Livro aborda a obra do frade franciscano Ubertino de Casale

“Os Franciscanos e a Igreja na Idade Média” é de autoria da professora da USP Ana Paula Tavares Magalhães

 12/12/2018 - Publicado há 6 anos
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Francisco de Assis: papel fundamental no interior do processo de redenção da humanidade, segundo a obra Arbor Vitae Crucifixae Iesu, de Ubertino de Casale

Os Franciscanos e a Igreja na Idade Média: A Arbor Vitae Crucifixae Iesu de Ubertino de Casale (Editora Intermeios) é o novo lançamento da coleção Entr(H)istória, que publica obras produzidas por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP (leia aqui matéria do Jornal da USP sobre esse projeto). A obra tem autoria de Ana Paula Tavares Magalhães, professora de História Medieval da FFLCH, e apresenta aspectos fundamentais da contribuição do frade franciscano Ubertino de Casale (1259-1328) para a problemática da observância da pobreza entre os Espirituais Franciscanos, a partir da análise de sua obra, Arbor Vitae Crucifixae Iesu.

“Considerando-se que a obra em questão é considerada comumente como uma espécie de compilação de diversas ideias em voga no meio espiritual e franciscano – tendo como fontes principais autores como Pedro de João Olivi e São Boaventura, entre outros –, pretendemos analisar o grau de originalidade que se pode imputar a Ubertino de Casale, partindo do pressuposto de que ele apresenta uma contribuição própria, específica e diferenciada à questão da pobreza na referida obra”, escreve a professora na apresentação do livro. Ao mesmo tempo, o livro visa a descrever e analisar problemáticas relacionadas à trajetória e à figura histórica de Ubertino de Casale.

Em Arbor Vitae, destaca-se a visão cristocêntrica da história do mundo e da Igreja, atribuindo a Francisco de Assis um papel-chave no interior do processo de redenção da humanidade. “Ubertino de Casale atribui a Francisco um valor histórico-escatológico fundamental enquanto iniciador de uma nova experiência coletiva de vida religiosa. Com efeito, a santidade de Francisco de Assis é tópico capital nos escritos de Boaventura, forte base teórica para a obra de Ubertino.” Nas linhas e entrelinhas, como lembra a autora, transparecem as transformações institucionais, políticas e sociais sofridas pela Ordem dos Mendicantes.

Fachada do Basílica di Santa Croce (Basílica da Santa Cruz), a principal igreja franciscana fundada em Florença, na Itália – Foto: Ricardo André Frantz/Wikimedia Commons

Produzida em 1305, a obra do frade italiano representa uma série de pressupostos espirituais no interior da querela processada dentro da Ordem Franciscana. “Não se trata de um escrito concretizado pela premência de uma solução urgente – como fora o caso do Rotulus iste, produzido em meio às discussões a respeito da ortodoxia dos Espirituais e da probidade dos escritos de Pedro de João Olivi. Trata-se, portanto, de uma obra essencialmente teórica, a saber, produto de um contexto de luta, porém não produzida pela força de uma disputa religiosa”, informa.

Segundo a autora, os conflitos decorrentes da evolução do quadro institucional da ordem manifestaram-se na contundente oposição entre Espirituais e comunidade; os partidários da chamada “observância estrita” da Regra – que supostamente se coadunava com o processo original de Francisco – e os defensores de uma “observância ampla” – característica da evolução que a ordem inegavelmente sofrera. “A produção de uma literatura representativa do espiritualismo franciscano associa-se a esse contexto de disputa no interior da ordem e de revisionismo no próprio complexo da instituição eclesiástica.”

É nesse contexto que se manifestou um grupo de frades, entre eles Pedro de João Olivi, Ubertino de Casale e Ângelo Clareno, enfatizando a identidade entre a Regra e o Evangelho, a experiência de Francisco enquanto imitador da própria vida de Cristo, a necessidade de que se mantivesse a prática do asus paper (o “uso pobre”, aspecto definidor da pobreza rigorosa) e, por fim, a ideia de que a regra havia sido inspirada por Cristo – afirmação que se encontra no Testamento de Francisco –, o que viria a reforçar o caráter imutável do documento franciscano. “Tais elementos encontram-se também sinalizados no corpo da Arbor Vitae, obra que, embora não consista propriamente em um comentário à Regra, é emblemática do espírito de batalha que marcara a atuação dos Espirituais na questão da pobreza.”

O livro da professora Ana Paula Tavares Magalhães – Foto: Reprodução

E continua: “A questão da pobreza, em seus mais específicos contornos, não deixa de manifestar o problema político de fundo vivenciado pela Igreja Católica entre os séculos 13 e 14”. Para a autora, ao agirem de maneira aparentemente alheia às disputas políticas da época – concentrando-se na problemática da vida religiosa –, os frades que defendiam posturas rigorosas em relação ao cumprimento da Regra acabam por solapar as próprias bases da preponderância da Igreja no mundo cristão, abrindo espaço para a discussão sobre as propriedades eclesiásticas, o uso dos bens por parte dos clérigos e, principalmente – questão representativa desse importante momento de transição –, a plenitude potestatis (termo jurídico medieval empregado para descrever o poder e a jurisdição papal).

“Entre a questão política e a representação escatológica, a árvore da vida de Ubertino representa o desvelamento da própria história da humanidade, em seu caminho rumo à redenção. Trata-se de uma evolução constante, que se manifesta não somente em seu aspecto externo, mas também em suas implicações no modo de viver e de pensar a pobreza”, diz, acrescentando que Francisco de Assis, identificado a Jesus Cristo, não o é simplesmente à medida que porta os sinais exteriores da presença do Deus Filho, manifesta através dos stigmata. “Para além disso, conecta-se a essa figura de homem e de santo um modelo de vida que se pretende redentor da própria cristandade, em sua trajetória em direção à perfeição. A imitação desse modelo, efetuada por seus radicais seguidores, era a esperança da salvação final que se oferecia à humanidade”, conclui.

Os Franciscanos e a Igreja na Idade Média: A Arbor Vitae Crucifixae Iesu de Ubertino de Casale (Editora Intermeios, 334 páginas, R$ 50,00), de Ana Paula Tavares Magalhães, integra a coleção Entr(H)istória, do Programa de Pós-Graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Mais informações sobre o livro neste link


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