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Maior conflito armado da história de São Paulo é tema de evento
Entre 17 e 19 deste mês, simpósio vai reunir especialistas na USP para debater as causas e legados da Revolução de 1924 e da Coluna Prestes, capítulos do movimento tenentista
Tropas revoltosas do Exército, no pátio do Quartel da Luz, em São Paulo, em 1924 – Foto: O Malho/Biblioteca Nacional via Wikimedia Commons
Há cem anos, os bairros da cidade de São Paulo eram arrasados por bombardeios ordenados pelas próprias autoridades, na tentativa de acabar com um levante militar que ganhou apoio popular e procurava destituir o presidente da República, Artur Bernardes. A maior cidade do País, então com mais de 700 mil habitantes, foi tomada por barricadas, tiros e escombros durante 23 dias, até que os revoltosos não viram outra saída senão bater em retirada. Mas não seria o fim: meses depois, passariam a integrar as fileiras da Coluna Prestes, dando continuidade ao embate contra as oligarquias que comandavam a Primeira República.
A história dessa revolução esquecida e da “Coluna Invicta”, desdobramentos das convulsões políticas e sociais da década de 1920, é o tema do Simpósio 100 Anos da Revolução de 1924 e a Coluna Prestes, que acontece de 17 a 19 de setembro na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. O evento é organizado pelo Grupo de Estudos de História e Economia Política (Gmarx) da USP, em parceria com a Escola de Formação Luiz Carlos Prestes.
Quartel General das Forças Revolucionárias em 1924 – Foto: Revista da Semana/Biblioteca Nacional via Wikimedia Commons
Civis numa residência bombardeada em São Paulo pelas forças do governo – Foto: Coleção Monsenhor Jamil Abib/Acervo IMS via Wikimedia Commons
O maior conflito armado de São Paulo
Inserida no contexto do movimento tenentista, a Revolução de 1924 foi um levante organizado por jovens oficiais do Exército e da Força Pública de São Paulo que tomou a cidade no dia 5 de julho de 1924, sendo o maior conflito armado testemunhado pela capital paulista. A data não era aleatória: marcava o aniversário de dois anos da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, ação acontecida na cidade do Rio de Janeiro e marco inaugural do movimento. Liderado sobretudo por oficiais de baixa patente, como tenentes e capitães, o tenentismo procurava desestabilizar as estruturas da Primeira República motivado pelo desejo de reformas que moralizassem a política.
A agitação acontecida em São Paulo deveria integrar uma mobilização nacional com o objetivo de depor o presidente da República Artur Bernardes, que governava o País sob estado de sítio desde sua posse, em novembro de 1922. O plano era marchar até o Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Mas os demais levantes, que aconteram no Amazonas, Sergipe, Mato Grosso e Rio Grande do Sul, foram rapidamente sufocados e restou a capital paulista, onde os revolucionários se viram sitiados e isolados. Os militares começaram a campanha tomando quartéis e depois conquistaram partes centrais da cidade. O sucesso inicial levou o governador Carlos de Campos a deixar seu palácio nos Campos Elísios para se refugiar no bairro da Penha, na zona leste de São Paulo.
As fileiras dos revoltosos eram compostas principalmente de militares do Exército, e o comando do movimento foi dado ao general da reserva Isidoro Dias Lopes. Fundamental para a empreitada foi o apoio da Força Pública de São Paulo, com o major Miguel Costa aderindo ao movimento e mobilizando suas tropas, impedindo assim que o governo tivesse desde o início uma força de defesa para combater o levante.
De acordo com o professor do Departamento de História da FFLCH Lincoln Secco, responsável pelo simpósio, a dimensão do apoio popular à Revolução de 1924 é ainda hoje objeto de controvérsia histórica. “Os tenentes não procuravam apoio popular ativo, eram reticentes que civis participassem do movimento.” O professor cita relatos de militantes anarquistas que procuraram os tenentes pedindo armas para tomar parte na revolução, mas não foram aceitos. Parte da população, contudo, incluindo grupos de estrangeiros, apoiou e participou da revolta, organizando até mesmo brigadas de combate. Entre as elites, Secco diz que alguns setores buscaram acordos com os tenentes para tentar manter alguma ordem na cidade, enquanto outros fugiram para o interior do Estado.
Para reaver o controle da cidade, as tropas legalistas passaram a bombardear pesadamente São Paulo a partir de 9 de julho, incluindo a região central e bairros como Brás, Belenzinho, Mooca e Vila Mariana. Quem pôde fugiu para o interior, mas a maior parte da população viu barricadas e escombros tornarem-se parte da paisagem urbana e da rotina até o dia 28 de julho, quando a luta tornou-se insustentável e os combatentes bateram em retirada. Ao todo foram 23 dias de conflito, com uma estimativa de 500 mortes, a maioria de civis atingidos pelos bombardeios das tropas legalistas.
Segundo Secco, esse esquecimento se explica tendo em vista que o movimento de 1924 acabou eclipsado tanto pela Revolução de 1930, tornada a memória oficial do Estado brasileiro na era Vargas, quanto pela Revolução Constitucionalista de 1932, evento de peso na memória do Estado de São Paulo. “Tornou-se conveniente que a Revolução de 1924 fosse esquecida”, comenta o professor. “Mas o 5 de julho, de certa forma, detona esses dois movimentos, de 1930 e 1932. Sem a Revolução de 1924 não teríamos o tenentismo, base militar de 1930. E sem o movimento de 1930 não teríamos a reação paulista, a chamada Revolução Constitucionalista.”
Diferentemente de 1932, a Revolução de 1924 é um momento em que São Paulo “se encontra com o Brasil”, de acordo com Secco. Isso porque a Revolução Constitucionalista contrapôs grande parte das elites paulistas, com algum apoio popular, ao governo provisório de Getúlio Vargas e às forças militares de todo o País, estabelecendo uma contradição entre o regionalismo paulista e o conjunto do Brasil. Já em 1924 São Paulo viu-se o epicentro de um movimento que se pretendia nacional e eclodiu também em outros lugares do território nacional. “1924 é uma data que reforça a tradição revolucionária de São Paulo sem se opor à tradição revolucionária do Brasil”, analisa o professor.
A Coluna Invicta
“A ultima fotografia dos chefes revolucionários” da Coluna Prestes-Miguel Costa. 1. Djalma S. Dutra; 2. Antonio Siqueira Campos; 3. Luiz Carlos Prestes; 4. Miguel Costa; 5. Juarez Távora; 6. João Alberto L. de Barros; 7. Oswaldo Cordeiro de Farias; 8. Ítalo Landucci; 9. Rufino Corrêa; 10. Sady V. Machado; 11. Manoel de Lyra; 12. Nelson de Souza; 13. Ary S. Freire; 14. Paulo Kruger da Cunha Cruz; 15. João Pedro; 16. Emigdio Miranda; 17. Athanagildo França e 18. José D. Pinheiro Machado – Foto: Revista Careta/Hemeroteca Digital/Biblioteca Nacional via Wikimedia Commons
Os revoltosos paulistas também se encontrariam com o Brasil graças ao que viria a seguir. Deixando a capital e entrando no interior, os combatentes não iriam abandonar a luta, mas sim integrar-se a um movimento que percorreria o País e deixaria, aí sim, lembranças mais vivas na historiografia nacional.
De São Paulo, o grupo rebelde cruzou a divisa com o Paraná atravessando alguns combates até chegar a Foz do Iguaçu, cansado e com o moral em baixa, com a perspectiva de rumar para a Argentina em busca do exílio. Mas lá, em abril de 1925, ele se reuniu ao grupo revolucionário liderado pelo capitão do Exército Luiz Carlos Prestes, vindo do Rio Grande do Sul após despistar, com sucesso, tropas federais na cidade de São Luiz Gonzaga. Os paulistas foram então convencidos a permanecer no País e seguir em marcha, passando a integrar a Coluna Prestes.
Mas essa é apenas uma versão da formação da coluna, que também é chamada por alguns de Coluna Miguel Costa-Prestes. Como indica Secco, a história do movimento enfrenta uma dupla disputa de memória. Em primeiro lugar, a regionalista, entre gaúchos e paulistas, para saber onde a coluna se constituiu: ainda em território gaúcho ou no encontro em Foz do Iguaçu. E também entre aqueles que valorizam a figura de Prestes, sobretudo por sua posterior atuação como líder comunista a partir dos anos 1930, e aqueles que preferem resgatar a importância da Revolução de 1924 e o papel do major Miguel Costa.
Divergências históricas em pausa, o fato é que no encontro dos dois grupos se forma a Primeira Divisão Revolucionária, nome oficial do que ficou conhecido como Coluna Prestes ou Miguel Costa-Prestes. Sem a presença do general Isidoro Dias Lopes, que partiu para o exílio na Argentina, Miguel Costa foi nomeado comandante da Divisão, enquanto Luiz Carlos Prestes se tornou chefe do Estado Maior.
Percorrendo cerca de 25 mil quilômetros, a Coluna atravessaria 13 Estados brasileiros em busca de apoio para sua causa contra a Primeira República e o presidente Artur Bernardes. Não possuíam um programa político organizado, mas defendiam reformas de caráter liberal, como a instituição do voto secreto e a obrigatoriedade do ensino público primário. “Temos que lembrar que a Primeira República não era caracterizada por nenhum tipo de legitimidade política e eleitoral”, explica Secco. “A porcentagem da população votante era ínfima, chegando no máximo a 2,5% em 1930. O que havia era um acordo de oligarquias regionais sobre como governar o País, além das fraudes evidentes. Por isso, uma das reivindicações era a moralização do sistema eleitoral. Não é à toa que depois de 1930 seria criada a Justiça Eleitoral, pois era uma reivindicação dos tenentes.”
Os quadros da coluna eram compostos com uma dúzia de tenentes e capitães e uma maioria de soldados, cabos e sargentos, apoiados por alguns civis, dentre eles, gaúchos veteranos de combates no Estado, voluntários que se agregaram ao longo da marcha e mesmo algumas mulheres, totalizando, em seu auge, cerca de 1.500 pessoas. Na marcha pelo interior do País, esperavam motivar outros levantes pelo território nacional e, ao mesmo tempo, atrair as tropas governamentais para que manifestações nas regiões litorâneas pudessem ser bem-sucedidas.
Para isso, valiam-se do que ficou conhecido como guerra de movimento, proposta por Prestes, que consistia em grandes manobras táticas, elemento surpresa e fugas, diferente da tradicional guerra de posições, feita em trincheiras. Essa estratégia colocou Prestes e seus homens em 53 combates – contra tropas federais, forças policiais locais e jagunços –, todos vitoriosos, o que valeu, na época, o epíteto de “Coluna Invicta” para o grupo.
A coluna seria desfeita em 1927, quando boa parte de seus integrantes, incluindo Prestes, entra em território boliviano. Sem ter sido derrotada, apesar de não ter vencido, representou mais um fator de desgaste para as oligarquias da Primeira República, agora presidida por Washington Luís. Mas seus intentos seriam alcançados logo mais, no final da década, com a Revolução de 1930. Prestes, entretanto, não participaria do êxito. Tendo contato com as ideias comunistas no exílio, o capitão romperia com os tenentes, recusando a liderança militar do movimento que lhe foi oferecida. Já Miguel Costa apoiaria a revolução, mas se distanciaria de Vargas ao longo da década, chegando mesmo a ser preso.
O afastamento entre Luiz Carlos Prestes e seus colegas não causa espanto quando se considera que o ideário do tenentismo era bastante vago, conforme aponta Secco. “Até hoje é muito difícil entender o movimento tenentista. Se, por um lado, ele foi muito radical nas técnicas, almejando tomar o poder mediante demonstrações de força, por outro lado, não tinha um programa definido, não era revolucionário em seu conteúdo.” Esse caráter nebuloso explica a divisão que separou os líderes do movimento nas décadas que se seguiram. “Encontramos depois tenentes que se tornaram socialistas, reformistas, revolucionários e comunistas, e outros que se tornaram integralistas e de direita.”
Ao comentar o legado da Revolução de 1924, da Coluna Prestes e do tenentismo de um modo geral, Secco prefere pensar o termo no plural, legados. Para o professor, a memória desses movimentos segue passando por disputas que refletem o momento histórico no qual vivemos. “A Revolução de 1930, de certa forma, se apropria da coluna, de 1924 e do próprio tenentismo como algo que levaria à revolução. Por outro lado, há Prestes e outros que se desiludiram com 1930 e confluíram para a Aliança Nacional Libertadora (ANL), com uma apropriação na qual a Revolução de 1924 deveria levar a uma transformação mais radical do País. A apropriação dos comunistas foi muito presente enquanto o Partido Comunista teve influência na vida brasileira. Prestes se tornaria o Cavaleiro da Esperança, foi eleito senador”, conta o professor.
Programação
O povo nas ruas de São Paulo
Tratar com documentos não é tarefa simples, eles dizem muito, mas também omitem outro tanto. Maria Clara acredita que soldados e cabos também tiveram participação significativa nos acontecimentos, mas os processos não falam deles. “Pela lógica militar, soldados e cabos estavam ali cumprindo ordens”, sugere a professora, indicando que isso pode tê-los poupado de constar na documentação judicial.
Dentre os sargentos listados nas condenações, a presença de homens negros foi outro ponto que chamou sua atenção. “Nos escritos sobre a Revolução de 1924, essa perspectiva racial não aparecia”, explica. “Consegui identificar alguns desses homens negros e a maioria deles era de sargentos da Força Pública de São Paulo e do Exército.”
Ao ler os processos, é possível verificar que vários desses homens declaravam estar apenas cumprindo ordens, mas Maria Clara aponta um dado complementar capaz de deixar tudo mais complexo. A professora relata que vários desses sargentos foram promovidos durante a revolta, passando a tenentes, capitães e mesmo a patentes mais altas. “Isso evidencia um movimento muito engajado”, analisa.
“O tenente Cabañas entregando ao tenente Olympio, à paisana, as divisas de cabo, com as quais este condecora um soldado, na ocasião em que ocupavam o Palácio dos Campos Elíseos” – Foto: O Malho/Biblioteca Nacional via Wikimedia Commons
Já em relação aos civis, Maria Clara confirma as dificuldades de negociações entre militares e movimentos operários organizados. “Essas tratativas não foram muito bem-sucedidas porque as organizações queriam autonomia, batalhões de trabalhadores sem submissão aos militares, e isso não foi aceito.” Problemas que não significaram, contudo, afastamento total da população em relação aos conflitos. Na tomada do prédio do telégrafo nacional, por exemplo, os trabalhadores do edifício aderiram à revolta. Já os ferroviários, por sua vez, foram fundamentais para garantir a retirada das tropas revoltosas da cidade ao final dos combates, permitindo que elas avançassem pelo interior do Estado.
Se algumas dessas ações parecem fruto de negociações prévias, outras foram impulsionadas justamente pelo estado de guerra que tomou a capital paulista, indica Maria Clara. Com os bombardeios e a queda nas condições de vida, escassez de alimentos e aumento de preços, muitas pessoas encontraram na adesão à revolta possibilidade de receber soldo e alimentação. Os saques que se avolumaram em lojas e fábricas também são significativos das dimensões do envolvimento da população, pontua. Algumas fábricas saqueadas e incendiadas registraram greves no início de 1924, o que sugere algum tipo de organização dos trabalhadores nesses espaços, que pode ter sido estendida para o próprio momento do conflito.
Maria Clara menciona ainda o envolvimento feminino na Revolução de 1924. Algo difícil de ser localizado, mas que se verifica, por exemplo, nas fotografias e propõe estudos mais aprofundados. A configuração do parque industrial de São Paulo à época, composto em sua maioria de fábricas de tecido, nas quais a maioria das trabalhadoras eram mulheres, também sugere que o tema merece atenção.
Além disso, a pesquisa de Maria Clara trouxe informações a respeito das dimensões geográficas da Revolução. Ela encontrou registros de revolta em mais de 80 municípios paulistas, destacando-se aí uma articulação com a cidade de Santos, onde parte da Marinha estava envolvida e havia planos de se usar a cidade portuária como acesso via mar ao Rio de Janeiro. Fora do Estado de São Paulo, regiões de Minas Gerais também são citadas na documentação.
“Compreender melhor o espalhamento da revolta, para além da cidade de São Paulo, é um grande campo de pesquisa em aberto”, comenta Maria Clara. “Temos uma revolta de 1924 muito mais ampla para além da capital paulista”, finaliza.
O surgimento da coluna
A professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Anita Leocádia Benário Prestes, filha de Luiz Carlos Prestes, conhece como poucos a história da Coluna Prestes. Não apenas por conta das relações familiares, mas porque é uma pesquisadora dedicada ao tema. Sua tese de doutorado, que está sendo relançada em livro em 2024, é justamente sobre a Coluna Invicta. Ela é uma das pessoas que defendem a formação da coluna ainda em solo gaúcho e pondera a contribuição dos paulistas ao movimento.
Em entrevista para o Jornal da USP, Anita conta que os rebeldes paulistas – ela prefere falar de 1924 como “revolta” em vez de “revolução” – chegaram a Foz do Iguaçu, no Paraná, em uma situação complicada. Haviam se retirado da cidade de São Paulo por trem, com o apoio dos trabalhadores ferroviários, e depois de atravessar o rio Paraná precisaram enfrentar no caminho tropas governistas comandadas pelo general Cândido Rondon, sofrendo perdas severas.
Enquanto isso, explica a professora, a conspiração tenentista crescia no Rio Grande do Sul, culminando no levante ocorrido na noite de 28 para 29 de outubro de 1924. A maioria das unidades rebeldes do episódio foi rapidamente derrotada pelas tropas governistas, mas o Primeiro Batalhão Ferroviário da cidade de Santo Ângelo, treinado por Luiz Carlos Prestes, resistiu, partindo em seguida para o município de São Luiz Gonzaga.
“Em torno de São Luiz Gonzaga se concentrou o que sobrou das outras unidades militares”, conta Anita. “Cerca de 1.500 homens, com pouquíssimo armamento.” Para enfrentá-los, dirigiam-se para a região 14 mil homens das tropas legalistas. Sem receber as armas esperadas das tropas paulistas, que amargavam uma derrota na cidade de Catanduvas, no Paraná, nem da Argentina – onde conspiradores tentavam fazer o armamento atravessar a fronteira, sem sucesso –, Prestes colocou em prática a guerra de movimento.
“Aí a coluna está se formando”, defende a professora. “Ela se dividia em pequenos grupos e se afastava das tropas para obter cavalos, alimentos e informações dos inimigos.” A tática deu certo e, quando chegaram a São Luiz Gonzaga, as tropas legalistas não encontraram nenhum rebelde. “Pode-se dizer que no dia 27 de dezembro de 1924 nasceu a Coluna Prestes, inclusive já com esse nome, como documentos comprovam.”
Tropas revolucionárias se dirigem para o Sul de trem, em 1924 – Foto: Autor desconhecido/Domínio público via Wikimedia Commons
Chegando a Foz do Iguaçu, continua Anita, a coluna encontrou os paulistas debilitados após a derrota em Catanduvas. Vários soldados haviam sido capturados e enviados para o “inferno verde”, o campo de concentração criado por Artur Bernardes no município de Oiapoque, na Amazônia, enquanto uma série de oficiais foi mandada para a prisão no Rio de Janeiro. “Sempre a divisão de classes”, pontua com sarcasmo a professora.
Foi diante desse quadro que Prestes participou de uma reunião do comando paulista na qual as lideranças não viam saída além do exílio, aceitando a derrota. Mas Prestes teria convencido parte do grupo a continuar com os gaúchos a luta, atravessando o Rio Paraná e adentrando terras mato-grossenses. “Por isso digo que em Foz do Iguaçu aconteceu a incorporação das tropas paulistas à Coluna Prestes, que chegou lá vitoriosa.”
Anita não gosta muito de pensar os desdobramentos da coluna como legado – seja no singular ou no plural –, mas sugere que um ensinamento importante do movimento passa por compreender a determinação daquelas pessoas que suportaram 25 mil quilômetros de marcha pelo País, em situações muitas vezes precárias. “São duas condições que mostram que, quando o povo brasileiro, as pessoas simples têm uma ideia, um lema para lutar e uma liderança em quem confiam, desenvolvem um heroísmo enorme.”
De acordo com a professora, que nos anos 1980 realizou entrevistas com sobreviventes da Coluna Prestes, a mobilização da tropa era levada adiante pela certeza de estarem lutando pela liberdade, um conceito vago mas que se materializava na queda do governo de Artur Bernardes. E o respeito pela liderança, de Prestes e de outros comandantes, passava pelo reconhecimento de que partilhavam na marcha a mesma vida, comendo da mesma comida, andando a pé e dividindo sacrifícios.
“Eles se orgulhavam de ter participado da coluna. Eram trabalhadores simples, que em 1980 ganhavam pouco, viviam mal. A coluna foi o momento em que se sentiram gente, e tinham muito orgulho disso”, conta a professora. “A recompensa era sentir que estavam lutando pela liberdade do Brasil e por um futuro melhor.”
*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
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