Mostra do Cinema da USP explora filmes de despedida de grandes cineastas

Até 2 de junho, serão exibidas 22 obras feitas pouco antes da morte de diretores como Jean-Luc Godard, Akira Kurosawa e Glauber Rocha

 Publicado: 08/05/2024
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Banner de Vim e Irei Como Uma Profecia, nova mostra do Cinema da USP Paulo Emilio (Cinusp) - Foto: Reprodução/Cinusp
A nova mostra do Cinema da USP Paulo Emilio (Cinusp), Vim e Irei Como Uma Profecia – em cartaz até 2 de junho -, traz os últimos filmes de grandes cineastas, produzidos pouco antes da morte deles. São 22 obras de diversos países e épocas, que concluíram a carreira de artistas como o francês Jean-Luc Godard, o japonês Akira Kurosawa e o brasileiro Glauber Rocha. A relação do ser humano com a morte e como a proximidade do fim pauta a produção artística são exploradas por diferentes facetas.
 

A curadoria foi uma colaboração da equipe do Cinusp com o professor Luiz Carlos Oliveira Jr., da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), crítico de cinema e autor do texto de apresentação da mostra. A ideia surgiu em 2023, inspirada pelo conceito de “estilo tardio” que o sociólogo alemão Theodor Adorno (1903-1969) usou ao tratar da produção tardia do compositor alemão Ludwig van Beethoven (1770-1827) e foi complementado pelo crítico literário Edward Said (1935-2003). “Adorno vê uma fragmentação da subjetividade diante da morte”, explica André Quevedo, curador da mostra e aluno de Audiovisual da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.

As obras se dividem em dois eixos: os chamados “filmes de testamento” e os que representam o desenvolvimento de um estilo tardio. “Nos filmes de testamento, os cineastas acabam a sua obra coroando a filmografia e fazendo um filme, muitas vezes, autorreflexivo do próprio estilo”, pontua a também curadora da mostra e aluna de Audiovisual da ECA Clara Barra. É o caso de obras como Madadayo (1993), de Kurosawa, e A Rotina Tem Seu Encanto (1962), de Yasujiro Ozu. Já obras com estilo tardio apontam para a fragmentação, ora como uma vontade de incluir tudo de maneira vanguardista, como em We Can’t Go Home Again (1973), de Nicholas Ray, ou Imagem e Palavra (2018), de Jean-Luc Godard, ora como o descobrimento de uma nova linguagem estilística, o que ocorre em Ivan, o Terrível, de Sergei Eisenstein (1944, 1958), e Evidentiary Bodies (2016), de Barbara Hammer.

Ao longo da mostra, vão ocorrer quatro debates para discutir obras exibidas pelo Cinusp. Falsa Loura (2008) será debatido pelo crítico de cinema Felipe Furtado em 15 de maio. O curador colaborador Luiz Carlos Oliveira Jr. explicará a problemática da mostra após a exibição de O Signo do Caos (2005), em 21 de maio. Em 27 de maio, ocorre uma palestra com o professor de Estética da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP Ricardo Fabbrini, sobre os filmes Beaubourg (1977) e O Olhar de Michelangelo (2004), explorando a natureza dos museus. Dalila Camargo Martins, especialista na obra de Jean-Marie Straub e Danièlle Huillet, debaterá, em 28 de maio, Aqueles Encontros com Eles (2006) e o texto que inspirou o filme.

O professor e crítico de cinema Luiz Carlos Oliveira Jr - Foto: Reprodução/UFJF

Com as narrativas de despedida, a curadoria busca apresentar filmes que, com frequência, são postos de lado e dar a eles a possibilidade de uma série de leituras por meio da temática presente. “Podemos pensar em como eles se relacionam com outros últimos trabalhos, que podem ser completamente diferentes ou com elementos compartilhados de uma forma inusitada, às vezes”, opina o curador André Quevedo. Diferente de estruturas de narrativas clássicas – como a jornada do herói ou o romance de formação –, não há uma relação de identificação tão óbvia com as despedidas. Para Quevedo, isso ocorre porque ou o público ainda não teve a experiência da iminência da morte ou o pensamento gera uma inquietação. “Se você se identificar, tem que questionar a sua própria existência e vitalidade. É uma relação de estranhamento e de tensão”, considera.

Grande parte dos protagonistas dessas obras são idosos. Há também a aparição dos próprios diretores: Nicholas Ray surge como um professor deslocado, John Cassavetes se exibe visivelmente doente e debilitado em Amantes (1984). Em filmes nos quais há personagens jovens, como Falsa Loura, de Carlos Reichenbach, ou Ivan, o Terrível, a perspectiva é de desilusão, com uma visão até amarga. Outras obras trazem uma interpretação diferente: em Madadayo, de Kurosawa, um professor vai em paz e cercado de seus discípulos — função que o próprio cineasta ocupou no cenário do cinema japonês. Ousmane Sembène, considerado o primeiro cineasta africano, traz uma visão celebrativa e otimista em Moolaadé (2004) quando comparado aos seus primeiros trabalhos.

O título Vim e Irei Como Uma Profecia é uma citação de um poema do poeta alagoano Jorge de Lima (1893-1953), utilizado em filmes de Reichenbach, inclusive Falsa Loura. “Os cineastas vieram, fizeram sua carreira, suas obras, e vão como um anúncio de uma profecia, de filmes ou linguagens que ainda vão acontecer”, aponta Quevedo.

No caso dos cineastas brasileiros, há a ideia da passagem, de que as sementes que plantaram vão crescer e se expandir no futuro, como na cena final de Encarnação do Demônio (2008), em que Zé do Caixão deixa vários herdeiros. “A historiografia do cinema brasileiro se constituiu tratando o cinema brasileiro em ciclos, que surgem e depois desaparecem, sempre recomeçando e acabando”, afirma outro curador do Cinusp, Theo Gama, aluno de Filosofia da FFLCH. “Todos esses cineastas olham para um passado que constituiu uma ou várias ideias de cinema que se passaram e morreram”, diz.

“Várias vezes fazemos recortes que dizem respeito ao País, à época ou algo intrafílmico. Mas, desta vez, todos os filmes são de cineastas que compartilharam a mesma experiência: a de estar perto da morte”, diz Clara Barra. “Muitos estavam quase almejando a profecia e tentam prolongar sua estadia na Terra pelo último filme.”

A mostra de filmes Vim e Irei Como Uma Profecia, do Cinema da USP Paulo Emilio (Cinusp), está em cartaz até 2 de junho. Os filmes são exibidos todos os dias da semana, às 16h e 19h, na sala do Cinusp no Centro Cultural Camargo Guarnieri (Rua do Anfiteatro, 181, Cidade Universitária, em São Paulo). Aos sábados e domingos, a sessões ocorrem às 16h e 19h, na sala do Cinusp no Centro MariAntonia da USP (Rua Maria Antonia, 194, Vila Buarque, região central de São Paulo). Entrada grátis. A programação completa da mostra e mais informações estão disponíveis no site do Cinusp

*Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro


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