A exposição Alfredo Volpi, la Poétique de la Couleur, em Mônaco – Foto: NMNM/Andrea Rossetti
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Bandeirinhas infinitas em sequências multicoloridas. Fachadas das ruas do Cambuci recriadas pela imaginação. Mastros de navios sugeridos em movimentos hipnóticos. O vocabulário pictórico inigualável de Alfredo Volpi (1896-1988) ganha sua primeira retrospectiva em uma instituição pública europeia. Até 20 de maio, o Novo Museu Nacional de Mônaco abriga Alfredo Volpi – La Poétique de la Couleur (A Poética da Cor). A exposição acontece ao mesmo tempo em que outra artista brasileira, Tarsila do Amaral, desembarca no prestigiado Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) com a exposição Tarsila do Amaral – Inventing Modern Art in Brazil.
Com curadoria de Cristiano Raimondi, a mostra reúne mais de 70 obras, privilegiando os trabalhos realizados da década de 1940 em diante. É a partir desse período que o artista pouco a pouco se afasta da pintura figurativa e navega para a abstração. É quando Volpi começa a trocar as paisagens rurais, litorâneas e urbanas de aspecto impressionista do início da carreira por formas mais simples, marcadas pelo domínio do uso da cor. E é também o momento em que vai deixando de lado a pintura a óleo para se dedicar à têmpera.
A seleção vai até os anos 1970, passeando pelas fachadas das décadas de 1950 e 1960 e chegando aos mastros e bandeirinhas repletos de ilusões de movimento e variações cromáticas de suas telas finais. O Instituto Alfredo Volpi de Arte Moderna, com sede no Brasil, é parceiro da exposição, com apoio da galeria paulistana Almeida e Dale. O ingresso custa 6 euros (pouco menos de 24 reais).
“O que hoje parece incrível é que tão poucas pessoas na Europa e nos Estados Unidos conheçam alguma coisa sobre sua vida e suas realizações”, diz o texto de apresentação da mostra, disponível no site do museu. Para o artista plástico e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP Marco Giannotti, esse desconhecimento é explicado pelo fato de grande parte de sua obra ter permanecido por muito tempo circunscrita a um número pequeno de colecionadores e aficionados, sem circulação.
“Ela só passa a ter uma inserção maior no mercado internacional no momento em que, ao atingir um valor cada vez mais alto, sai das mãos dos colecionadores e começa a circular, deixando o Brasil”, explica Giannotti. “Não havia obras de Volpi fora do País. Ele era um fenômeno local. Agora, progressivamente, ele está tendo o destaque internacional que merece.”
Duas retrospectivas recentes, anteriores à do principado, parecem confirmar isso. Volpi esteve até janeiro deste ano na galeria Gladstone, em Nova York, e em 2016 na londrina Cecilia Brunson Projects. Nas duas ocasiões, foi a primeira vez que o artista ítalo-brasileiro recebeu individuais nos Estados Unidos e na Inglaterra. A diferença em Mônaco é que agora uma instituição pública está à frente da exposição.
Além de tudo isso, simultaneamente à mostra monegasca, a Galeria S|2 da Sotheby’s, em Londres, exibe uma seleção comercial de 13 trabalhos do pintor.
“Para nós, brasileiros, é um orgulho, num País de tantas mazelas, num momento em que a comunidade vê o Brasil com distanciamento crítico muito forte, poder mostrar o potencial cultural do País através dos nossos grandes artistas, que sobrevivem às crises contínuas do Brasil”, analisa Giannotti.
O pintor brasileiro mais original de todos os tempos
Volpi nasceu em 1896, na cidade italiana de Lucca, noroeste da Toscana, e veio para São Paulo ainda bebê, em 1898. A família residiu primeiro no bairro do Ipiranga e depois se estabeleceu no Cambuci, onde o pintor moraria até falecer, aos 92 anos, em 1988.
De classe baixa, deixou a escola aos 12 anos e começou a trabalhar como encadernador. Foi também entalhador e pintor decorativo de residências, profissão na qual aprendeu a misturar tintas e a trabalhar com o muro. Sobre essa atividade, o crítico Mário Pedrosa diria em 1957 que “a sua academia foi a rude, a boa escola do pintor de paredes”.
Autodidata, pintou sua primeira tela em 1914, uma paisagem dada de presente à cunhada. A primeira mostra coletiva viria em 1925, quando já se aproximava dos 30 anos.
Na década de 1930, ainda trabalhando como pintor-decorador, frequentou as sessões de modelo vivo do Palacete Santa Helena, na Praça da Sé, onde entrou em contato com Francisco Rebolo, Mário Zanini, Manoel Martins, Humberto Rosa, Fulvio Pennacchi, Aldo Bonadei e Clóvis Graciano. As afinidades e a convivência fariam com que os artistas viessem a ser conhecidos como Grupo Santa Helena.
A primeira exposição individual aconteceu em 1944. É nela que Mário de Andrade adquire a tela Marinha, hoje parte da coleção de artes visuais do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP.
Nos anos 1940, o artista inicia a transição para pinturas mais abstratas e geométricas, nas quais a cor ganha preponderância. As paisagens rurais e urbanas, de influência clássica, vão perdendo seu caráter figurativo. Uma forte influência para Volpi é o trabalho dos pré-renascentistas, como Giotto di Bondone e Margaritone D’Arezzo, que o pintor tem oportunidade de apreciar durante viagem à Itália em 1950.
“Se você olhar as pinturas dos italianos em torno de 1300, havia a construção de um espaço pictórico não dominado pelo ponto de vista único”, explica Giannotti. “A construção se fazia de uma espacialidade multifacetada. Isso permitia um jogo entre cor e desenho, estabelecendo uma dinâmica muito singular. Porque a cor não ficava refém do traçado da perspectiva. Não é à toa que Volpi recupera uma técnica medieval, a têmpera.”
Em sua fase madura, Volpi trabalhou sobretudo com a têmpera, processo no qual a tinta é feita a partir da união de pigmentos naturais com ovos. Não se contentava, contudo, em produzir as tintas de maneira artesanal: fabricava também as próprias telas.
Já é explorando a têmpera que o artista divide com Di Cavalcanti o prêmio de melhor pintor nacional da 2ª Bienal de São Paulo, em 1952. Na ocasião, o jurado e crítico inglês Herbert Read declara que “Volpi me chamou atenção porque é um artista consciente do movimento geral, mas que criou algo original. Fez algo contemporâneo com um tema indígena: as formas e as cores da arquitetura brasileira moderna”.
Ao longo dos anos 1950 e 1960, Volpi participa de várias edições da Bienal de Veneza e vai relativizando cada vez mais a noção de plano. São do começo da década de 1960 suas primeiras pinturas de bandeirinhas e mastros, em telas que criam impressões de movimento.
“A gente acha que as bandeirinhas advêm das festas populares. Não é verdade. A bandeirinha é o negativo de um telhado”, explica Giannotti. “Ela surge como uma metamorfose das formas que ele vai jogando no interior da pintura. O incrível é que, justamente ao fazer isso, ele consegue incorporar também todo um imaginário brasileiro. Por isso ele se torna tão importante para a nossa cultura. Não são as bandeirinhas que influenciaram Volpi, nós é que hoje em dia olhamos as bandeirinhas de uma maneira totalmente diferente a partir dele.”
Para Giannotti, que homenageou o artista do Cambuci com sua série Fachadas, de 1993, Volpi é provavelmente o pintor brasileiro mais original de todos os tempos. “Ele incorpora toda a inovação do pensamento construtivo do Modernismo brasileiro com uma poética muito singular, em que junta a uma linguagem de natureza abstrata toda uma poesia de carga figurativa, que veio lá do Trecento da Itália. Esse jogo das fachadas, das bandeirinhas, dos mastros, é tudo uma figuração que, de certa forma, existiu antes do advento da perspectiva italiana”, completa o professor.
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Para ver na USP
Além de Marinha, pertencente à coleção de artes visuais do IEB, a USP abriga 29 telas de Volpi no Museu de Arte Contemporânea (MAC). Uma delas, Mogi das Cruzes (1939), está atualmente na mostra Visões da Arte no Acervo do MAC USP 1900-1950, no 7º andar da instituição, localizada na Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301. A entrada é gratuita.
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