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Relatório sobre espécies invasoras vai integrar estratégia contra o problema no Brasil
Espécies exóticas invasoras causam danos sérios no campo da saúde e da economia; para especialistas, “o momento de agir é agora”
Gato doméstico, javali, piranha e peixe-leão são exemplos de espécies invasoras - Fotomontagem de Jornal da USP com imagens de Reprodução/Freepik; Dr. Raju Kasambe/Wikimedia Commons; wirestock/Freepik; Michael Gäbler/Wikimedia Commons
Cães domésticos em florestas, búfalos no Cerrado e até os mosquitos da dengue em áreas urbanas são exemplos de espécies estrangeiras invasoras (EEI), que são inseridas por atividades humanas em locais fora dos seus habitats naturais. Esse deslocamento de microrganismos, animais ou plantas ameaça espécies nativas e resulta em problemas ambientais, sociais e econômicos e é uma das cinco maiores causas de perda da biodiversidade em escala global.
O estudo brasileiro Relatório Temático sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), caracterizou o problema no Brasil e apresenta os principais dados sobre as invasões biológicas, a introdução dos invasores e os impactos do processo. O relatório foi produzido por 73 autores e 12 colaboradores. Desses, 16 especialistas redigiram o Sumário para Tomadores de Decisão, com o resumo das principais informações, lançado nesta sexta (1º). Esses documentos são os primeiros no Brasil a tratar de forma ampla sobre a temática, voltados, principalmente, para pessoas que possam construir políticas e ações de mitigação para as espécies invasoras. “Sem esse conhecimento, não conseguimos estabelecer ações de manejo ou de prevenção, que são superimportantes no caso das invasões”, pontua Vânia Regina Pivello, professora do Instituto de Biociências (IB) da USP.
No Brasil, o problema das espécies invasoras afeta todas as regiões, com mais de 500 registradas — em torno de 200 espécies de plantas e mais de 250 de animais —, de acordo com o levantamento. Os principais invasores biológicos são: peixes e invertebrados (ex.: piranha, mexilhão, lebiste, pacu) em águas continentais; invertebrados (ex.: peixe-leão, coral-sol, alga verde) em águas marinhas; espécies de variadas árvores em florestas; gramíneas (ex.: capim-gordura) em locais campestres e de savana; e animais domésticos e plantas ornamentais em ecossistemas antrópicos.
Os impactos dessas espécies se estendem por diversas esferas, da saúde humana e animal (como Aedes aegypti e outras epidemias) à ambiental, com a competição entre espécies nativas e estrangeiras e, também, à esfera econômica.
O que mais conhecemos são os impactos na biota [conjunto de organismos que habitam ou habitaram uma área específica do Planeta], mas também há impactos sobre o meio físico, como a descaracterização de ambientes, eutrofização [aumento de nutrientes em lagos e rios que provoca a proliferação de algas] e mudanças no solo. “Tudo isso acaba repercutindo sobre os seres humanos, com enormes perdas econômicas e na saúde”, diz Vânia Pivello, que coordenou o capítulo sobre os impactos.
Segundo o estudo, entre 1984 e 2019 no Brasil, apenas 16 espécies exóticas invasoras (como pragas agrícolas e vetores de doenças) causaram um prejuízo que variou de 77 a 105 bilhões de dólares.
“Em termos de prejuízo econômico, são enormes os problemas que podem causar. Desde os sistemas produtivos, por exemplo, com o mexilhão-dourado impactando as usinas hidrelétricas, até as espécies de plantas que são usadas de forma ornamental ou na horticultura para alimentação, assim como animais para alimentação, que podem impactar outras espécies nativas. Isso vai influenciar nos serviços ecossistêmicos”, explica Andrea Junqueira, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do estudo. “Não conseguimos separar o econômico da saúde e da ecologia.”
O processo de invasão ocorre através de atividade antrópica (resultante da ação humana), intencional ou não, com quatro fases principais. As primeiras fases são o transporte e a introdução, em que a espécie consegue chegar a locais fora de sua distribuição natural por causa da interferência humana. Se o organismo sobrevive às barreiras geográficas e ao novo ambiente, a próxima fase é o estabelecimento, dependente do êxito da reprodução no local. E, por fim, a expansão da espécie exótica no novo ambiente.
Apesar de já existirem políticas públicas para combater o fenômeno, é necessário fazer um esforço integrado para, de fato, resolver o problema. “A questão é que elas [as políticas] são pulverizadas. Gostaríamos que elas fossem mais integradas em uma política nacional para as espécies invasoras”, diz Andrea Junqueira.
O manejo dessas espécies deve passar por ações de prevenção, detecção e controle, segundo Michele de Sá Dechoum, professora adjunta da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e uma das coordenadoras do relatório. “É possível fazer protocolos e ferramentas que podem ser utilizados por gestores públicos para minimizar ou mesmo impedir a introdução de espécies no País. Um exemplo é a análise de risco: vamos supor um empreendedor que quer introduzir uma espécie no País, ele vai entrar com uma solicitação em um órgão ambiental, que vai fazer uma análise do risco daquela espécie se tornar uma espécie invasora”, cita a pesquisadora sobre a prevenção.
Para as coordenadoras, outro tópico importante para combater o problema é a implementação de medidas de informação pública sobre as invasões biológicas e os tipos de impactos que elas causam. “A maioria das pessoas não sabe que o problema existe, não sabe que, às vezes, uma planta que ela escolhe para colocar no quintal da sua casa ou plantar na rua pode vir a ser um problema para o ambiente natural”, diz Michele Dechoum.
O relatório e o Sumário para Tomadores de Decisão são um primeiro passo para enfrentar o problema e lidar com os impactos ambientais, sociais e econômicos. “Uma mensagem importante que a gente [transmite] nos documentos é que quanto mais demoramos para agir, mais o problema se agrava. O momento de agir é agora”, ressalta a professora.
*Julia Custódio, com informações da Assessoria da BPBES
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