“Gilmar de Carvalho tornou visível o saber tradicional”

Obra do pesquisador cearense, que morreu em abril, será tema de seminário na USP no dia 18

 13/05/2021 - Publicado há 3 anos
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O pesquisador, professor, jornalista, escritor e curador Gilmar de Carvalho – Montagem de Lívia Magalhães com foto de Francisco Sousa

 

“Generosidade” era uma das principais características de Francisco Gilmar Cavalcante de Carvalho, segundo seus colegas. O pesquisador, professor, jornalista, escritor e curador é lembrado não só como um estimado amigo, mas também como uma referência da cultura do Ceará, sobretudo na área dos estudos de manifestações artísticas e culturais. Por isso, o seminário Gilmar de Carvalho: Devoção e Pesquisa, que o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP promoverá no dia 18, às 14 horas, será dedicado à vasta contribuição do pesquisador, que morreu no dia 17 de abril passado, aos 71 anos, vítima de covid-19. O evento será transmitido ao vivo através da página do IEB no Facebook. 

Natural de Sobral (CE), Gilmar de Carvalho era bacharel em Direito e em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo e doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Lecionava no Departamento de Comunicação Social da UFC e era integrante do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da mesma universidade.

Além da formação acadêmica, o repertório de Gilmar de Carvalho inclui o conhecimento da chamada “cultura popular”. “Ele fez um levantamento de várias áreas da arte popular, das xilogravuras ao cordel, das rabecas ao artesanato de couro e potes, de ceramistas a pintores”, conta o escritor João Silvério Trevisan, que participará do seminário Gilmar de Carvalho: Devoção e Pesquisa. “Financiou suas próprias viagens para registros em áudio e vídeo, com o fotógrafo Francisco Sousa. Assim também, do próprio bolso, financiou suas várias obras publicadas sobre artesanato popular.”

Gilmar de Carvalho no campo de pesquisa, entrevistando um rabequeiro – Foto: Francisco Sousa

 

Entre as 50 obras jornalísticas, teatrais e literárias de Carvalho, Trevisan destaca Parabélum, uma releitura da arte popular nordestina e do mito de Virgulino Lampião, com um viés relacionado à indústria cultural. Segundo o escritor, esse romance “pós-moderno” – como ele classifica – oferece elementos de “extraordinária originalidade” até hoje.

Outro aspecto relevante da trajetória do pesquisador são seus trabalhos sobre o cordelista e poeta cearense Patativa do Assaré (1909-2002), autor de uma obra que versa sobre vários temas, desde a vida do sertanejo até a reforma agrária. Carvalho escreveu artigos, deu entrevistas e publicou livros dedicados ao artista, entre eles Patativa do Assaré (2000) e Patativa Poeta Pássaro do Assaré (2002). Para a professora do IEB Flávia Camargo Toni – que também estará no seminário -, a reedição da obra de Patativa por Gilmar de Carvalho apontou aspectos da cultura popular que estavam esmaecidos, como o entrosamento de diferentes artes no repente e no cordel, manifestações que reúnem a música, a poesia e as artes plásticas.

Por meio da pesquisa de campo, Gilmar de Carvalho registrou narrativas orais que deram visibilidade às narrativas dos detentores de saberes tradicionais e abriram novas perspectivas nesse campo de estudo, afirma outra participante do seminário, a doutoranda em Artes Visuais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Milla Pizzignacco. Mestre em Culturas e Identidades Brasileiras pelo IEB, Milla ressalta que a trajetória do pesquisador evidencia a importância da universidade na formação de um espaço de memória da literatura e da gravura de cordel. Segundo ela, as pesquisas de Carvalho viabilizaram projetos de fomento das culturas populares e políticas públicas que favoreceram os bens imateriais nacionais. 

Milla destaca as pesquisas de Carvalho sobre xilogravura, principalmente em Juazeiro do Norte (CE). O pesquisador colocou em cena práticas de socialização das artes gráficas em locais considerados periféricos e, com isso, deu grande contribuição para a formação de artistas xilógrafos no Ceará, acrescenta a doutoranda. 

“A obra de Gilmar de Carvalho o eleva à altura de um Mário de Andrade, de um Câmara Cascudo”, afirma a cantora lírica e pesquisadora Anna Maria Kieffer – Foto: Francisco Sousa

 

“Em busca das memórias que sedimentaram o padre Cícero como um ícone do imaginário nordestino, Gilmar de Carvalho recolheu folhetos de cordel, matrizes e impressões de gravuras, formando um enorme acervo de saberes e fazeres regionais que hoje integram o acervo do IEB”, informa Milla. Autor do ensaio Desenho Gráfico Popular: Catálogo de Matrizes Xilográficas de Juazeiro do Norte – Ceará, publicado nos Cadernos do IEB, o pesquisador doou para o instituto da USP mais de mil títulos de folhetos de cordel. 

Gilmar de Carvalho também apoiou a criação do Acervo do Escrito Cearense (AEC), hoje um reconhecido espaço de memória instalado na Universidade Federal do Ceará, como aponta Neuma Barreto Cavalcante, professora de Literatura Brasileira da UFC e curadora do AEC, que também estará no seminário. “Espero que as instituições culturais brasileiras saibam respeitar e preservar o legado que ele nos deixou”, comenta a curadora.

“Além do legado intelectual, que registrou uma quantidade imensa de manifestações culturais tradicionais populares, muitas delas em extinção, Gilmar de Carvalho deixou uma grande quantidade de alunos que aprenderam a trabalhar com respeito, paciência, profundidade e, principalmente, com um olhar que, ao registrar a tradição, compreende o presente e se abre para o futuro”, avalia a cantora lírica e pesquisadora Anna Maria Kieffer, também com presença confirmada no seminário. Ela ressalta que o pesquisador ultrapassou a sala de aula: através de textos e vídeos disponibilizados em redes sociais, ele democratizou o acesso aos seus estudos sobre as culturas tradicionais. 

“Gilmar de Carvalho foi um dos grandes pesquisadores do nosso tempo, uma referência nos estudos da cultura brasileira em suas mais diversas linguagens. Comprometido com a dimensão coletiva e social da sua pesquisa, ele deu uma contribuição inestimável para os estudos da cultura brasileira”, afirma a pesquisadora Mariana do Nascimento Ananias, que estuda cultura popular no IEB e falará no seminário.

Neste ano, Carvalho lançaria o livro Poéticas da Voz – Aboios, Benditos, Cantoria, Cordel, Emboladas, Loas, Saraus, Torém, Trovas. A obra retrata o cordel e os cordelistas cearenses desde o século 19. “É uma verdadeira enciclopédia sobre o assunto que, somada ao conjunto de sua obra, eleva Gilmar de Carvalho à altura de um Mário de Andrade, de um Câmara Cascudo”, descreve Anna Maria Kieffer.

O seminário Gilmar de Carvalho: Devoção e Pesquisa, promovido pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, será realizado no dia 18, às 14 horas, com transmissão ao vivo através da página do IEB no Facebook. O evento é gratuito, sem necessidade de inscrição.


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