Arte sobre fotos / Divulgação TissueLabs

Produção de órgãos em laboratório coloca médico da USP entre os mais inovadores da América Latina

Gabriel Liguori, CEO da startup TissueLabs e pesquisador do Incor, foi indicado ao prêmio Innovators Under 35 LATAM do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (IMT)

19/01/2021

Em julho de 2019, mais de 35,5 mil pessoas aguardavam por transplante de órgãos no Brasil. No mesmo mês do ano passado, o número saltou para 46.181, aumento de 30%, segundo dados do Ministério da Saúde. Para mudar a vida de milhares de pessoas que esperam por uma doação de órgãos, Gabriel Liguori, médico e pesquisador do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, criou a TissueLabs. Uma startup que desenvolve diferentes materiais para criação de órgãos e tecidos artificiais em laboratório. 

O projeto de Liguori o colocou na lista dos 35 jovens mais inovadores, com menos de 35 anos de idade da América Latina, da Innovators Under 35 LATAM I 2020, edição em espanhol da revista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (IMT). O resultado saiu em dezembro.

“Eu diria que é um reconhecimento precoce em relação ao que temos feito, mas que com certeza nos incentiva a continuar. Ser reconhecido pelo MIT como um dos jovens mais inovadores, mostra que você está no caminho certo”, disse o médico de 31 anos.

Para ele, a premiação representa um incentivo e uma oportunidade para a startup permanecer crescendo, além de alcançar a meta de internacionalização, estipulada para este ano. A TissueLabs nasceu em 2019, em sociedade com Emerson Moretto, engenheiro e pesquisador da Escola Politécnica (Poli) da USP. 

Atualmente, com 13 integrantes, o empreendimento atende pesquisadores no Brasil e em países como Estados Unidos, México, Portugal e Suíça. A startup funciona com o apoio da Incubadora de Empresas de Base Tecnológica de São Paulo USP/Ipen – Cietec (Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia) instalada no campus do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), na Cidade Universitária, em São Paulo. 

Ela acaba de receber seu primeiro aporte privado, no valor de R$ 1,5 milhão, realizado por investidores brasileiros e liderado pelo economista Eduardo Zylberstajn. O investimento permitirá à TissueLabs aprimorar suas tecnologias, desenvolver novos produtos e expandir suas atividades para o exterior.

Gabriel Liguori, médico e CEO da TissueLabs: reconhecimento precoce - Foto: Divulgação/TissueLabs

A principal ambição da startup está em produzir o primeiro coração bioartificial do mundo, a partir da bioimpressora e do hidrogel desenvolvidos na TissueLabs para realizar a impressão 3D do órgão.

Vídeos: Reprodução/TissueLabs

1º coração bioartificial do mundo

Uma das metas da startup é construir o primeiro coração artificial do mundo utilizando a bioimpressão, ou seja, a impressão 3D de tecidos humanos. O primeiro passo eles já deram: desenvolveram um hidrogel para ser utilizado como matéria-prima na bioimpressão. 

Ele é constituído de uma mistura de células-tronco do próprio paciente com as células do órgão que se busca reproduzir. “Então se você quer imprimir um coração, consegue produzir os hidrogéis a partir de corações suínos. Se você quer imprimir um fígado, consegue a partir do fígado suíno, e por aí vai”, explicou Liguori.

A bioimpressora também é fabricada pela startup, já que não havia equipamento disponível no mercado para a utilização do hidrogel. Hoje, os produtos TissueLabs já permitem a fabricação de tecidos simples como válvulas cardíacas e vasos sanguíneos.

Apesar de ainda não poderem ser utilizados em humanos, os insumos são comercializados para uso em pesquisa ao redor do mundo, como desenvolvimento de novos medicamentos e avançar na pesquisa sobre várias doenças. De acordo com entrevista à Innovators Under 35 LATAM I 2020, mais de 40 laboratórios e de 200 cientistas ao redor do mundo já trabalham com produtos TissueLabs para estudos biomédicos.

Em relação à construção de órgãos artificiais,  Liguori espera que “daqui a dez anos a gente consiga colocar esses órgãos para testes clínicos.”

Gabriel Liguori, da Faculdade de Medicina, e Emerson Moretto, da Escola Politécnica, ambos pesquisadores da USP - Foto: Divulgação/TissueLabs

Trajetória na medicina

Desde muito cedo a medicina esteve presente na vida de Gabriel Liguori. Com poucos dias de vida, sua família descobriu que ele possuía atresia pulmonar, uma cardiopatia congênita. Significa que uma das principais artérias do coração não foi formada, impedindo a circulação correta do sangue entre o coração e o pulmão. A condição levou-o a ser operado com dois anos de idade, e as idas ao Incor, em São Paulo, eram constantes. 

Era frequente estar no hospital, e aquilo desde o começo me despertou interesse. Não era algo que eu via como negativo. Então sempre falei quando criança, quando me perguntavam o que eu queria fazer, que queria ser médico”, conta. 

No vestibular, foi aprovado na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), focando sua formação na cardiologia. Já na graduação realizou o curso Principles and Practice of Clinical Research na Universidade de Harvad e estagiou no Children’s Hospital Boston, ambos nos Estados Unidos. 

Ele ainda estagiou no Royal Bromptom Hospital, em Londres, e passou por um período de intercâmbio na Holanda, pelo programa International Federation of Medical Students Associations. Os esforços renderam o Prêmio Prof. Dr. Edmundo Vasconcelos de distinção em Cirurgia, ao se formar com destaque, em 2014. 

Participar de projetos de iniciação científica despertou em mim o interesse de querer esse ambiente científico, e não só o da cirurgia. Eu imaginava que queria ser cirurgião cardíaco, então durante a faculdade foquei nisso, mas depois enxerguei outras possibilidades que talvez me permitissem ter um impacto ainda maior na saúde das pessoas”, detalhou Liguori, ressaltando o interesse que descobriu possuir na área de Engenharia de Tecidos após se formar. Decidiu, então, realizar doutorado, em vez de ir para a residência médica. Tornou-se doutor em Cirurgia Torácica e Cardiovascular pela FMUSP em cotutela com a Universidade de Groningen (Holanda), fundando a startup logo em seguida.

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