arqueologia e etnologia do Museu Paulista ainda no século 19, além de peças vindas de outras instituições, como os antigos Museu de Arqueologia e Etnologia, Instituto de Pré-História e o acervo etnográfico Plínio Ayrosa, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

O acervo do MAE, com aproximadamente 1 milhão de itens, é formado por coleções arqueológicas e etnográficas provenientes de diversas sociedades indígenas do Brasil e da América do Sul, sociedades antigas do Mediterrâneo e do Médio-Oriente, da África e afro-brasileiras. Possui uma biblioteca especializada em temas correlatos e abriga dois programas de pós-graduação: Museologia e Arqueologia. Suas coleções crescem diariamente por meio de pesquisas de campo, especialmente na área de arqueologia brasileira, além de receber doações de colecionadores e especialistas, que o colocam como uma instituição referência no País e na América Latina.

Vestimenta Ticuna, do acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

O ciclo curatorial do MAE promove ações de documentação, conservação e restauro, exposições e educação, mobilizando todo o seu corpo docente e técnico. Além disso, o MAE atua também a partir da consolidação de laboratórios de pesquisas relacionados às temáticas de seu acervo e que são liderados por docentes da instituição.

O destaque do MAE na mostra são as máscaras Ticuna e a Festa da Moça Nova.  A especialista em conservação do MAE Ana Carolina Delgado Vieira explica: “Máscaras representando seres míticos imortais da floresta fazem parte do ritual de iniciação feminina conhecido como a Festa da Moça Nova, dos índios Ticuna, que atualmente estão presentes na região fronteiriça do Brasil, Peru e Colômbia”.

O MAE convida o público para uma imersão nesse ritual, repleto de antigos saberes que são recuperados dos mais velhos e resistem nos dias atuais. “A Festa da Moça Nova e o encontro de mortais e imortais é materializado pela presença dos mascarados. A transformação da moça em mulher adulta é uma das etapas dessa celebração de múltiplas metamorfoses.”

“A coleção de formigas do Museu de Zoologia da USP representa uma amostra inestimável da biodiversidade que nos cerca. Seu acervo, um dos maiores do mundo, abriga espécies distribuídas por diversos países.”

Peças dos quatro principais museus da USP estão na mostra - Fotos: Cecília Bastos/USP Imagens

O Museu de Zoologia da USP, conhecido como o Museu dos Bichos, está sediado na Avenida Nazaré, 481, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, nas proximidades do Museu Paulista. Também entre vídeos e painéis, conta a sua história. Sua coleção centenária é oriunda do acervo zoológico do Museu Paulista. Recebeu uma sede própria, em 1940, no local em que hoje se encontra, sendo o primeiro edifício construído para abrigar um museu no Brasil. Em 1969, foi incorporado à Universidade de São Paulo. Hoje, o Museu de Zoologia abriga uma das maiores coleções de animais brasileiros do mundo. São cerca de 11 milhões de exemplares, usados como base para a descrição de entes naturais conhecidos como espécies.

Na exposição 4 em 1 – Museus da USP, o Museu de Zoologia apresenta, com a supervisão do professor Carlos Ferreira Brandão e as pós-doutorandas Mônica Antunes Ulysses e Lívia Pires do Prado, a pesquisa Formigas do Estado de São Paulo: Estado de Arte e Estabelecimento de Áreas Prioritárias para Ações de Pesquisa e Conservação. No texto de apresentação do trabalho, os pesquisadores esclarecem: “A coleção de formigas do MZ representa uma amostra inestimável da biodiversidade que nos cerca. Seu acervo, um dos maiores do mundo, abriga espécies distribuídas por diversos países, incluindo tanto espécies comuns quanto raras, espécies ameaçadas de extinção ou até mesmo possivelmente extintas. Além disso, a coleção inclui exemplares coletados em paisagens que atualmente foram modificadas pelos seres humanos.”

“Pesquisar o quadro Independência ou Morte! é lançar luz sobre a história do edifício do Museu do Ipiranga e do seu primeiro item de acervo.”

Desde 7 de setembro do ano passado, a cidade tem seu museu de volta. Foram nove longos anos, sem poder visitar o imponente edifício-monumento, considerado a casa de todos os brasileiros. Conhecido como Museu do Ipiranga,  o mais antigo de São Paulo, o Museu Paulista marca presença na exposição 4 em 1 – Museus da USP.

Desde quando foi criado, em 1893, tem muitas histórias para contar. Nasceu como um museu de história natural a partir de coleções particulares adquiridas pelo Governo Provincial de São Paulo. Em 1894, o governo tomou a decisão de transferir as coleções para o recém-construído Monumento à Independência, no bairro do Ipiranga. As coleções foram transferidas para o edifício já na gestão do primeiro diretor do museu, o zoólogo alemão Hermann von Ihering. Em 1895, o edifício construído para ser um monumento arquitetônico à Independência foi aberto ao público como Museu Paulista, com salas transformadas em laboratórios, áreas de estudos e exposições. Por sua localização, passou a ser conhecido como Museu do Ipiranga. Em 1923, o Museu Paulista estabeleceu uma extensão na cidade de Itu, o Museu Republicano de Itu, considerado monumento nacional. O Museu Paulista foi incorporado à USP em 1963.

Fotos: Cecília Bastos/USP Imagens

Para a mostra 4 em 1 , o Museu Paulista está apresentando o projeto A Constituição de Uma Memória da Independência, com a supervisão do professor Paulo César Garcez Martins e a pós-doutoranda  Michelli Cristine Scapol Monteiro. “Pesquisar o quadro Independência ou Morte! é lançar luz sobre a história do edifício do Museu do Ipiranga e do seu primeiro item de acervo”, justificam. “A proposta de realizar a pintura partiu de Pedro Américo de Figueiredo e Mello, pintor paraibano com uma extensa carreira em pinturas de história. Ele se ofereceu para realizar um quadro sobre o 7 de setembro de 1822 para o edifício que estava sendo construído próximo ao riacho do Ipiranga, que tinha a função de celebrar a Independência do Brasil. A representação criada por Pedro Américo reforçou a associação entre São Paulo e o Grito da Independência.”

A investigação sobre a tela traz imagens conhecidas mas que surpreendem o visitante pelos detalhes. Um vídeo de 6 minutos e 37 segundos, do Estúdio Preto&Branco, reproduz as cenas com um novo foco. Também a marchetaria com reprodução da tela surpreende com um novo olhar sobre a tela e sua história. “Estudar como o artista compôs a obra nos permite compreender a pintura como uma representação do passado permeada de escolhas”, observam os pesquisadores.

“Hoje, o acervo do MAC conta com 10 mil obras de arte dos séculos 20 e 21, de importância nacional e internacional.”

Em seus 60 anos, o Museu de Arte Contemporânea conquista a sua infinitude. Na história da arte, na Universidade, no País e na América Latina, surpreende. E na sua trilha continua incentivando o legado de grandes artistas, formando os jovens que marcam presença na arte internacional e também professores, críticos e historiadores.

Na exposição 4 em 1 – Museus da USP, os visitantes também se deparam com a sua história. “Vou começar pelo presente. O MAC está no complexo do Ibirapuera há 11 anos”, lembra a diretora Ana Magalhães. “Para comemorar essas seis décadas, inauguramos a mostra Tempos Fraturados, que ficará em cartaz apresentando cerca de 300 obras do seu acervo permanente. Nosso museu é filho do MAM (Museu de Arte Moderna), que está completando 75 anos e entre 1961 e 1962 transferiu a sua coleção, com cerca de 1.700 obras, para o MAC, criado em 1963 na USP. Parte dessa coleção foi adquirida pelo industrial Francisco Matarazzo Sobrinho e sua esposa Yolanda Penteado.”

Pintura de Massimo Campigli, do acervo do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

O primeiro diretor do MAC foi o professor de história da arte Walter Zanini. “Ele teve o papel fundamental de inserir o museu no circuito internacional de discussões contemporâneas ao incorporar obras de arte conceitual, videoarte, arte postal, fotografia, livros de artista e instalações”, relata Ana. “Desde então, as coleções do MAC continuaram a ampliar-se por meio da articulação de sua política de doações e comodatos e suas exposições. Mais recentemente, o museu deu início ao colecionismo em arte digital, reafirmando suas diretrizes de pesquisa no que se refere à produção contemporânea e apostando no caráter experimental que o caracterizou desde sua fundação. Hoje, o acervo do MAC conta com 10 mil obras de arte dos séculos 20 e 21, de importância nacional e internacional.”

Para a exposição 4 em 1 – Museus da USP, o MAC apresenta Arcaico e Moderno: as Pinturas de Campigli, uma pesquisa desenvolvida com a supervisão de Ana Magalhães e a pós-doutoranda Renata Rocco. Trata-se de um conjunto de seis telas do artista naturalizado italiano Massimo Campigli, do acervo do MAC. “Essas obras trazem inquietações que nos obrigam a interrogar a ideia que temos de moderno. Indagações similares ocorrem em relação às demais obras do acervo, adquiridas entre 1946-47 por Ciccillo Matarazzo e Yolanda Penteado para o antigo MAM e transferidas para a USP”, lembram as pesquisadoras.

A exposição 4 em 1 – Museus da USP está em cartaz de terça-feira a domingo, das 10 às 21 horas, no Museu de Arte Contemporânea (Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301, Ibirapuera, em São Paulo). Entrada gratuita. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 2648-0254 . E no link: http://www.mac.usp.br/mac/expos/2023/4em1/index.html

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Os 60 anos do MAC

Em entrevista à radialista Roxane Ré, da Rádio USP, a professora Helouise Lima Costa, coordenadora da Divisão de Pesquisa em Arte, Teoria e Crítica do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, fala sobre a história do museu.


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